Quem foi Marie Laveau

Fotografia de Marie Laveau – Crédito: Wikimedia Commons

Nova Orleans, no estado da Louisiana, foi uma das cidades norte-americanas que recebeu um grande influxo de navios com tráfico escravo por volta do séc. XIX. Com estes escravos, o Voodoo veio junto. E por mais que, em sua chegada, cada uma dessas pessoas escravizadas fossem batizadas como católicas e fossem retiradas de sua fé original, através de muito sacrifício, e do sincretismo, a sua espiritualidade se adaptou e continuou vivendo.

E uma das figuras mais notáveis, até os dias de hoje, da cultura Voodoo norte-americana foi sem dúvida alguma Marie Laveau. Com sua vida envolta por algumas boas doses de mistério, se crê que ela tenha nascido no Bairro Francês no dia 10 de setembro de 1801, filha de uma crioula liberta, Marguerite Henry D’Arsentel, e do quinto prefeito da cidade, Charles Laveau Trudeau. De sua mãe e avó, praticantes do Voodoo caribenho, ela teria aprendido os segredos da religião. E do seu pai, um político rico dono de fazendas e terras, ela teria tido a oportunidade de ter uma boa educação e uma vida confortável desde cedo.

Seu primeiro casamento teria sido em 1818, com o imigrante haitiano Jacques Paris. Após um ano, ou dois, ele viria a desaparecer, sob circunstâncias desconhecidas. Ficando com os bens que ele deixara para trás, Marie então abriu um salão de cabeleireira, e foi aí que sua carreira começou. Com seu salão sendo frequentado pelas mulheres mais influentes da região, e também atendendo a domicílio, ela não demorou a estar inteirada de todos os segredos da elite da cidade e, com isso, passou também a oferecer aos poucos pequenos serviços espirituais. Curas, leituras de cartas, alguns feitiços, tudo era feito por ela. E não somente as mulheres procuravam seus serviços como feiticeira como homens também, trazendo de pedidos de enriquecimento e destruição de inimigos a ajuda para abortos em casos de gravidez extra conjugal.

Com o tempo, uniu-se então ao Capitão Luis Christopher Duminy de Glapion, com quem viveu até a morte dele, em 1935. Eles teriam tido ao todo 15 filhos, das quais apenas duas chegaram a idade adulta, Marie Euchariste Eloise Laveau e Marie Philomene Glapion. A primeira, após a morte da mãe, assumiria o seu lugar como sacerdotisa de Voodoo na cidade.

Da sua carreira espiritual temos mais mitos hoje em dia do que fatos. Ela teria sido aluna de Dr. Jhon, um senegalês muito conhecido pela sua confecção de gris-gris (um tipo de amuleto para diversos fins no Hoodoo), aprendendo e aprimorando as técnicas do seu professor. Sabe-se também que em sua residência ela mantinha seus altares, numa mistura de crenças católicas com figuras africanas, e semanalmente realizava reuniões e oferendas com aqueles que desejassem participar, tanto negros quanto brancos. Fora seus atendimentos individuais as pessoas mais importantes da cidade, ela também participava e conduzia cerimônias de Voodoo na praça Congo, nos arredores de Nova Orleans. E pessoas de todas as classes a procuravam para os mais diversos fins.

O que se pode afirmar é a influência inegável que ela teve social e politicamente em sua época, graças a rede de informações ao qual tinha acesso e manipulava, através do seu trabalho dentro das casas mais abastadas da cidade. Usando todos os segredos aos quais tinha acesso para ganhar mais poder e influência.

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Túmulo de Marie Laveau no Cemitério St. Louis em Nova Orleans

Já em sua velhice, na década de 1860, ela aos poucos foi deixando de lado suas práticas públicas para ter uma vida mais recolhida e tranquila. Nunca deixando, no entanto, de fazer parte dos movimentos mais fundamentais da cidade. Segundo historiadores, ela morreu pacificamente, dormindo em casa, no dia 15 de junho de 1881. Seu grande funeral contou com a presença de toda elite da Louisiana, além de uma multidão de pessoas, e os jornais da época a retrataram como uma “mulher de grande beleza, intelecto e carisma, que também era piedosa, caridosa e uma hábil curandeira de ervas”.

O local da sua real sepultura não é muito conhecido, mas a localização mais famosa é no cemitério St. Louis, número 1, na cripta da família Glapion, onde as pessoas ainda costumam ir para lhe levar oferendas, esperando que seus desejos possam ser concedidos. Alcançada a graça, deve-se voltar ao túmulo para, em agradecimento, marcar três XXX em sua lápide.

Se você deseja saber mais sobre sua história pode conferir nos livros The Magic of Marie Laveau: Embracing the Spiritual Legacy of the Voodoo Queen of New Orleans de Denise Alvarado e A New Orleans Voudou Priestess: The Legend and Reality of Marie Laveau de Carolyn Morrow Long.

Conjures, Rootworkers e a Justificativa

Voodoo Authentica
Foto do Museu Voodoo de New Orleans 

Quando se fala dos praticantes do Hoodoo é normal ouvirmos sobre duas categorias, a dos Conjures e a dos Rootworkers. Também ouvimos muito que o que os rege seria a Lei da Justificativa. Vamos falar um pouco sobre o significado de cada um desses termos?

O Conjure

Conjurar é o ato de despertar a vida, a consciência, das coisas. Um conjurador é, antes de tudo, um bom invocador e um bom comunicador espiritual. Ele sabe como tocar a essência de todas as coisas, falar sua linguagem, e despertar seus segredos e energia vital. No ato da conjuração se despertam as virtudes de diversos elementos, e são chamados a manifestação espíritos e seres. Cada feitiço ganha uma vida própria. E tudo aquilo que é trabalhado tem em si a ativação da pulsação divina.

O Rootworker

Aqui encontramos os famosos raizeiros. Aqueles que trabalham na manipulação das plantas, de seus espíritos e energias, para o uso de suas medicinas. Aqui encontramos a fabricação de remédios naturais, de xaropes, métodos de cura e benzimentos. Não a toa muitos Rootworkers também são chamados de Root Doctors, médicos naturais, que desenvolvem os poderes da terra e seus segredos.

Em sua prática, Rootworkers também usam da conjuração para despertar cada erva que trabalham. Assim como Conjures também usam muito a sabedoria das medicinas naturais. Existe muito diálogo e intercâmbio entre as duas práticas, muitas vezes sendo realizadas em correlação. O que as diferencia é o foco de seus praticantes. Se ele está mais no trabalho da prática mágica ou na exploração do potencial oculto do reino vegetal. Em tudo isso, ambas categorias guiam seu trabalho pela Lei da Justificativa.

A Justificativa

Dentro do Hoodoo cada praticante é livre para ter sua própria fé. Com suas crenças, paradigmas e maneiras de compreender o divino únicas e particulares. Cada praticante tem sua própria forma de entender Deus. E é isto que o guia dentro da prática no Hoodoo em questões de caráter, moral e limites. É na conversa, no diálogo e na dinâmica, entre o praticante e sua divindade, guias e guardiões que tudo é feito e decidido. Nesta dinâmica é que encontramos a Justificativa.

Ela é o ato do praticante de se colocar perante o divino e explicar os motivos de estar fazendo o que faz, da maneira que faz. A exposição do motivo das suas ações perante aquilo que o guia. Se aquilo pelo qual o praticante pleiteia for justo perante sua fé ele prosseguirá, se não for ele mudará sua tática. Afinal, se aquilo que você está prestes a fazer não é considerado válido pelo seu Deus, é melhor que não seja feito.

Nesta conversa entre o plano espiritual e o praticante é onde cada passo é alinhado. Tanto para trabalhos de benção com também de maldição. Afinal, se o que é feito tem o aval e a permissão daquilo que fortalece o praticante ele nada tem nem a recear e nem a temer. E nisto se encontra a chave do equilíbrio dentro do Hoodoo.

 

O que é o Hoodoo?

Foto de Madame Omi Kongo, conjure e rootworker norte-americana, cedida para a Vice 

Numa definição básica, o Hoodoo é uma forma de se praticar magia. É um sistema sincrético de feitiçaria e magia popular afro-americana praticada nas Américas, especialmente nos Estados Unidos, onde nasceu. E aqueles que o praticam podem ser chamados de Conjures (conjuradores) ou Rootworkers (raizeiros).

A maioria de seus adeptos, historicamente, sempre foram afro-americanos, apesar de termos alguns brancos que foram considerados root doctors famosos. Hoje, ele vem ganhando cada vez mais destaque tanto pelas Américas quanto ao redor do mundo, tendo em cada local que se instala seu toque particular, sem com isso perder suas raízes.

E quando falamos de raízes falamos dos três principais pontos convergentes de onde o Hoodoo adquiriu a maior parte de seu corpo de tradições: O Voodoo haitiano trazido pelos negros no séc 18 para os EUA, a sabedoria de cura dos índios nativos americanos e o uso de alguns grimórios medievais como As Clavículas de Salomão e os Livros de Moisés.

Foto de Khi Armand, autor de Deliverence, pelo fotógrafo Jonathan M. Lewis 

Seu berço no Voodoo, religião africana fortemente estabelecida no Haiti, começou com as próprias Grandes Revoltas que, após 10 anos de guerra entre colonos e negros, foi vencida em 01 de janeiro de 1884, tornando o Haiti uma República. Muitos daqueles que procuraram fugir da guerra, ou foram expulsos ou traficados do país durante as convulsões populares desembarcaram na costa oeste e no sudeste norte-americano, com destaque para Nova Orleans, Louisiana, Mississípi, Flórida, Tenessi, Alabama e Virgínia.

Já no Novo Mundo, o contato com os povos indígenas foi aos poucos se estabelecendo com esses imigrantes e escravos negros, acrescentando a sabedoria e as técnicas de medicina com ervas e raízes a eles. Afinal, as condições para se ter atendimento médico de qualidade não eram abertas a todos, e a maioria podia apenas recorrer a sabedoria natural em busca de auxílio. Após alguns anos, quando os filhos já livres dessas pessoas começaram a ter acesso a educação, conseguindo aprender a ler, entraram em cena os folhetos e livros europeus sobre magia cerimonial que se podiam achar em lojas. Eles absorveram de forma simpática e simples o pouco que dali podiam realmente usar, como os pantáculos, e descartaram o que seria inviável de ser praticar. E é nesse movimento que o Hoodoo se estabelece como o conhecemos hoje em dia, tendo já por volta de 300 anos de existência.

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Foto por Jennifer Boyer

Como um sistema de trabalho o Hoodoo não pode ser confundido com religião. Ele não possui em si hierarquias, teologia ou clérigos. Como uma técnica de magia, pode ter e tem praticantes de todo cunho religioso em si. Ele só pede que você tenha alguma fé, afinal, o que se faz em suas técnicas sempre será feito perante os deuses e forças maiores da fé daquele que o pratica. E isto é que guiará o praticante, formando seu ”caráter”, limites e morais, dentro da sua prática.