As Ordálias e a natureza do Caminho

Fonte – Arquivo pessoal

Se existe um ponto espinhoso na maior parte dos caminhos espirituais esse ponto são as ordálias. A concepção original do termo vem das antigas provas judiciárias onde a intervenção divina era usada para se determinar a culpa ou a inocência de um acusado. Este acusado poderia ser exposto a diversos tipos de tortura ou provas físicas, como andar sobre um caminho feito de carvões acesos em brasa, por exemplo, sendo considerado inocente caso saísse sem qualquer dano ou ferimentos. Com a intervenção divina também podendo ser atestada através de manifestações específicas da natureza durante o processo.

Seu uso, compreensivelmente, foi sendo deixado de lado com o passar tempo. Afinal, nele tínhamos a busca constante pelo milagre em situações onde ele não era de fato preciso. Tentar forçar compulsoriamente uma manifestação espiritual nunca foi e nem nunca será é a melhor forma para se decidir nada judicialmente.

Agora, deixando a parte forense e o que é de ordem mundana e prática de lado, o termo nunca de fato desapareceu do seu local mais apropriado, que é o religioso em si. Sendo usado também dentro do ocultismo para indicar as provações críticas aos quais seus adeptos são expostos ao longo de seus desenvolvimentos. Dentro das vertentes da Mão Direita a conotação de juízo divino se mantém praticamente como na concepção original. Não é o meio que testará o adepto, nem mesmo seus superiores ou professores, mas sim o componente divino. E, dentro dos caminhos da Mão Esquerda, esse componente tende a ser, naturalmente, infernal e adversarial. Sendo aqui que a nossa conversa, neste texto, realmente começa.

Temos as ordálias sendo mais abordadas dentro das Ordens, onde temos toda uma estrutura para nos ajudar a dar forma as nossas jornadas. Mas eu não poderia fazer um Guia sem falar delas, sem falar das provações do Caminho. Pois nem todo mundo tem as condições de se filiar a uma Ordem bem estruturada e responsável para aprender sobre elas em um ambiente seguro e regrado, tendo o auxílio necessário para as vencer e para aprender a como lidar com elas.

Nós nem sequer temos Ordens de Esquerda para isso em cenário nacional ainda, na verdade. A estrutura que temos, em cenário brasileiro, é muito mais ampla e bem desenvolvida em relação a Mão Direita do que em relação a Esquerda. Talvez um dia isso mude, mas agora, a maioria de nós é praticante solitário por sermos um meio que ainda tem muito o que desenvolver. A gente se vira com o que tem, faz o que pode, e se vira como dá. Então, que eu seja a figura que vai falar sobre.

Pois incrivelmente não foram as Ordens e as figuras sacerdotais que eu tive nos anos e anos em que eu estive na Mão Direita, com toda sua estrutura e com tudo aparentemente “certinho”, que me ensinaram a lidar com ordálias. Aqueles que realmente me ensinaram, me estruturaram e me auxiliaram em relação a elas foram justamente os infernais.

O Caminho Tortuoso

Por toda a minha jornada, meus passos sempre foram por trilhas mais escuras do que a das pessoas ao meu redor, nos meios dos quais eu participei. Todas as divindades e figuras espirituais que vieram até mim desde o começo sempre foram as ligadas a guerra e a morte. Desta forma, meu caminho sempre possuiu energias mais densas e provas mais secas do que as da maioria. E eu não recebia suporte no nível em que eu realmente precisava. Aliás, como novato, eu não tinha nem sequer parâmetros para discernir qual era o nível de suporte de que eu realmente precisava. Eu só fui perceber o quanto eu fui desamparado anos depois. Depois de ter minha vida totalmente destruída e não ter tido ninguém para me ensinar a como me reconstruir. E eu perdi literalmente tudo mesmo, eu cheguei em um nível em que nem onde morar eu tinha mais e se eu não tivesse amigos para me abrigar na sala deles enquanto tentava me virar eu teria ido pra rua e muito provavelmente jamais me recuperado. Não estaria nem aqui mais.

E isso aconteceu comigo fazendo tudo dentro de estruturas de Mão Direita. Enquanto todas minhas divindades me chamavam para adentrar a Mão Esquerda e eu aceitava apenas estudar sobre, usando uma ou outra coisa, mas nunca indo de fato para ela pelo tanto de propaganda negativa que eu ouvia e pelas vivências negativas que eu já estava tendo. Eu não queria sair de um caminho que já estava difícil para outro que todos diziam que iria ser pior ainda. Ninguém em sã consciência iria querer isso. Mas o tempo, e a sabedoria das figuras divinas que me guiaram, me fizeram virar a Esquerda (para valer, não mais apenas flertando com) no momento apropriado. Eu já estava mais velho, mais calejado, já sabia me orientar diante do caos, e em pouquíssimo tempo a tempestade que eu já esperava ao invés de me puxar para baixo me impulsionou para cima pela primeira vez em quase uma década. Foi ali que eu parei de me afogar e comecei a nadar.

Em primeiro lugar, isso se deu sim pela experiência que eu já tinha adquirido na marra sobre como estruturar o básico. E eu coloco esse básico aqui. Leve-o extremamente a sério. O Guia tem textos sobre como estudar, sobre como identificar discurso nazi e facho enquanto você procura por livros e fontes, sobre como identificar grupos abusivos e falsos mestres para não cair em armadilhas e sobre como organizar uma prática inicial com cuidado. É só acessar.

Em segundo lugar, isso também se deu porque, pela primeira vez, eu parei de negar minha própria natureza e aceitei ser envolvido por um Caminho que era de acordo com ela e não contra. Então, a partir disso, minha jornada passou a ser real e profundamente um exercício de amor, de cuidado e de respeito que eu expresso por mim mesmo. E esse é o ponto central que muitas pessoas perdem.

Ambas as Vias, dentro do ocultismo, são caminhos espirituais extremamente sérios de desenvolvimento e de aprimoramento pessoal. O foco, em ambas, é a lapidação interna de seus adeptos. E, enquanto isso já é mais bem compreendido em relação a Direita, as pessoas ainda enxergam a Esquerda através de um viés assustadoramente pejorativo. Como se ela fosse apenas um meio para se conquistar poder terreno e dar vazão as próprias perversões e maldades ao invés de ser um caminho de evolução real e legítimo. A percepção do senso comum ainda é de que é apenas na Mão Direita onde existe evolução e aprimoramento pessoal, sendo a Esquerda algo para se flertar apenas num viés utilitário. Para se ter dinheiro, para se conquistar o amor do outro, para se vingar e por aí vai. Mas ambas são Vias de evolução.

E nenhuma evolução, em ambos os lados, acontece sem esforço. Sem provações. Sem sacríficos. A lapidação acontece sempre através da dor e do fogo, independentemente da Via. Mudando apenas a direção para onde você está se orientando, como já foi colocado aqui.

E, em questão de natureza e de lapidação interna, existem pessoas para ambos os Caminhos. Existem pessoas cuja natureza e os objetivos são alinhados a Direita. E existem pessoas cuja natureza e os objetivos são os da Esquerda. Se existem diversos Caminhos, é porque também existe diversidade no universo e em nós e isso nunca foi e nem nunca será algo negativo em nenhum nível. Você só saberá qual caminho é o certo para você conhecendo a si mesmo. Nisto, estude. Estude muito. Estude de tudo. E teste, experimente, viva as coisas que você sentir que precisar viver. As respostas vão te encontrar se você estiver em movimento atrás delas, ao invés de ficar parado apenas gastando energia mental pensando sobre. Se você quiser um pouco de ajuda eu ofereço um exercício aqui, e um jogo oracular específico que você pode testar aqui também.

Só cuidado para não ficar, assim como eu fiquei, por anos e anos com a respostas sendo passadas insistentemente sobre onde era o meu verdadeiro lugar por todos que me guiavam mas receando ir por causa da pressão dos outros. Se falarem para você que não existe evolução na Esquerda, que os daemons só vão querer seu mal o tempo todo, e que figuras infernais só vão te afundar na vida mande tomar no cu sem cerimônia alguma.

Agora que já acertamos aqui que a Mão Esquerda é sim um caminho evolutivo sério e que provações e ordálias naturalmente fazem parte do processo dela assim como fazem parte da Direita também, vamos para a próxima parte.

A Chama Negra

Quando falamos que um Caminho evolui algo, ele evolui o quê, de que forma, e para qual finalidade?

Evoluir é mudar. É cruzar gradualmente o espaço entre um determinado estado para outro, diferente do primeiro. É se transformar. E, na Mão Esquerda, o que é evoluído vai para além da nossa alma, que é o nosso espírito presentemente encarnado, indo diretamente para o cerne do espírito, que é o grande mistério que existe sobre nós e permanece existindo para além de qualquer uma das nossas encarnações. Neste cerne é onde se encontra a substância dos nossos espíritos em sua fagulha mais pura, é onde temos a fonte e a natureza da nossa existência. E é nessa fagulha que comumente dizemos, em diversas vertentes da Mão Esquerda, que é onde reside a Chama Negra.

Ela é a ideia de que aqueles que verdadeiramente são da Mão Esquerda o são no cerne mais puro e profundo das suas existências e de que, se você separar o espírito de um de seus adeptos de seu corpo, tirando-o do plano físico, e o dissecasse, no seu núcleo o que o habitaria seria uma chama de puro fogo negro, parte da natureza do próprio Adversário. Como se essa chama fosse uma gota do oceano que a própria Corrente do Adversário é, sendo todos seus adeptos partes do que a constitui em sua totalidade. Nesta concepção, nascemos sendo, cada um de nós, partes do Adversário. Assim sendo impossível nos “tornamos” de Mão Esquerda, mas sim apenas nos lembrarmos de que já o somos. Nos reencontrarmos com a nossa própria natureza. Voltarmos para o lar, voltarmos a nós mesmos. A Chama Negra é a dádiva do Adversário dentro de cada um de nós, não podendo ser retirada visto que é a nossa própria essência, mas sim podendo ser continuamente aprimorada no processo que chamamos de auto deificação.

Onde nos desfazemos de tudo que não é realmente nosso e alinhado a nossa verdadeira essência para nos retificamos da forma mais pura o possível ao que realmente e legitimamente somos, exaltando e deixando florescer nosso mais autêntico potencial, nossa Verdadeira Vontade. A visão e a manifestação do que esse potencial é em todo seu esplendor é o que buscado, sendo o que também é chamado de Deus ou Daemon Pessoal.

Esta é a busca, a Grande Obra, o transformar dessa fagulha divina que habita em todos nós (e que na Mão Esquerda é sempre adversarial por essência) de apenas uma partícula de potencial bruto até o máximo que ela pode se tornar. Atingir o que é chamado de “conversação” com o Daemon Pessoal para que o adepto entre em contato com qual é o seu potencial e possa se orientar com clareza e discernimento até ele não é uma tarefa fácil, assim como na Mão Direita a conversação com o Santo Anjo Guardião também não o é. Especialmente para o manifestar em plenitude na consciência do praticante. Pois estas são manifestações do nosso eu superior já divinizado.

As Ordálias

Tendo em consideração que esta é a Obra, cada vertente dentro da Mão Esquerda vai a conduzir de uma forma. Existem métodos e trilhas que são próprias do Satanismo, outras que são próprias do Luciferianismo e por aí vai. Inclusive, boa parte das vertentes da nossa Via hoje em dia possuem métodos próprios de conduzir seus adeptos pelo caminho iniciatico das Qliphoth, que são muito usadas para essa transformação e alquimia interna pelo viés adversarial da Esquerda. Estando elas como a trilha mais drástica e violenta que possuímos tanto pela sua natureza quanto pelo próprio processo que elas desencadeiam. Afinal, quando falamos de processos de lapidação e evolução, o trabalho não é e nunca poderia ser feito para ser simples.

Principalmente aqui, principalmente na Via Sinistrae. Estamos na Corrente do Adversário, na jornada antinomiana. A fagulha divina que possuímos dentro de nós é adversarial, e a nossa evolução é para aprimorá-la. Para nos tornarmos a manifestação viva e pulsante do Adversário que realmente somos em toda sua plenitude. A Alquimia Negra na qual trabalhamos nunca teria outro gosto além do gosto do nosso próprio sangue pois forjar o nosso caminho para além da ordem e das leis do Universo não só possui seus desafios próprios como gera uma reação de força contrária que se coloca contra o adepto durante todo o seu processo.

Para entender isso, imagine que antes de iniciarmos nossas jornadas todos fazemos parte, de certa forma, do intrincado tecido que forma a substância do Universo. Ocupando espaço de uma determinada forma e em uma determinada posição dentro dele. Ao darmos nosso primeiro passo nos movimentamos, saímos do lugar, e saímos do lugar para nos colocarmos num papel de oposição, no papel do Adversário. Isso causa um desequilíbrio momentâneo neste tecido que procurará se harmonizar novamente e para isso se colocará contra o praticante, pois a solução de menor esforço é que simplesmente volte ao antigo local aquilo que lá estava antes. É desta movimentação que vem as primeiras ordálias, as primeiras provações da jornada.

Essas são geradas pelo desconforto criado pelo movimento em si. As circunstâncias ao seu redor tendem a tentar te puxar de volta, a te impedir de continuar. É o primeiro baque instantâneo que tem como intuito provar se a sua vontade de continuar realmente é firme o suficiente para que você trilhe a jornada. O primeiro teste sempre é relacionado a sua resistência, é onde você descobre a firmeza que existe ou não na sua decisão e no seu comprometimento ao caminho que você escolheu, seja ele qual for.

E, por experiência própria e pelo que eu acompanhei de outros praticantes ao longo dos anos, esse período geralmente se estende por todo primeiro ano da jornada. Algumas pessoas demoram menos, outras estendem mais, mas num geral o primeiro ano é onde temos esse embate de resistência. Até pelo fato de que esse é o tempo que precisamos para estruturar e realmente engatar em um novo Caminho.

A sensação que esse processo proporciona é a de que entramos em uma queda de braço não só com nós mesmos, com nossa razão e motivações, mas com a própria vida num geral. Todos os problemas que puderem surgir para atrapalhar e para gerar questionamento surgirem. Desde problemas pessoais como a perca de amigos, de relacionamentos e com o surgimento de problemas familiares até mesmo a problemas de ordem prática como a perca de um trabalho, ter que se mudar para outra cidade ou local, enfrentar preconceitos, escassez, privações até mesmo problemas de saúde. Tudo o que pode acontecer para gerar desistência, acontece. Tudo que pode acontecer para testar se é isso mesmo que queremos ou não, acontece.

Pois neste período não temos só o tempo para estudar, para testar coisas e para semear as nossas bases mas sim para o próprio Caminho nos testar, da mesma forma como o testamos. E ele testa a nossa própria natureza, para ver do que é feito o cerne daqueles que se apresentam. De forma que apenas aqueles que realmente se alinham ao Caminho conseguem seguir em frente. As transformações e provas deste início, desta forma, são decisivas. É onde aqueles que realmente possuem a Chama Negra a despertam dentro de si e vencem suas primeiras batalhas para seguir em frente, e onde quem não deve prosseguir é espantado para longe.

Depois desse primeiro período de triagem, toda a vida daqueles que conseguiram prosseguir já estará alinhada para que eles deem seguimento a suas Obras pessoais. E é neste momento onde as Ordálias passam a serem muito mais focadas, muito mais duras e muito mais específicas. É onde elas começam de verdade, por assim dizer. Pois é com a real inserção do adepto no Caminho, tendo conquistado seu direito de entrada e demostrado sua aptidão, que tudo realmente começa. E podem levar anos até que esse momento chegue, sendo o desenvolvimento da nossa Obra algo que durará pelo resto das nossas vidas. Então, nunca pense que a Mão Esquerda enquanto Via de evolução pode ser trilhada para se obter resultados e poder rápidos, pois ela não pode. Ela é o aprimoramento constante dos nossos espíritos na Corrente do Adversário, ela é um compromisso definitivo com aquilo somos e aspiramos ser em eterna progressão.

Somos tanto capacitados como testados pelos guias e pelos professores do nosso Caminho, que são figuras infernais e adversariais, para nos desfazermos de tudo que não reflete quem realmente somos em nossa jornada até a nossa Apoteose. As circunstâncias ao nosso redor, desta forma, sempre passarão a refletir nosso trabalho espiritual e a nossa Obra, para o bem e para o mal, até que toda a nossa vida seja a Obra em si. Em questão de processos espirituais ou falhamos em tudo ou somos bem sucedidos em tudo. O sucesso nos alavanca em todas as instâncias das nossas vidas, e as falhas nos destroem, nos apodrecem de dentro para fora até que consigamos as superar. Então, nunca pense em assumir para si uma trilha ao qual você não esteja disposto a se doar completamente, a se deixar transformar completamente. Pois este é o processo. Esteja nele por inteiro, ou não esteja.

Até mais!

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Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

A Mão Esquerda é para mim?

Fonte: Arquivo pessoal

Se você de alguma forma já se encontra nas margens da Corrente do Adversário mas ainda hesita, se perguntando se esse Caminho seria ou não adequado para você, talvez esse texto possa te ajudar. A resposta definitiva é algo que só você pode achar, e por si mesmo. Mas, se você se sentar um pouco aqui comigo, nossa conversa te fará sair com algumas respostas.

Em primeiro lugar, eu gostaria que você se imaginasse de pé nas margens de um grande rio. Um rio tão grande, tão vasto, que você mal consegue ver sua outra margem. Suas águas são escuras, gélidas, e uma neblina úmida cobre tudo ao seu redor. A atmosfera e a energia desse local são, num todo, bem soturnas. Imaginou? Agora, em um piscar de olhos, imagine que um espelho surge a sua frente. Pairando no ar, sem nenhum tipo de suporte ao se redor. E, quando você olha em sua superfície enegrecida, ao invés de ver o seu rosto refletido você vê uma chama flutuando em meio as trevas.

Olhando para essa chama, a única fonte de calor em toda paisagem, eu gostaria que você considerasse algumas coisas sobre o seu próprio coração.

Me diga, com sinceridade, em quais situações da sua vida você já foi mal visto por questionar demais? Você consegue revisitar na sua mente os momentos onde você não conseguiu, por mais que você até quisesse, simplesmente concordar calado sem que o incômodo tomasse conta e fosse mais forte que você?

A dissidência é a maior marca da Mão Esquerda. Você consegue a encontrar dentro de você quando as suas opiniões sempre divergem das do seu meio? Quando você não acata ordens sem as indagar antes? Em todas as vezes que você notou as contradições ao seu redor e as contestou? Quantas vezes você já bateu de frente com figuras de autoridade, mesmo sem perceber?

Aqui, isso será necessário. Pensar de forma independente e não ter medo de ser o único que contraria. Que não se conforma. Ao pensar nisso, a chama a sua frente cresce ou diminui?

Agora me diga, com sinceridade, o quanto você é capaz de agir sobre seus incômodos? Você é do tipo cujos lábios involuntariamente formam um sorrisinho quando sente algo te desafiando?

Ser alguém que tem a iniciativa e o peito de fazer por si mesmo ao invés de esperar a vontade ou a ajuda de outras pessoas é absurdamente vital por aqui. O Caminho só pode ser trilhado por quem é capaz de pegar o touro pelos chifres. Sem hesitação. Sem depender de outras pessoas para te validarem e te segurarem enquanto você toma a ação em suas próprias mãos. Ao pensar nisso, a chama a sua frente aumenta ou se enfraquece?

Me diga, com sinceridade, o quanto você se incomoda ou não com pessoas cujo caminho, opinião ou estilo de vida divergem dos seus? Você é capaz de compreender que, apesar das suas crenças, vivências e ideias serem importantes para você elas podem não serem para os outros? Por estas bandas não existe espaço para dogmatismo. Se você é capaz de pensar de forma independente, o outro também é. Diferenças não devem te incomodar.

Na verdade, você deve ser mais do que capaz de mudar de posição e de opinião caso novos pontos de vista forem apresentados a você. Com novas informações surgem novas ideias e nada deve ser inalterável. Ter medo de quem não se assemelha a você e de rever a si mesmo não é como as coisas fluem por aqui. Pensar nisso faz a chama diante de você crescer ou tremular insegura?

Me diga agora, com sinceridade, você consegue se responsabilizar por si mesmo? Ou seja, você é capaz de responder pelos seus próprios atos, agir por conta própria e cumprir com a sua palavra, sendo fiel as obrigações que são inerentes a você, e apenas a você, ou você sente que precisa de uma figura mais velha, mais experiente, e mais relevante que você para guiar os seus passos?

Aqui, a sua obrigação é se encarregar por si mesmo. Se algo der errado, o possuidor da culpa será você. E quem deve responder sobre esse erro e o consertar também. Você não deve estar aqui com a mentalidade de bater na porta dos outros quando as coisas estourarem na sua mão. O caminho é seu e não dos outros. Você faz, você responde, você assume, você conserta. De igual forma, seus louros são seus. Não do fulano, não do ciclano, não graças a não sei o que, são seus. É graças a você. Quem deve ser louvado é você. Pensar nisso faz a chama a sua frente crescer ou diminuir?

Falando nisso, me diga agora com sinceridade, você confia em si mesmo para se assumir dessa forma? Confia na sua própria capacidade de cuidar de si mesmo? De prover para si mesmo, em todos os níveis e sentidos?

A Mão Esquerda preza pela independência e auto regência. Você não vai encontrar um dos nossos vacilando na beira de uma estrada esperando alguém segurar sua mão para poder atravessar. O tempo gasto com qualquer insegurança pode facilmente ser gasto em busca do conhecimento e das ferramentas necessárias para a ação. Não sabe algo? Procura. Corre atrás. Dá seus pulos. Você não nasceu sabendo, mas os que sabem hoje em dia também não. Eles foram atrás também. E você é tão capaz quanto qualquer um deles, ou não é?

Se você me responder que é ainda mais capaz aqui, definitivamente a chama a sua frente dobrou de tamanho.

Agora, me diga com sinceridade, você é um bom estrategista? Estas bandas não são fáceis, você tem que ter discernimento. Analisar as situações ao seu redor, saber onde e como se posicionar e como coordenar os seus recursos se faz necessário em um meio como o nosso. Não se precipite. Saiba se planejar e seja uma pessoa meticulosa em suas ações. Andar com equilíbrio nos faz andar por mais tempo.

Agora, analise como a chama diante de você está. Ela diminuiu até quase se apagar ou se expandiu ao ponto de tomar o espelho todo? Se ela está quase se extinguindo, deixe que isso aconteça e saia da visualização. Não existe nada de errado com isso e absolutamente ninguém está aqui para julgar. Agora, se todo o espelho estiver em chamas diante de você, permita-me falar mais uma ou outra palavra nos seus ouvidos.

É importante que você tenha em consideração que a Mão Esquerda é uma Via antinomiana por natureza. O que significa que ela se coloca como um caminho que se opõe aos preceitos, normas, regras e leis estabelecidas pela cultura que a cerca. E esse papel é o seu papel adversarial por essência, como vemos aqui. Então, espere ser retirado da conformidade ao status quo e ser forçado a desconstrução para que, assim, você possa se reconstruir do zero. E esse processo é um processo de morte. Você morre para a sociedade onde antes você estava inserido e para si mesmo se tornando outra coisa, que ocupará outro espaço, que terá outra vida e outros valores completamente diferentes de antes. Principalmente pois os laços com as antigas limitações, vergonhas, ódios e medos pelo que se desvia da norma são cortados.

Aqui lidamos com tabus abertamente e isso irá necessariamente incluir os seus tabus. As coisas que para você são difíceis. As noções que você tem como invioláveis pois foram colocadas como sagradas para você desde o seu nascimento. Onde não se mexe, o que não se questiona. Os seus limites morais. Aquilo que te traz vergonha, constrangimento e a sensação de que, de alguma forma, você será punido se o fizer. O que você considera que é perigoso, que é impuro e que não deve ser feito. Tabus comuns de serem enfrentados por aqui são tabus referentes a sexualidade, o ir diretamente contra os dogmas e a moralidade religiosa de onde o adepto veio, o lidar com práticas tidas como controversas como o uso das maldições e a experimentação dos vícios e “pecados” que são tidos como motivos da queda e da perversão humana.

E todo esse processo que a Mão Esquerda naturalmente tem de propositalmente ir contra o que é tido como convencional acaba sim colocando seus praticantes em uma posição marginal e adversarial. O que é, a longo prazo, cansativo e solitário. Se você não é naturalmente acostumado a estar as margens, a receber olhares tortos e a ter pessoas se indispondo com você pode ser psicologicamente ainda mais custoso do que naturalmente já o é para você se meter por aqui. Sempre leve isso em consideração.

Pois, apesar de não ser um Caminho que prende ninguém a si (ninguém vai te impedir de ir embora se você realmente quiser ou precisar), você nunca vai voltar como chegou. Sua mentalidade não vai voltar a ser o que era antes de você se aventurar por essas veredas. Certas coisas irão se alterar em você e elas não terão um retorno. Por isso, eu nunca indico essa Via para quem acha que ela é só mais uma área dentre tantas outras ou para quem está perdido e quer testar algo novo só para ver o que acontece. As energias da Esquerda são disruptivas por natureza. A teste e ela te testará em dobro. Se você não naturalmente se alia a filosofia e as propostas desse espaço não entre nele.

Olhe para o espelho em chamas uma última vez. Agora, você consegue se ver refletido em sua superfície escura. Como você se enxerga? Qual potencial você está vendo em meio ao fogo? No que você se transforma? É algo que você deseja? Por qual motivo?

Conseguindo responder isso para si mesmo, dê o próximo passo.

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Os Nove Pecados Satânicos

Fonte: Arquivo pessoal

Até mesmo a mais focada na liberdade individual de seus adeptos entre todas as religiões tem seus pontos a serem evitados. Como já vimos aqui, os Nove Pecados Satânicos foram formulados pela Church of Satan alguns anos após a publicação da Bíblia Satânica por Anton Szandor LaVey. Eles funcionam como pontos a serem evitados por todo adepto saudável do satanismo, guiando a conduta para o desenvolvimento e auto aperfeiçoamento. E aqui, além de colocar cada um deles como expostos pela Church of Satan, também coloco os meus comentários sobre. Vamos lá?

Os Nove Pecados Satânicos

  • Estupidez Ela está no topo da lista dos pecados satânicos e é o principal pecado do satanismo. É uma pena a estupidez não ser dolorosa. Uma coisa é ignorância, mas nossa sociedade incentiva a estupidez. Isso tem a ver com as pessoas indo onde quer que lhes é dito para ir. A mídia promove a estupidez como uma postura cultivada que não só é aceitável, como é louvável. Os satanistas precisam aprender a enxergar através do que lhes é dito e não concordarem em agirem como estúpidos.

Particularmente, sempre gostei muito dessa lista de pecados começar justamente recriminando a estupidez. Sendo uma das mais tradicionais vertentes da Mão Esquerda, no Satanismo temos muito claro que ou você está dentro da Via Sinistrae ou você é estúpido. Ambas as coisas ao mesmo tempo ninguém pode querer se dar ao luxo de ser. Ser uma pessoa grosseira, sem discernimento, sem inteligência e sem cortesia aqui é o pior e mais rápido tiro no pé que alguém pode se dar. Não é opcional para ninguém aqui saber se conduzir, saber questionar e desenvolver opiniões próprias bem embasadas. A falta de inteligência e a incivilidade são as piores pedras de tropeço em nosso meio. Seja lúcido, procure se educar, seja sensato e bem ponderado.

  • Pretensão — Uma postura vazia pode ser muito irritante e não aplica as principais regras da Magia Menor. Está em pé de igualdade com a estupidez por manter o dinheiro circulando nos dias de hoje. Cada um é levado a se sentir como um fardo pesado, tendo dinheiro ou não.

Outro ponto onde muitos caem e anda juntinho da vaidade desmedida: a pretensão. O querer conquistar as próprias ambições através de se passar por algo que não se é e nem sequer poderia sustentar verdadeiramente. Aqui entram os pedantes, a galerinha esnobe que vive apenas das vantagens que contam da boca pra fora sem ter uma real base que as sustente. Nada é mais patético do que uma pessoa forçada. E, se você quiser estufar o peito e ser arrogante sem de fato ser capaz de peitar a responsabilidade que vem junto ao que você afirma de forma vazia aos quatro cantos, pode ter certeza que a queda é rápida e é feia. Afinal, os impostores sempre se desmascaram. E uma falsa coroa quebra um pescoço com muito mais facilidade do que uma verdadeira. Lide com suas próprias inseguranças de outras formas que não sejam se passar pelo que você não é.

  • Solipsismo — Projetar suas reações, respostas e sensibilidades em alguém é provavelmente o menos responsável que você pode ser, e é algo muito perigoso para os satanistas. É o erro de esperar que as pessoas lhe deem a mesma consideração, cortesia e respeito que você naturalmente as dá. Elas não darão. Ao invés disso, os satanistas precisam concentrar suas energias para aplicar o ditado “faça com os outros o que eles fazem com você”. Dá trabalho para a maioria de nós e requer constante vigilância, mas lhe tira a ilusão confortável de que todos são como você. Como dito, certas utopias seriam ideais em uma nação de filósofos, mas infelizmente (ou talvez felizmente, de um ponto de vista maquiavélico) estamos bem distantes disso.

Se você nunca ouviu o termo Solipsismo antes, não tem problema. Ele, na verdade, é uma concepção filosófica onde, para além de nós mesmos, só existiriam as nossas próprias experiências. Ele é o extremo de só acreditarmos nas nossas experiências interiores e pessoais mesmo quando não existe qualquer relação entre elas e a realidade objetiva. Um exemplo muito bom disso são as pessoas que ficam tão perdidas na própria gnose pessoal que literalmente descartam qualquer coisa que possa entrar em conflito com elas e começam a viver num universo paralelo onde só o que elas recebem e enxergam é verdade, por mais que existam provas do contrário. De certa forma, é um egoísmo pragmático. Onde se descarta qualquer contexto em prol da subjetividade pessoal até as últimas consequências.

O problema é que, como sabemos, o mundo não se resume a nós e ao nosso umbigo. A realidade do universo não se resume ao eu. E nos fecharmos para o externo ignorando todo o mais não nos leva a lugar algum. Mas aqui, especificamente no terceiro pecado, lidamos com a concepção moral do Solipsismo, onde a moralidade do sujeito também é tida como a moralidade do resto do mundo. No Solipsismo moral existe uma dificuldade real da pessoa entender que os outros não pensam e não agem como ela. Se ela não faria algo, os outros também não fariam. Se ela tem uma concepção de certo e errado, é impensável que os outros não participem dela. Os problemas que isso causa são inúmeros, e devem ser evitados. Não espere que todo mundo seja como você. Não se projete nos outros. Enxergue o mundo objetivamente. Ele, na maioria das vezes, jamais será um perfeito reflexo seu.

  • Auto ilusão — Consta nas “Nove Declarações Satânicas”, mas merece ser repetido aqui. É outro pecado principal. Não podemos nos curvar a quaisquer das vacas sagradas que nos são apresentadas, incluindo os papéis que esperamos desempenhar. A única ocasião onde a auto ilusão é bem-vinda é por diversão, e com cuidado. Mas neste caso, não é auto ilusão!

O quarto pecado flui muito bem como uma continuação lógica dos três anteriores. Se no segundo, a pretensão, somos desaconselhados a sermos a figura pedante que se passa por algo muito maior do que realmente é, aqui somos aconselhados a não acreditar em quem joga esse jogo também. Não acredite fácil em qualquer um, em qualquer coisa, e mantenha os pés no chão tanto sobre si mesmo quanto sobre o mundo ao seu redor. Faz de conta aqui, só proposital e para fins de entretenimento.

  • Conformismo de massa — É óbvio do ponto de vista satanista. Não há problema com os desejos de alguém, desde que eles os beneficie. Mas apenas os tolos seguem o bando, deixando uma entidade impessoal lhe dizer o que fazer. A chave é escolher um mestre sabiamente, ao invés de ser escravizado pelos caprichos de muitos.

Aqui temos um ponto extremamente claro da Mão Esquerda como um todo, mas que sempre é bom destacar: esse caminho não é um caminho conforme. Não é para quem quer ser como todo mundo por preguiça de pensar e por se sentir mais seguro estando perfeitamente integrado a maioria. Aqui temos sim personalidade própria. E a visão de que é melhor ser excluído por ser quem verdadeiramente se é do que ser aceito apenas por reproduzir cegamente padrões sem nenhuma reflexão sobre.

  • Falta de perspectiva — Novamente, esta pode trazer grande dor para o satanista. Você jamais deve perder a visão de quem e o que você é, e que ameaça pode ser, por sua própria existência. Estamos fazendo história agora e a todo momento, todos os dias. Sempre tente manter uma ampla visão histórica e social na mente. Esta é uma importante chave tanto para a Magia Menor quanto para a Magia Maior. Veja os padrões e encaixe as coisas se você quer que as peças fiquem em seus devidos lugares. Não se abale pelas impressões da massa: tenha consciência de que você está trabalhando em um outro nível, além do resto do mundo.

Que é fácil perdermos as coisas de vista é algo que sabemos. No entanto, como adeptos da Via Sinistrae, estamos sim fazendo história a cada dia. A cada instante. A cada momento. Trilhamos um caminho inovador, que vai contra o senso comum, e a caminhada de cada um de nós conta. Alcançar os nossos objetivos conta. Nos tornarmos a melhor versão de nós mesmos conta. Não esqueça o motivo pelo qual você está aqui. Tenha-o sempre em mente.

  • Negligência de ortodoxias do passado — Esteja alerta de que esta é uma das chaves para a lavagem cerebral das pessoas de modo a aceitar algo diferente e novo, quando na realidade é algo que já foi aceito mas agora é apresentado numa nova embalagem. Deliramos com a genialidade do suposto criador e esquecemos do original. Isto forma a sociedade alienada.

O sétimo pecado parece ter previsto em si quantas pessoas em nosso meio iriam querer se passar por visionárias e fodonas por coisas que simplesmente quem lê a bibliografia básica do nosso meio já tem como óbvias. Aqui entramos muito em não se ser estúpido. Em se ser uma pessoa difícil de cair em papinho. Estude, se eduque. Vá ler a merda dos livros. Conheça os autores. Assim fica mais difícil ser iludido por gente pretensiosa. Não vá concordar cegamente com qualquer fulano pomposo só porque você quer ser parte de um grupinho. A maioria esmagadora dessa galera na real vive de absorver a personalidade do líder porque ninguém ali tem uma própria. Seja melhor.

  • Orgulho contraproducente — Esta segunda palavra é importante. Orgulho é bom, até a hora em que você começa a “jogar o bebê fora junto com a água da banheira”. A regra do satanismo é: se funciona para você, ótimo. Quando parar de funcionar para você, quando você está no canto da parede e a única saída é dizer “sinto muito, cometi um erro, desejo que possamos nos ajustar de algum modo”, então o faça.

Aqui temos um ponto que muitas vezes as pessoas gostam de esquecer: ser Satanista, ou ser de Mão Esquerda num geral, não significa ser um egoísta ou ser uma pessoa completamente irascível que não admite as próprias falhas e só pensa em si. O processo de auto aperfeiçoamento consiste também em enxergarmos as nossas falhas e revermos as nossas posturas sempre que preciso. Admitir os próprios erros sempre é algo nobre e torna nossa evolução pessoal mais fluida e fácil.

  • Falta de estética — Esta é a aplicação física do fator de balanceamento. Estética é importante na Magia Menor e deve ser cultivada. É óbvio que ninguém pode ganhar dinheiro fora dos padrões clássicos de beleza e forma na maior parte do tempo, sendo assim desencorajados na sociedade consumista; mas uma atenção para a beleza, para o balanceamento, é uma ferramenta satanista essencial e precisa ser aplicada para a maior eficácia mágica. Não é o que é supostamente prazeroso: é o que realmente é. Estética é algo pessoal, reflete a natureza individual, mas existem configurações universalmente agradáveis e harmoniosas que não devem ser negadas.

O último pecado é o único onde eu tenho algumas discordâncias. Sim, estética é muito importante. Sim, é algo que conta muito no mundo e seríamos muito levianos em dizer que não. E sim, temos que aprender a usar a nossa própria imagem ao nosso favor e sermos conscientes dela. Mas muitas vezes, e inclusive em alguns nichos da Esquerda, uma estética não convencional é adotada e usada inclusive para passar mensagens e posicionamentos de resistência. Estética e moda são linguagens. E, como qualquer linguagem, pode ser usada para comunicar as mais diversas coisas. Inclusive, propositalmente deixando o que seria “universalmente agradável e harmonioso” para trás para questionar e bater de frente contra como certas construções sociais que temos em torno do que é ou não aceitável foram construídas. Acredito que exista bastante pano pra manga nessa questão e ela pode ser desenvolvida com muito mais profundidade. No entanto, definitivamente, não ignore o peso dessa questão na sua vida. E saiba como você quer a usar para seu próprio desenvolvimento e benefício. Seja proposital e premeditado em como você escolhe se apresentar para o mundo.

Até mais!

Fonte: The Nine Satanic Sins [1]

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Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

    Existiria como “equilibrar” as Vias Esquerda e Direita?

    Fonte: Arquivo pessoal

    Se você é um adepto da Esquerda, seja pela vertente que for, você já deve ter visto pessoas levantando as sobrancelhas para você ao ouvirem sobre o seu caminho espiritual. Assim como também já deve ter escutado várias frases sobre equilíbrio. Como se, de alguma forma, a Esquerda fosse sempre algo muito extremo. Muito radical. E discursos sobre moderação, sobre trilhar um “caminho do meio”, e não achar que necessitamos de extremismos facilmente surgem.

    São reações que se derivam tanto da falta de conhecimento como também da estranheza que naturalmente a Esquerda sempre provoca. E, como eu também já escutei muito que “não precisamos exagerar” sendo efetivamente de Esquerda, acho importante trazer isso para cá, para o Guia. Afinal, por qual motivo não daria para equilibrar ambas as Vias? Por qual motivo você só poderia trilhar uma delas por vez? Não teria um caminho do meio, uma alternativa mais equilibrada? Bom, vamos começar pelo básico de que:

    Nenhuma pretensão de “mesclar” ambas as Vias gera equilíbrio.

    A Via Dexterae e a Via Sinistrae já são caminhos equilibrados e completos em si mesmos. E sendo, por natureza, antagônicos em essência. Como já falamos aqui, em nosso texto sobre as definições iniciais. Você pode estar em equilíbrio em um ou estar em equilíbrio em outro.

    E, para entender isso, eu gostaria que você pensasse nas Vias em termos de movimento. Imagine que você está no hall de um prédio e existem dois elevadores na sua frente. Um subindo e um descendo. Você conseguiria misturar ambas as direções para que o seu corpo chegasse com maior harmonia em algum lugar? Provavelmente não. Ou você opta por subir ou você opta por descer. O meio termo entre ambos é você não estar indo para nenhuma dessas direções e continuar parado onde você está.

    O discurso de se criar de alguma forma um equilíbrio entre as Vias geralmente vem de meios onde não existe um embasamento real sobre a Esquerda. E essa falta de fundamento pode levar os erros do discurso propagado serem desde erros superficiais e mais bobos até a uma ignorância aberta mesmo, e isso sempre descamba para as Vias serem compreendidas como extremos do comportamento humano. Aí o equilíbrio seria você trilhar um caminho onde você ainda será uma pessoa boa (a parte da Direita, a Luz) mas também não sendo trouxa (a parte da Esquerda, a Sombra). Como se na Direita você só fizesse o bem e a caridade e na Esquerda fosse só vela preta, caixão e maldade.

    Não é assim. Em ambas as Vias você se desenvolve enquanto pessoa de uma forma completa e harmônica. Você não precisa acrescentar bondade (a Direita) ao caminho da Esquerda porque a Esquerda não equivale a egoísmo e ego inflado. Assim como você não precisa acrescentar malícia (a Esquerda) ao caminho da Direita porque ele não presume em momento algum que você não se defenda e que você seja só bondade até as últimas consequências. Ambos os casos seriam você estar em desequilíbrio na sua própria Via, e não uma necessidade de um pouco da outra.

    As Vias não são comportamentos. As Vias são movimento.

    Quando você inicia um caminho espiritual você está iniciando uma movimentação do local onde você está no momento para alguma direção. Para alguma finalidade. E nisso, é fundamental que você tenha em mente que:

    A finalidade da Mão Esquerda é a individualização e a finalidade da Mão Direita é a universalização.

    “Ah, mas o que ambas essas coisas efetivamente seriam, afinal?” Vamos destrinchar!

    Universalização

    Começando pela Direita, cujo foco está na coletividade e na integração. temos o processo da universalização. E ele é, em si, o retornar ao princípio criador divino, Deus. O alcance da unidade indivisível entre o homem e Deus aqui é tido como o retorno, para a humanidade, do estado anterior a sua queda. Uma condição que é tida como perfeita e eterna.

    Todos os caminhos que tenham como objetivo o retorno a um princípio divino do qual nos afastamos e que representa a perfeição de tudo que somos e podemos atingir é, em essência, um caminho pertencente a Direita. Pois, pela Direita, todo sofrimento humano é causado por essa cisão entre Deus, a fonte da Criação, e o homem. O reparando é que retornamos ao que somos em essência, limpos e redimidos de toda mácula causada pela separação.

    Dentro do cristianismo, por exemplo, cultivamos esse retorno durante todas as nossas vidas no aperfeiçoamento das virtudes, em oposição aos vícios (pecado). O racional é elevado acima das nossas capacidades emocionais e o ascetismo e a procura pela pureza, negando o material, as paixões e o terreno em prol do lógico e moralmente elevado são tidos como meios para um fim, para que retornemos a união ao princípio divino, externo a nós, e que unifica em si próprio tudo que existe, Deus.

    Afinal, as virtudes tidas como uma expressão da centelha divina dentro de nós, do divino que não perdemos, uma expressão do que deveríamos ser, podendo nos guiar até o nosso destino final que é retornar ao estado de perfeição e de graça. De união. Só nesse estado a humanidade progrediria na luz do que verdadeiramente é. Só nesse estado seríamos o que realmente somos e fomos feitos para ser, a imagem e semelhança de Deus. E sim, o processo muitas vezes pode ser tido como rígido, colocando sempre as aspirações do intelecto acima dos instintos e da nossa parte material e carnal, pois a Direita lida com a Ordem. Com a disciplina. E, com isso, traz o processo das leis, da lucidez, das figuras de poder (como o divino), da hierarquia bem definida e de tudo que faz a manutenção da vida em coletivo.

    Por mais que existam, e sempre existiram, inúmeras divergências (e até mesmo guerras) entre os próprios cristãos sobre mandamentos, sobre regras e sobre costumes o objetivo final não se perde. Assim como em outros caminhos pertencentes a Direita, o objetivo é retornar ao divino. E esse divino, essencialmente, além de ser compreendido como fonte criadora, também é a imagem de uma perfeição a ser alcançada e nutrida dentro cada um de nós. Pois espelha a nossa natureza nunca perdida, nunca caída, nunca obscurecida.

    E, apesar do cristianismo ser um exemplo fácil de caminho pertencente a Direita, existem muitos outros para fora de seus limites. Inclusive, a maior parte do desenvolvimento do Ocultismo, historicamente, sempre foi a Direita. Afinal, Direita e Esquerda são termos pertencentes ao Ocultismo ocidental. E eu me atrevo a dizer que você encontrará figuras muito mais rígidas e intransigentes em seus caminhos espirituais em meio a magos do que dentro das igrejas hoje em dia.

    Sendo como for, na Direita a direção que tomamos é para a abdicarmos da nossa individualidade em prol de nos unirmos novamente ao divino, ao Todo, a fonte criadora, a Deus. Deixar o eu individual para trás (a morte do ego que muito é discutida dentro da Direita) é buscado como o meio pelo qual retornaremos a ser um com todo o Universo em sua harmonia. Essa união pode ser vista como uma vida em estado de graça e harmonia perfeita com a fonte criativa ou até mesmo a dissolução da nossa alma dentro desse princípio. Assim como uma gota de água se une ao mar, assim nossas almas se uniriam ao divino, não sendo mais uma em si mas se diluindo ao Todo.

    Individualização

    Em contrapartida direta a isso temos o caminho da Esquerda, que é externo ao coletivo e ao social, no processo da individualização. Se na Direita abdicamos da nossa individualidade em prol dos interesses do coletivo, o grupo acima do indivíduo, na Esquerda temos as críticas e a oposição a isso. Pois, quando formamos as regras de uma sociedade, essas regras sempre formarão também aqueles que serão marginalizados por elas. E, dentro de uma estrutura rígida, se não existir o embate e a crítica promovida por essas figuras deslocadas também não pode existir melhoria e progresso das sociedades em si. O papel adversarial é fundamental pois sem ele não existe questionamento, movimento e nem evolução.

    A Esquerda traz tudo que é considerado tabu pelas normas sociais. Tendo em si uma postura indagadora, que desafia e bate de frente. Nela temos a resistência, o combate, os revolucionários em oposição aos reformistas. A destruição da ordem vigente.

    Nela está o selvagem e o indomável pois nela está tudo que não pode ser contido ou controlado pela Ordem. Seja ela a humana ou até mesmo a divina. E, contendo o que está fora dos limites da Ordem, nela temos o caos, nossos medos, nossas fobias, o que nos paralisa, o que nos entorpece e também o que nos tira da nossa razão, nossas paixões, instintos e prazeres carnais. Enquanto na Direita o racional e o lógico é exaltado, tendo que ser cultivado e fortalecido para que o intelecto bem desenvolvido e treinado supere o instintivo bruto, na Esquerda nosso lado bestial é integrado ao invés de ser negado. Pois assim, ao invés de buscarmos nos religar ao divino negando a carne, negamos esse componente divino externo e universal para nos conectarmos a nós mesmos individualmente através da carne.

    E essa é a diferença de intenção que precisamos ter em mente. Na Direita temos o desenvolvimento da disciplina, da razão e da virtude como um meio para a reintegração com o divino, que é externo e universal. E na Esquerda o desenvolvimento das nossas capacidades questionadoras e opositivas para nos reintegramos a nós mesmos, a nossa individualidade, aos nossos instintos e paixões para que pertençamos a nós mesmos ao invés de pertencer a algo externo ou ao coletivo. É se voltar para dentro e não para fora. Mesmo que, para que sejamos essa versão pura e natural de nós mesmos, precisemos abdicar de sermos integrados a sociedade e a Deus.

    Por isso os bodes expiatórios e os grupos marginalizados estão sempre á Esquerda. Os inconformes, os que não se encaixam, seja por natureza ou por opção. Pois isso é assumir uma postura de negação e de resistência. É ir na direção oposta, fazendo o oposto e tendo a intenção oposta em mente. E, como essa postura é uma postura incômoda socialmente, ela vai causar estranhamento. Ela vai causar desconforto. Sendo isso parte do processo.

    Existe uma ligação natural entre a Esquerda e figuras espirituais opositórias não porque elas sejam ligadas as sombras ou sejam trevosas e malignas mas sim porque são elas que compartilham da mesma postura de combate, de serem os questionadores, aqueles que viram as costas e se negam a obedecer e a se conformar, como já falamos sobre aqui. São eles que compartilham da mesma lógica de priorizar sua independência acima de tudo, a portando como uma coroa e também como uma arma. É porque essas figuras não se integram e se opõe a Ordem. É sobre soberania.

    Na Esquerda a direção que tomamos é abdicarmos do coletivo em prol de nos unirmos a nós mesmos em essência. É o indivíduo se colocando acima dos interesses do grupo. Quebrando os tabus sociais, negando as expectativas, as normas, se afastando mesmo. Inclusive, e principalmente, quebrando as noções da Direita de hierarquia. E, com essa quebra, também vai abaixo a superioridade dos deuses e a visão de que só seremos bons nos desenvolvendo para nos tornarmos unos novamente com eles. Não existe reintegração de separação ou queda dentro da Esquerda. A Esquerda é disruptiva. Ela busca o rompimento e a destruição da Ordem e não a integração a ela.

    A Esquerda rompe paradigmas, desfaz barreiras, muda conceitos e costumes, extrapola propositalmente limites colocados pelas normas sociais e demole velhos sistemas para dar lugar aos seus opostos. Ela não é reformista, tendo em em si a postura de só querer mudar algumas coisas mas preservar outras. Em oposição, é revolucionária. Com discurso e ideias combativas, não deixando pedra sobre pedra em seu caminho. É separativa. Causa cisão ao invés de integração.

    E ela é tida como radical por causa disso, não por representar um pretenso mal enquanto a Direita representaria o bem. A dicotomia bem x mal pertence as visões e as filosofias da Direita. Onde a hierarquia muitas vezes precisa da mentalidade nós versus eles para se sustentar. Afinal, nenhum poder dentro de uma estrutura hierárquica gosta de ter a existência do seu posto questionada. É mais fácil colocar o questionador como maligno do que permitir seu questionamento e, em última instância, a dissolução do seu próprio poder. Perceba que não é sobre bondade versus maldade mas sim sobre bater de frente contra estruturas de poder. Sejam elas sociais ou espirituais.

    E, por natureza, não existe como você estar de ambos os lados ao mesmo tempo. A favor e contra a estrutura simultaneamente. Isso seria em si uma dissonância cognitiva. Não faz sentido pensarmos em nos unir ao coletivo e a fonte criadora universal enquanto também nos separamos delas. Nem sequer em pensarmos fazer uma dessas coisas fazendo um pouquinho da outra conjuntamente para harmonizar. Não existiria nem sequer coerência ou fundamento nisso.

    Ou estamos trabalhando, na nossa jornada espiritual, para nos submetermos e entrarmos em plena harmonia com a Ordem como meio de religar o nosso espírito a fonte criadora, retornando a ela e nos universalizando, perdendo a nossa individualidade em prol da nossa união com o Todo, ou estamos aprimorando a individualização do nosso espírito, focando na nossa liberdade e autonomia, nos separando da Ordem e da fonte criadora para seguir uma existência autônoma por nosso próprio direito e poder.

    As Vias são sobre isso. Ou você estamos nos aprimorando para uma finalidade ou para a outra. Não tem como alguém se unir se separando, e nem se separar se unindo. Dessa forma, seguir um desses caminhos necessariamente torna impossível seguir o outro ao mesmo tempo. Saiba para qual finalidade você deseja se dirigir, qual é a Grande Obra que você quer realizar, e se dedique a ela.

    Pontos de confusão

    Dentro do nosso cenário nacional é relativamente fácil nos depararmos com os conceitos tanto da Mão Direita quanto da Mão Esquerda sendo confundidos, ou mal trabalhados. E é aí que precisamos ter em mente a nossa própria história e contexto cultural. Assim como o quanto que até pouco tempo atrás conhecimento sobre ambas as Vias não era algo acessível no nosso país. O Ocultismo aqui sempre foi um nicho muito pequeno que apenas certos círculos sociais possuíam acesso e contato. E a mudança desse cenário é recente demais. Demais mesmo.

    Em relação as Vias, é de comum conhecimento que as suas definições e terminologias tiveram seu início no trabalho da escritora e ocultista russa Helena Blavatsky que, por sua vez, procurou se inspirar nas linhas do Tantra, Vama Marga e Dakshinachara, para criá-las a partir da sua própria visão. No entanto, a Mão Esquerda só despontou como o movimento que hoje é a partir da construção da obra de Anton Szandor LaVey, que fundou a Igreja de Satã (Church of Satan) em 30 de abril de 1966. Mesmo existindo estudos possíveis para levantarmos e discutirmos antes dele foi apenas ali, na gênese satânica, que a filosofia ganhou a vida que hoje conhecemos e entramos em contato. Foi a partir daquele ponto no tempo e espaço que todas as outras vertentes que possuímos, do luciferianismo até a demonolatria moderna, se desdobraram.

    Sendo que apenas no ano da morte do próprio LaVey, 1997, tivemos pela primeira vez, pelas mãos de poucos pioneiros, o início das tentativas de trazer o Satanismo para as nossas terras. E, com ele, uma semente de ideia sobre a Mão Esquerda (para contextualizar melhor esse período introdutório em solo brasileiro e quem foram essas primeiras figuras, inclusive com suas posturas políticas extremamente criticáveis, indico o livro História do Satanismo de Morbitvs Vividvs).

    Então, do pontapé inicial na década de 60 até o primeiro tímido aceno em cenário brasileiro na década de 90 muito foi produzido, debatido e construído a respeito da Via Sinistrae sem que tivéssemos qualquer tipo de acesso. Ainda engatinhávamos no nível mais básico das ideias de LaVey enquanto o cenário no exterior se desenvolvia a plenos pulmões no início dos anos 2000. Quem esteve nessa época teve que, como dizemos, “abrir caminho no meio do mato com facão”. 

    Nenhum livro ou obra era traduzida e lançada de forma oficial no mercado brasileiro. As poucas editoras que publicavam materiais sobre ocultismo e esoterismo em nosso território estranhavam e não possuíam nenhum desejo de trazer nada relacionado a Esquerda para cá. Eram as pessoas que, de forma individual e autônoma, iam atrás de entrar em contato com as Ordens em outros países para buscar contato e possíveis filiações. Os livros tinham que ser importados ou pela própria pessoa ou por quem tinha contatos fora. Materiais na internet e pdfs então eram coisas que só iam começar a se desenvolver depois. Sem nenhuma real variedade, inclusive.

    Até o presente momento a Bíblia Satânica nunca foi lançada oficialmente no nosso mercado. Títulos de Esquerda só começaram mesmo a ser lançados por aqui através da iniciativa ferrenha de pessoas do meio que iniciaram suas pequenas editoras independentes do final dos anos 2010 pro começo de 2020. De outra forma, nunca seria feito. Tudo o que possuímos oficialmente em nosso território veio desses anos para cá. É pouquíssimo tempo. As temáticas e os assuntos da Esquerda ainda não tiveram tempo e nem espaço para se desenvolver por aqui. Ainda engatinhamos.

    Para se ter acesso a uma vasta diversidade de obras e autores de Esquerda ainda é necessário se ter no mínimo inglês como segunda língua para pegar materiais e obras de fora. O que temos ainda é, em termos gerais, introdutivo. E só o temos pela real paixão, convicção e resiliência dos nossos adeptos, que sempre deve ser celebrada e reconhecida. Pois nosso cenário ainda está em ativa construção. Ainda são poucos os nossos autores e poucas as vozes que estão ativamente trabalhando na construção de conhecimento sobre a Via por aqui. E, por isso mesmo, eu sou tão enfático em ensinar aqui no Guia sobre como estudar, como ir atrás e checar informações, como identificar pessoas e grupos que são realmente sérios e os que não são. Precisamos saber navegar esse meio com critério e discernimento.

    Afinal, muitas são as pessoas que, justamente por este não ser um meio plenamente estabelecido e ser um assunto ainda muito novo para as pessoas daqui, espalham desinformações na cara dura sobre a Mão Esquerda e sobre suas vertentes levando muitas pessoas a acreditarem por não terem como checar essas informações com facilidade, nem terem ainda o costume de fazê-lo. Assim como, infelizmente, continua sendo comum você ouvir as maiores atrocidades em centros holísticos de Direita onde a galera parou no tempo nas ideias dos anos 80 e absolutamente ninguém sabe o que está falando quando tentam falar da Esquerda (mas adoram usar a fonte Águas de Lindóia para afirmar coisas que tiraram apenas de dentro das próprias cabeças).

    Para entender a Esquerda, ouça e consuma conteúdo de quem realmente é de Esquerda com seriedade. Ouça satanistas, ouça luciferianos. E não quem está fora e é alheio a Via. Essas pessoas nunca terão boas definições ou um real conhecimento para passar fora dos seus achismos. Questione o tempo todo o que chega até você. O questionamento é parte intrínseca da Via Sinistrae. E estude. Estude muito. Estude sempre. Pois é isso que nos faz evoluir em nossos caminhos, é isso que nos dá clareza para separar o joio do trigo e é isso que nos proporciona um caminhar com real confiança e autonomia.

    Recomendação de fonte e leitura para aprofundamento do tema: Lords of the Left-Hand Path: Forbidden Practices and Spiritual Heresies de Stephen E. Flowers.

    Até mais!

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    Resenha – O livro de Lilith de Barbara Black Koltuv

    Fonte: Arquivo pessoal

    Na resenha de hoje nos afastamos um pouco da literatura ocultista e nos aproximamos da abordagem psicológica da Dr. Barbara Black Koltuv em sua obra O Livro de Lilith – O Resgate do Lado Sombrio do Feminino Universal.

    Ficha Técnica

    Autora: Barbara Black Koltuv

    Editora: Cultrix

    Idioma: Português e inglês

    Páginas: 184

    Ano: A primeira edição deste livro é de 1989 e a analisada nesta resenha é a segunda de 2017

    Sinopse do livro

    Lilith, a primeira Eva ou a mulher que tentou Adão é uma das formas do Eu feminino que personifica os aspectos negligenciados e rejeitados da Grande Deusa.

    Este livro é uma fascinante antologia de contos mitológicos, antigos e modernos, interpretados pela autora, psicóloga e analista junguiana, que demonstra como e por que foram feitos tão grandes esforços para banir a figura de Lilith da consciência humana e por que, apesar desses esforços, estamos sentindo outra vez a sua ascensão, agora com novas interpretações e significados.

    Resenha

    É importante começarmos essa resenha deixando claro que O Livro de Lilith da Dr. Koltuv é muito mais um livro de psicologia do que de qualquer outra coisa. E, se você o pegar com qualquer outro tipo de expectativa, é bem provável que a sua experiência de leitura não saia exatamente como o previsto. Ela analisa sim, e bastante, a parte mitológica de Lilith, mas focando apenas no que se refere a cultura judaica e apenas como suporte para as suas análises dentro do seu campo de pesquisa. Se você não tem o costume ou nunca pegou esse tipo de literatura antes a sua experiência como leitor pode ser um pouco truncada no primeiro capítulo, fluindo um pouquinho só a mais somente nos seguintes. Tanto pelo estilo da escrita que você vai encontrar como pela própria proposta da obra mesmo.

    Pontos Positivos

    O maior ponto positivo que eu consigo destacar é a extensa pesquisa em mitologia judaica feita pela Dr. Koltuv. Como o foco dela esteve unicamente na Lilith presente no misticismo judaico ela traz boas fontes de pesquisa se você, como leitor, quiser ter esse foco também. Como o meu foco não se encontra na cultura judaica em nenhum momento da prática que eu construo, acaba não sendo tão útil assim para mim em particular. A passagem de Lilith pelo judaísmo e por seu misticismo é definitivamente parte da sua caminhada junto a humanidade e é importante conhecê-la até para sermos capazes de contextualizar corretamente o que ouvimos vindo da Kabbalah sobre ela. No entanto, não é o que a resume. Então, é bom termos conhecimento dessa parte, mas não é necessário acharmos que é tudo que existe. Vá com essa mentalidade e aproveite a bibliografia para suas pesquisas pessoais!

    Pontos Negativos

    É importante também destacar que as ideias da autora sobre o ressurgimento do feminino, tratadas no livro, tem muito das marcas e da carga que o discurso feminista tinha em meados dos anos 80/90. A Dr. Koltuv se formou em psicologia na Universidade Columbia em 1962 e suas especializações correram até a década de 80, sendo fácil localizarmos seus valores como pertencentes a mentalidade e a cultura da sua época. Sendo essa a “pegada” intelectual da obra. Em quesito de pesquisa mitológica, apesar de ter uma boa bibliografia, como já dito, o foco se constrói apenas na parte judaica, que acaba sendo usada unicamente como um totem da supressão feminina dentro de culturas patriarcais. O que é, ao meu ver, extremamente redutor.

    Lilith não é, originalmente, uma figura mitológica judaica. Suas origens se estendem desde os épicos mesopotâmicos, como nos registros da Epopeia de Gilgamesh, para apenas depois ser incorporada pelo misticismo judaico. Sua posição como suposta primeira mulher de Adão é mais recente ainda, tendo tido início apenas no período medieval graças ao Alfabeto de Ben-Sira, que tinha conotações cômicas, como você pode ler aqui. E, ao meu ver, o foco excessivo na narrativa da primeira esposa de Adão que foi dado na literatura de inspiração feminista décadas atrás sobre Lilith foi o que aos poucos a descaracterizou completamente de um ser mitológico muito mais antigo e complexo para uma versão diluída e simplista de uma figura que teria uma agenda política e valores completamente anacrônicos a si mesma.

    Não sendo eu um estudante de psicologia mas sim um praticante da Mão Esquerda, as minhas opiniões e a relação que eu construo com Lilith enquanto figura espiritual sempre acabam se distinguindo muito de quem a analisa apenas no âmbito do simbólico. Principalmente se esse âmbito faz um recorte tão seco na história para apenas focar no que quer. As análises de alguns pontos podem até ser, em algum nível, interessantes. Mas acaba faltando profundidade e complexidade em todos eles justamente pelo que a autora escolheu deixar de fora.

    Acessibilidade: É um livro de fácil acesso num geral e, inclusive, bem baratinho. Se você realmente precisar, consegue achar por pdf também sem problemas.

    Até mais!

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    Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

    Quem é Lúcifer

    Fonte: Acervo pessoal

    A imagem que aprendemos a ter sobre Lúcifer, seja através da cultura pop ou através da influência religiosa cristã ao nosso redor, se constrói através de uma linha sucessiva de erros. E de como a cultura popular tanto absorveu quanto se relacionou com o imaginário do anjo rebelde. Tornando, assim, o desfiar do novelo histórico que o envolve uma tarefa e tanto.

    É difícil, principalmente para aqueles que tiveram um berço cristão, nunca terem ouvido ou lido a famosa passagem de Isaías 14:12-14

    “¹² Como caíste desde o céu, ó Lúcifer, filho da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações!
    ¹³ E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte.
    ¹⁴ Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo.”

    A figura do mais sublime e alto anjo que, orgulhoso, se rebelou contra o próprio criador e, com isso, causou uma disruptura vital no próprio Universo nos tem um apelo muito particular. Nele temos um herói trágico, a imagem de uma perfeição pervertida, e altamente fascinante justamente por causa disso. Temos a beleza, o poder, a traição, a ira, todas muito exaltadas nessa narrativa. A imagética de uma guerra nos céus, um lugar que supostamente deveria ser habitado apenas pela perfeição e pela paz, captura a imaginação. Nos faz pensar. Refletir.

    Mas como Lúcifer, que é um nome oriundo do latim, surgiu em um texto que, em seu original, é em hebraico?

    E é neste pequeno detalhe que tudo começa.

    Um pouquinho de história

    A cronologia de Isaías abrange um período histórico muito específico, englobando em si desde a ocupação assíria até o período pós-exílico, pegando em si também o exílio babilônico. Seu texto nos é passado como a narrativa profética de um só autor mas, hoje em dia, temos evidências o suficiente para sabermos que ele foi um esforço de muitas mãos. E que a passagem sobre a figura que viemos a chamar de Lúcifer é datada como escrita em meados do século VIII AEC, fazendo parte de um contexto altamente político, escrito numa época de guerra, onde Israel perdeu e foi absorvido pelo Império Assírio. É isso que nos dá o tom conservador do autor, e de onde vem sua crítica ao paganismo assírio, ainda que os maiores ataques sejam voltados justamente contra o povo de Israel, que supostamente estavam novamente se afastando de seu Deus e de suas raízes ao aceitar aderir a cultura de seus conquistadores.

    Em todos os capítulos iniciais do livro podemos acompanhar uma narrativa extremamente sangrenta. E, na passagem do capítulo 14, a ira profética se volta contra uma figura muito específica. Uma figura que tenta alcançar paridade com o divino. Tendo a Apoteose, a elevação ao status divino, como objetivo. E, contra essa figura, a inversão de seu objetivo é a maldição lançada:

    “¹³ E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte.
    ¹⁴ Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo.
    ¹⁵ E contudo levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo.
    ¹⁶ Os que te virem te contemplarão, considerar-te-ão, e dirão: É este o homem que fazia estremecer a terra e que fazia tremer os reinos?
    ¹⁷ Que punha o mundo como o deserto, e assolava as suas cidades? Que não abria a casa de seus cativos?
    ¹⁸ Todos os reis das nações, todos eles, jazem com honra, cada um na sua morada.
    ¹⁹ Porém tu és lançado da tua sepultura, como um renovo abominável, como as vestes dos que foram mortos atravessados à espada, como os que descem ao covil de pedras, como um cadáver pisado.
    ²⁰ Com eles não te reunirás na sepultura; porque destruíste a tua terra e mataste o teu povo; a descendência dos malignos não será jamais nomeada.
    ²¹ Preparai a matança para os seus filhos por causa da maldade de seus pais, para que não se levantem, e nem possuam a terra, e encham a face do mundo de cidades.”

    Aquele que desejou se elevar recebe o castigo da queda. Sendo expulso de seu próprio túmulo, posto para vagar como um fantasma exilado, não recebendo paz ou reconhecimento, e impedido de se juntar aos seus próprios antepassados. O contraste aqui é propositalmente colocado, e impiedosamente estendido aos filhos dessa figura (um tema que retorna quando nos remetemos aos Nefilim). No entanto, não é de Lúcifer que o narrador está falando aqui.

    A figura discutida neste capítulo todo é referenciada como הֵילֵל בֶּן-שָׁחַר (Helel ben Shachar, “o brilhante, filho da manhã”, um título hebraico usado para se referir a Vênus como estrela matutina). E é esta expressão que, quando foi traduzida para o grego na Septuaginta se tornou Phosphorus, ou Hèosphóros, nomes divinizados pelos quais os gregos antigos chamavam Vênus, a Estrela da Manhã. E Phosphorus, por sua vez, quando foi traduzido pela primeira vez para o latim na Vulgata, é que foi então traduzido como Lúcifer. Vindo de lux, que significa luz, e ferre, que significa portador, Lúcifer inicialmente constituía um título que significava literalmente O Portador da Luz. E que, assim como seus equivalentes, era usado como referência a Vênus.

    Mas o profeta, claramente, não se referia contra um dos planetas do nosso sistema em sua imprecação. Muito menos as figuras divinas ligadas a ele. Ele se referia contra um homem. Um mortal. Que era passível ao falecimento, sendo então suscetível a maldição contra ele e contra seus herdeiros lançada. Com Helel ben Shachar não sendo um nome, como suas traduções também não o são, mas um título, é ao rei da Babilônia que nos referimos, sendo ele o real alvo da ira do narrador em seu período histórico correspondente.

    E, apesar da identidade exata deste rei ainda ser um tema de discussão, o contexto torna provável que ele seja o assírio Sargão II, o mesmo mencionado em Isaías 20:1 como aquele que foi até a cidade de Asdode e a subjugou em 711 AEC, o que completou a conquista de Israel. Como um grande rei guerreiro e conquistador de sua época, Sargão II intencionava conquistar o mundo inteiro, e frequentemente usava para si os títulos reais mais pretenciosos da antiga Mesopotâmia para expressar esse desejo, como chamar a si mesmo em diversos registros de “rei do universo” e de “rei dos quatro cantos do mundo”.

    Seu amor pelos campos de batalha era, no entanto, arriscado para alguém que tinha suas pretensões. Afinal, se jogar frequentemente em batalhas não costuma ser algo que prolonga naturalmente nossos dias de vida. E sua morte, como não poderia deixar de ser, foi justamente em guerra. E foi tão marcante para o seu próprio povo na época que foi, inclusive, vista como um mau presságio. Pois para ter sido morto da forma que ele foi, ele só poderia ter cometido alguma falta grave contra os deuses, para que esses o abandonassem em campo.

    O que fez com que seu herdeiro, assim que assumiu o trono, rapidamente mudasse a capital para outra cidade e procurasse se afastar da memória de seu pai, não conseguindo lidar com o que aconteceu com ele. De certa forma, o impacto e o trauma gerados por sua morte deram alguma concretização as palavras de Isaías. Com seu filho encorajando o povo da Assíria a o esquecer, e até mesmo com sua esposa, Atalia, sendo enterrada as pressas quando morreu. Sem receber as práticas tradicionais de sepultamento e sem menção alguma a Sargão II atrelada a ela em suas inscrições.

    É importante, então, deixar claro que o contexto bíblico que sempre fomos levados a crer em relação a Lúcifer, portanto, não existe. Se derivando completamente da retirada do contexto político de Isaías para que um título fosse, então, tido como um nome próprio. Criando assim, artificialmente, um mito que remeteria e se refletiria em outras figuras míticas prévias cujas lendas são marcadas pelos elementos da fuga, do compartilhamento do fogo ou de dons proibidos e a transgressão dos limites impostos pelo divino. Figuras como Aṯtar (ou Astar), Gilgamesh, Ícaro, Prometeu e muitos outros. Contendo, desta forma, uma vasta inspiração pagã, foi fácil criar uma narrativa charmosa e cativante para essa nova figura.

    Afinal, diferentemente do judaísmo que não possui a figura de um inimigo central em sua crença, o catolicismo precisava de um bom antagonista. E foi isso que foi criado. Não só na narrativa do anjo caído através de más traduções, como também na figura multifacetada e complexa que o Diabo em si se tornou, absorvendo tudo que o cristianismo procurou demonizar e transformar em tabu perante as culturas que ele dominou e sufocou ao longo dos séculos. Tornando, assim, a figura de seu opositor muito mais intrincada, complexa, vívida e repleta de cores e nuances do que a figura da sua própria divindade.

    Mas e na mitologia romana?

    É um ponto comum, em meios pagãos, citarem Dianus Lucifero quando falamos de Lúcifer. Principalmente se estamos falando da bruxaria folclórica italiana, a stregheria. Mas é importante dizer que a ideia de Lúcifer como consorte de Diana e pai de Aradia não tem fontes para além do livro do norte-americano Charles G. Leland, lançado no século XIX, Aradia: Evangelho das Bruxas. Este livro teve uma profunda influência em Gardner, que o usaria junto as suas outras inspirações para criar a Wicca na década de 50. Mas, apesar da relevância, ele nunca se configurou como uma fonte histórica confiável. O que realmente se tem de registros sobre Lúcifer em seu berço, que é romano, não o tem como uma divindade mas sim como um título relacionado a Vênus e, quando se difere disso, é em poucas menções mitológicas onde temos uma licença poética de o retratar como filho da Aurora. Sendo Diana, em si, uma deusa virginal que obteve do pai, Júpiter, a permissão para assim permanecer, nunca tendo se casado ou concebido descendentes.

    A figura de Lúcifer sempre foi a figura de Vênus. Não se remetendo, originalmente, a uma divindade. Mas tendo uma evolução histórica que o ampliou da sua correspondência original a figura do rebelde angelical, do adversário, e que foi profundamente absorvido pela cultura e pelo folclore de diversas formas por séculos. Todas as tentativas de colocá-lo ou apenas como uma grande figura pagã ou apenas como o anjo caído na verdade limitam a discussão sobre ele. E limitar Lúcifer a um só ponto no tempo, a uma só passagem ou cultura, no momento presente, é desejar limitar a apenas um gole as águas de um rio que corre por toda história humana. Ele é uma figura complexa. E existe muito mais beleza e riqueza na complexidade do que em respostas simples e chapadas como preto no branco.

    No Luciferianismo

    Dentro do Luciferianismo, Lúcifer é tido como uma das mais elevadas representações da face masculina do Adversário. Ele é entendido como aquele que traz a Luz e a Sabedoria, guiando a Vontade do adepto até a sua libertação e iluminação. Sendo o ponto focal de inspiração que norteia o nosso caminho para explorarmos as profundezas de nossas mentes e almas, trazendo as sombras até a transformação da luz. Para os luciferianos ateístas, ele é o mais alto símbolo inspiração, para os teístas, ele é considerado (e aí sim) como a divindade patronal do Caminho. Sendo uma representação de poder, de ascensão, de maestria pessoal e de inteligência. Assim como diz Michael W. Ford na Bíblia do Adversário, p.59:

    “Lúcifer é equilibrado, representante da luz e do intelecto superior e da escuridão, representando os aspectos lascivos ou ocultos do eu. A ‘Luz’ não é meramente uma iluminação ‘acima’, e sim muito mais importante: a Luz interior onde está nossa consciência individual, nosso potencial divino para controlar e comandar nossa vida com base em nossos pensamentos, palavras e ações. A Chama Negra ou a Luz Negra é a referência simbólica a essa consciência divina interior.”

    O equilíbrio perfeito entre a luz e a escuridão sendo um traço característico que define o próprio luciferianismo em si. Afinal, nenhuma iluminação pode ser verdadeira se ela não provém, em primeiro lugar, do contato e da maestria das sombras interiores de um indivíduo. Crescemos e nos desenvolvemos quando temos a coragem de explorar e enfrentar nossa própria obscuridade. Lúcifer traz o conhecimento tanto dos nossos traços e desejos destrutivos quanto de nossas maiores qualidades e criatividade e esse conhecimento não deve ser utilizado para que tentemos “anular” as sombras e focar só no que consideramos mais agradável, visto que isso seria um processo auto destrutivo e vão, mas sim o de equilibrar ambas as polaridades, realmente as acolhendo e compreendendo, pois existe tanto propósito quanto aplicabilidade nos dois lados da moeda.

    A figura simbólica do anjo rebelde nos inspira a questionar o mundo ao nosso redor, a percebermos que a rebeldia, quando feita com propósito, pode ser uma força de mudança extremamente necessária e libertadora. A figura do Adversário nos motiva em força e em poder para não temermos o processo de “queda” em nossos infernos pessoais. Pois apesar de difíceis, são processos necessários ao nosso crescimento. E existe uma força única naqueles que foram coroados como senhores do próprio submundo. A figura do Senhor deste Mundo nos guia em como podemos nos desenvolver materialmente em nossas vidas. Pois apesar de focarmos no crescimento do nosso espírito ainda estamos encarnados neste mundo e precisamos ter conforto e vitória nele também.

    O luciferianismo pensa a escuridão (o demoníaco) como um símbolo de tudo o que nos é primal. Nosso subconsciente, nossos desejos e necessidades carnais, nosso instinto de sobrevivência, nosso ego, nossos impulsos violentos, nossos desejos animalescos, mas também como nossa força emocional, Pois existe cura e fertilidade nas sombras. Essas coisas, por si só, não são boas ou más. apenas são o que são. E a luz (o angelical) é pensada como o nosso intelecto, o nosso potencial criativo, o nosso pensamento lógico e racional, nossa auto disciplina, nossas habilidades estratégicas e a nossa capacidade de obter sabedoria a partir das nossas experiências e percepções. Ela também não é boa e nem má, ela também apenas é o que é. E diante do equilíbrio que temos na figura de Lúcifer, na Estrela da Manhã que inspira nossa evolução intelectual, e na Estrela Vespertina que nos guia ao poder da escuridão, nos desenvolvemos de forma harmônica e completa.

    Lúcifer e Satã seriam o mesmo perante o Luciferianismo?

    Tenha sempre em mente que, dentro do Luciferianismo, Lúcifer é a figura do Portador da Luz, representando a sabedoria e a iluminação pessoal. Ele simboliza, em primeiro lugar, os aspectos angélicos ou superiores do Eu, sendo assim um símbolo de poder, evolução e de ascensão. Já a palavra Satã, em sua origem, é um título. Vindo do hebraico שָטָן (significando adversário) e do árabe الشيطان (shaitan) que derivam da raiz semítica šṭn, significando hostil. Podemos ver a utilização deste título para se referir a diversos opositores num sentido geral dentro da Tanakh hebraica, mas nunca sendo usado como nome próprio de uma única figura. Isso só acontece com o advento da Igreja Católica, muitos anos depois, em sua busca por criar o adversário de sua própria crença. Dentro da Mão Esquerda, Lúcifer e Satã se posicionam como faces diferentes da força Adversarial. Cito aqui, novamente, as palavras de Michael W. Ford em sua Bíblia do Adversário, p. 64 e 65:

    “A partir de nosso ponto de vista, Lúcifer é um título que significa ‘Portador da Luz’. Satã é o aspecto ígneo que significa inimigo. Nós não reconhecemos a figura de Satã do Antigo Testamento como Lúcifer em qualquer sentido aparente ou absoluto. O Adversário tem muitas formas e Máscaras Deíficas. A Corrente Adversária é a força motivadora que causa mudança, evolução, destruição, criação e pelos desafios que temos diante de nós, um símbolo de força e auto evolução pela vontade. Sob o nome de Satã há um tipo diferente de energia, se comparado a Lúcifer; como uma força essencial da natureza e da humanidade (…) Satã e Lúcifer são formas distintas do Adversário.”

    Símbolos de Poder

    O Sigilo de Lúcifer do Grimorium Verum (1517)

    O sigilo mais famoso e bem reconhecido que temos em utilização dentro do ocultismo e da Mão Esquerda como sigilo de Lúcifer é oriundo do livro Grimorium Verum, de 1517. Nele, Lúcifer é considerado como o Imperador Infernal, tendo sob seu comando os espíritos da Europa e da Ásia (os outros dois principais, abaixo e em conjunto a ele, dentro da narrativa deste grimório, seriam Belzebu, tendo sob o seu comando os espíritos da África e Astaroth, tendo sob o seu comando os espíritos das Américas).

    Possuindo quatro partes, o texto original do Grimorium não nos explica muito sobre seus possíveis significados. Em tempos modernos, no entanto, conseguimos encontrar ensaios e diversas formas de os trabalhar dentro da Mão Esquerda, derivando das experiências e do trabalho sério de diversos autores. O que aqui colocarei se refere aos conceitos a eles atribuídos dentro do Caminho Luciferiano. As informações podem ser encontradas no Book of the Witch Moon, das páginas 341 até 344 e na Bíblia do Adversário, das páginas 217 até 222, ambos de Michael W. Ford.

    O Sigilo do Espírito – A Chama Negra

    Fonte: Acervo pessoal

    O símbolo inicial traduz o aspecto principal de Lúcifer como aquele que rege os poderes da mente e do intelecto em relação a Verdadeira Vontade. Representando a Chama Negra coroada, unida e em perfeito domínio das nossas funções conscientes, este sigilo representa o mais alto estado do Espírito dentro do Luciferianismo e ativa os dons da adivinhação, da Alquimia Negra e da auto deificação. Aqui temos o despertar da Articulação Superior da Consciência. O aspecto angélico, que representa a inteligência, a luz, o poder e o equilíbrio.

    O Sigilo do Portador da Sabedoria Esquecida – A Espiritualidade Predatória

    Fonte: Acervo pessoal

    Aqui temos a Marca do Portador da Luz, tanto como encarnação da Iluminação como quanto Príncipe das Trevas. Sendo o sigilo mais conhecido pelo público em geral no que se refere a Lúcifer, temos aqui a representação da nossa razão e de todos nossos cinco sentidos em uso de desejo e foco, através do qual podemos dominar o mundo ao nosso redor. A razão e o intelecto desenvolvidos e bem direcionados, aliados as nossas ações equilibradas e dinâmicas, como a chave para a nossa autoridade e o nosso poder sobre nós mesmos e sobre o que nos cerca. E essa vontade pelo domínio aqui é a Vontade Vampírica, a fome atávica, ponte entre os aspectos angelicais (racionais e elevados) e os bestiais (primitivos e densos). É um símbolo que pode, entre outras coisas, proteger o adepto quando ele se dirige ao devorar do espírito, ao beber da sombra (sombras dos mortos) e ao transmutar da forma dos nossos corpos nos planos astral e onírico.

    O Sigilo do Elemento do Ar – O Serafim Caído e a Estrela da Manhã e do Entardecer

    Fonte: Acervo pessoal

    No Sigilo dos Elementos, ou Sigilo do Elemento Ar, temos a experiência do mundo ao nosso redor. A primavera, o verão, o outono e o inverno, o frio e o calor, a escuridão e a luz, o sol e a chuva, os quatro elementos e o meio ambiente em geral. Neste símbolo, percebemos como o meio nos afeta e como nós o afetamos. O mais voltado ao material dos quatro símbolos, onde temos nossa relação de influência mútua com a natureza, tendo sua utilização voltada aos rituais e meditações onde operamos para influenciar o mundo físico ao nosso redor, ele é um lembrete constante de que podemos moldar os nossos arredores, também agindo como um choque para sairmos das zonas de conforto para testarmos nossas forças continuamente. Os dois símbolos crescentes no topo nos remetem a lua, Senhora da Noite, o triângulo inverso sendo a descida do espírito a matéria, o olho no centro do triângulo sendo o Olho de Satã como Poder do Mundo e os dois olhos abaixo sendo os Olhos do Adepto, nossa máscara de carne neste mundo, com o círculo central sendo o Círculo do Eu, o centro de Evocação em trabalhos cerimoniais por onde se derrama o Espírito.

    O Sigilo do Plano Astral e da Viagem Espiritual

    Fonte: Acervo pessoal

    O último símbolo está relacionado diretamente ao uso dos outros três. Ele representa a Sombra do Adepto, o corpo astral que tem a capacidade de sair de noite para o Sabá dos Feiticeiros. A Sombra Astral é um veículo pelo qual iniciações espirituais são recebidas, podendo ser moldado para quaisquer formas que sejam do nosso agrado, para melhor refletirmos as qualidades do nosso verdadeiro espírito. O olho, aqui, é o vigia flutuante. E seu uso está profundamente ligado a práticas oníricas (incluindo as vampíricas, onde bebemos dos que dormem).

    Entendendo o que cada símbolo traz podemos utilizá-los corretamente em nossas práticas e evolução. Cada um deles pode ser absorvido pelo nosso subconsciente, na ativação ritualística, para se converterem então em poder consciente. Afinal, ativados em nosso subconsciente, eles são trazidos de volta ao consciente e a luz como chaves de poder na prática luciferiana.

    Experiências Pessoais

    Como sou uma luciferiana teísta, o que eu falo aqui parte desta perspectiva. E a minha experiência com Lúcifer é como a divindade patronal do meu caminho. Sendo o meu contato com ele um dos mais leves, naturais e transformadores de toda minha jornada até agora. Estar com ele é fluido, é autêntico, é suave. Sua energia, em seu aspecto luminoso, tem a mesma sensação daquele friozinho revigorante que te desperta em um amanhecer ensolarado. Em seu aspecto denso, é como estar na borda de um precipício, com seus sentidos se aguçando pela adrenalina. Ele é extremamente gentil e educado. No espaço que você abrir para que ele atue em você ele te desenvolverá e, quase que sem notar, quando você se der conta você terá mudado. E não só em um ponto ou dois, mas completamente. A ação dele, mesmo quando pontual, sempre irradia, como a própria luz tem por costume de fazer, e nada mais permanece como era antes do toque dele.

    E, justamente pela sua gentileza e por como ele é aberto e caloroso com aqueles que se achegam a ele, as vezes sua rigidez passa quase que desapercebida. Pois sim, ele exige muita disciplina e tem altas expectativas naqueles que estão debaixo das suas asas. Em sua delicadeza e cortesia, ele irá te educar e te retificar sem que você nem note. As coisas vão se alinhar. Você vai se alinhar. E vai ser tão fluido que pode até parecer estranho. Afinal, ele transforma as coisas em uma escala maior do que estamos acostumados. No entanto, nunca confunda sua amabilidade por permissividade. O toque suave pode se transformar em um punho de ferro na mesma velocidade que a luz possui.

    Outro ponto bom de não se confundir é a maneira como ele lapida as pessoas sob sua influência e cuidado. Ele é extremamente presente, caloroso, protetor e preocupado com os seus, mas isso não significa que ele não será o professor mais duro e impiedoso da sua jornada ao mesmo tempo. A dualidade entre sua leveza e sua densidade também está nisto. Ele pode te mimar e te dar as provas mais duras que você já viveu na sua vida na mesma semana e sem seu sorriso se alterar por um segundo só. Então esteja pronto para levar as coisas realmente a sério, com comprometimento e dedicação, ao decidir ir até ele. Vale a pena. Vale a pena demais. Para aqueles genuinamente se dedicam.

    O Caminho da Estrela da Manhã

    Como não pode faltar, o ritual a seguir é para aqueles que querem estabelecer contato com Lúcifer pela primeira vez! Iremos aqui iniciar com seu aspecto luminoso, ligado a Estrela da Manhã.

    Para ele, espere a lua estar nas fases nova ou crescente. Então, separe uma manhã para fazê-lo. Dê preferência para as sextas ou para os domingos, mas o importante é que seja um dia em que você possa acordar realmente cedo e ter tempo para ritualizar sem pressa. Localize qual é o Leste em relação a sua casa, ou local onde você realizará o ritual e onde vênus se encontra no céu. Veja também exatamente em qual horário o sol nascerá na sua cidade, pois é antes dele surgir no horizonte que iremos começar a trabalhar, de forma que possamos presenciar a luz nascer durante nossa prática.

    Mais ou menos uma hora antes do sol nascer (sim, cedo assim) prepare um banho com as pétalas de uma rosa branca, boldo, hortelã, tomilho e cravo. Tome seu banho higiênico normalmente e, no final, tome o banho de ervas da cabeça para baixo. Então, já limpo e energizado, prepare o local que você irá usar. Dê preferência para locais abertos, onde você possa ver o céu, mas você pode usar um ambiente interno também caso seja sua única possibilidade. O organize e limpe fisicamente e, para a limpeza energética, você pode usar incenso de sândalo ou sangue de dragão. Tenha consigo:

    • Uma representação de Lúcifer (podendo ser uma arte que você goste, seu sigilo, etc)
    • Uma vela branca, verde ou dourada
    • Uma esmeralda (bruta ou lapidada, vai da sua escolha)
    • Vinho rose
    • Rosas vermelhas

    Arrume todos elementos como um pequeno altar a Lúcifer, voltado ao Leste. Então, uns 10 minutinhos antes do sol nascer, faça o Círculo. Acenda a vela. Olhe para o céu, para Vênus, e diga:

    ”Estrela da Manhã
    Anunciadora do Dia
    Da Vida
    Da Beleza e da Virtude
    Derrame seu brilho sobre mim neste momento
    Seu discernimento e poder
    E me eleve
    Até a Iluminação
    Até a Sabedoria
    E a Libertação
    De Lúcifer”

    Respire profundamente. Se concentre. Deite-se e deixe a esmeralda repousando no centro da sua testa. Olhe para o céu, para vênus, uma última vez e então, feche os olhos. Se imagine no meio de uma densa floresta, aos pés de uma grande montanha, perto do amanhecer. Você percebe que, em suas mãos, você segura o seu próprio coração, feito da mais pura esmeralda. Segure ele perto do seu peito com cuidado e comece a subir a montanha. Seu caminho é lento, com um ou outro obstáculo, mas você consegue avançar e chegar ao topo.

    Lá, você consegue ter uma vista panorâmica de todos os arredores. E, no horizonte, você consegue ver os primeiros raios do sol surgindo aos poucos, tingindo o céu lentamente em seu dourado caloroso. Localize vênus no céu. Então, com toda sinceridade, use suas próprias palavras para chamar Lúcifer até você. Fale com todo o seu coração, afinal, ele está em suas mãos neste momento. Repare que, inclusive, enquanto você fala, seu coração começa a brilhar. E, quanto mais você fala, chamando Lúcifer, mais seu coração brilha. Até que, ao final do seu chamado, ele esteja brilhando como uma pequena estrela entre as suas mãos. Olhe para ele, admire seu brilho. Até que, em algum momento, uma luz a sua frente chame a sua atenção.

    Olhando para frente novamente, você verá uma silhueta angelical feita da mais pura luz pousando os pés suavemente no topo da montanha, a sua frente. O céu, atrás do anjo de luz e de suas asas, brilha cada vez mais, se tingindo de dourado e tons alaranjados e rosados. Aos poucos, o anjo se aproximará de você. Com sua luz aos poucos se reduzindo e com você conseguindo enxergá-lo melhor, você reconhecerá Lúcifer. O saúde, agradeça pela sua presença. E explique qual é o motivo do seu contato. Ele te ouvirá atentamente. Quando você terminar, ele se aproximará ainda um pouco mais, beijando suavemente o centro da sua testa e pegando o seu coração entre suas mãos. Em um segundo, quando você olhar, nas mãos de Lúcifer, seu coração terá virado uma brilhante coroa de esmeralda. Neste momento, Lúcifer falará algo para você. Ouça atentamente, e desperte da meditação.

    Respire fundo novamente, e levante com calma. Já terá amanhecido ao seu redor. Ofereça a vela, o vinho e as rosas a Lúcifer. Agradeça a ele, agradeça a Vênus também. Anote suas impressões. O que você viu, o que você sentiu, o que você ouviu, e encerre o ritual apropriadamente. Espere a vela queimar até o fim e, então, você pode entregar o vinho e as rosas num parque, aos pés de uma árvore bem bonita. Dê preferencia as floridas, ou frutíferas. A esmeralda poderá ficar com você. A mantenha sempre por perto por pelo menos um mês, afinal, ela estará imantada com a energia do ritual! E fique atento aos sinais e sonhos que você poderá ter pelas próximas semanas.

    Correspondências

    E agora, para fechar o nosso artigo, vamos a algumas correspondências que podem ser usadas com ele! Você irá notar que a maior parte das correspondências aqui dadas são ligadas a Vênus e não é por acaso, afinal, estamos falando de uma força que é ligada a este planeta. Sinta-se livre para as usar como ponto de partida. Então, com o tempo e com o desenvolvimento dos seus estudos, amplie-a com base nas suas próprias experiências e jornada.

    Dias: Sexta e Domingo

    Horários: Amanhecer e poente

    Planeta: Vênus

    Pedras: Esmeralda, jade verde, cianita azul, selenita, quartzo

    Metal: Cobre e ouro

    Cores: Verde, dourado, branco

    Incensos: Sangue de Dragão, sândalo, jasmim, rosas

    Animais: Serpentes, dragões, corvos e gatos

    Ofertas: Vinho tinto ou rose, flores (principalmente rosas vermelhas), frutas e doces

    Enn: Renich Tasa Uberaca Biasa Icar Lucifer

    Fontes e leituras indicadas: Para a parte histórica em si, Lúcifer: Princeps de Peter Grey sempre é a minha maior fonte e indicação. Dentro do luciferianismo indico A Bíblia do Adversário e Apoteose de Michael W. Ford e também, pegando a corrente dracônica e explorando as diversas facetas de Lúcifer e de figuras que seguem mitos semelhantes ao seu, temos as obras Ritos de Lúcifer e Lúcifer – O Despertar de Asenath Mason.

    Até mais!

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    Quem é Lilith

    Fonte: Arquivo pessoal

    Lilith é uma figura complexa. Sendo interpretada tanto quanto como deusa quanto como demônio, suas origens vem até nós desde as antigas Suméria e Mesopotâmia, passando pelas tradições judaicas e islâmicas, até o ocultismo ocidental e seus grimórios. Hoje a temos em diversas interpretações tanto dentro do paganismo e da bruxaria quanto também dentro da Mão Esquerda.

    Um pouquinho de história

    A primeira referência que temos a ela, até o momento, surge na Epopeia de Gilgamesh, um antigo poema épico mesopotâmico constituído por doze placas de escrita cuneiforme. Sendo uma das primeiras obras conhecidas da literatura humana, escrito por volta de 2700 a.C. (Para você ter uma ideia, os próprios poemas homéricos surgem cerca de 1500 anos depois dela). Em sua narrativa mitológica temos a seguinte passagem na Tábua XII:

    “Os anos passaram, a árvore amadureceu e cresceu. Mas Inanna era incapaz de cortá-la. Pois, em sua base, a cobra que ‘não se deixa encantar’ construíra um ninho. Na copa, o pássaro Zu – criatura mitológica que as vezes criava encrencas – deixara os filhotes. E, no meio, Lilith, a donzela da desolação, construíra sua casa. E, assim, a pobre Inanna, donzela de bom coração e perene alegria derramou lágrimas amargas. Ao amanhecer, seu irmão, o deus-sol Utu, despertou de seu sono e ela lhe contou, em prantos, tudo o que acontecera com sua árvore huluppu.”

    O nome Lilith aqui derivando da palavra Lilitu, que denotava uma classe demoníaca e noturna de espíritos femininos relacionados ao vento. Sendo Lilith tanto uma figura própria como também parte dessa classe associada aos desertos, locais ermos e as tempestades. Sua iconografia, tanto dentro do que temos da cultura Suméria quanto da cultura Mesopotâmica, muitas vezes se associa e se confunde com as iconografias das deusas irmãs Inanna e Ereshkigal, sendo ela sempre associada a feitiçaria, aos ventos, as fortes tempestades, a sexualidade e ao submundo.

    Sua assimilação dentro do misticismo judaico se deu muito tempo depois, sendo mencionada no Talmude hebraico do exílio da Babilônia. Nele, as Lilitu (indo para o plural hebraico, Liloth) continuaram se configurando como uma categoria de seres demoníacos, mas assumindo então as características predatórias contra crianças do qual mais facilmente ouvimos. Incluindo as conotações vampíricas e sexuais das súcubos e dos íncubos. Sua posição como pretensa primeira mulher de Adão, no entanto, só se firmou de fato no folclore popular hebreu no período medieval, onde temos a publicação do lúdico Alfabeto de Ben-Sira. E ele é o único local onde teremos essa narrativa. Sendo neste mesmo período medieval onde a temos inserida na Kabbalah como esposa de Samael. Lembrando que a Kabbalah é um sistema de misticismo judaico que se configurou apenas no século XII, na Espanha, propagado largamente por judeus sefarditas, tendo se espalhado com facilidade através das diásporas.

    Para sua presença ir da Kabbalah judaica para a Cabala cristã, também se infiltrando no ocultismo medieval e em seus grimórios, foi um pulo só. E, a cada uma dessas passagens do original mesopotâmico e sumério até o medievo, novas camadas a ela foram adicionadas. De um demônio associado a natureza indomável e aos ventos a temos metamorfoseada em diversas facetas. Por isso falar dela é sempre tão complexo. Em seu caminho através da nossa história ela adquiriu uma multiplicidade que poucas outras figuras conseguiriam adquirir.

    Mas, como nosso foco aqui no Guia é a Mão Esquerda em si, são seus significados dentro dela que eu irei explorar neste artigo inicial. Principalmente sob a luz do luciferianismo, que é a minha vertente pessoal. E onde a teremos, assim como na Via Sinistrae como um todo, como uma das principais facetas femininas do Adversário.

    No Luciferianismo

    O Selo da União Infernal – Fonte: A Bíblia do Adversário de Michael W. Ford

    Perante a filosofia Luciferiana o Adversário não se configura como um único ser mas sim com uma corrente de força atemporal e acasual que flui e se manifesta por todo o nosso universo como os impulsos motivadores, inspiradores, desafiadores, destruidores e criativos tanto dentro da natureza como também do ser humano. Ele é a manifestação da pulsão da transformação. O incômodo que nos agita, o grito dentro de nossas gargantas, as adversidades que nos refinam e a revolta que nos faz lutar contra o que nos limita e desafia. O Adversário é o arrepio em nossa nuca, é a resposta violenta do oprimido contra as estruturas que o sentenciam, é a nossa gana de viver. Assim como ele também é a natureza selvagem e indomável que desafia a sobrevivência humana. O brilho no olhar de um predador antes de ceifar sua presa e o veneno mortífero são faces de sua força tanto quanto os tornados, os desertos e o medo mudo que sentimos contra o que certamente pode nos destruir.

    E cada cultura, ao longo da história humana, procurou representar essa força de diversas maneiras. Temos essas representações nos antagonistas de cada mitologia, tanto como divindades quanto como figuras mitológicas e folclóricas que representavam forças naturais hostis, perigos, medos e tabus sociais. E, com os processos de dominação cristã, diversas dessas figuras ganharam conotações ainda mais sinistras, junto com a demonização de todas as culturas que o cristianismo procurou sufocar e controlar. Criando-se, assim, tanto a classe que hoje chamamos de Daemons como também a figura do Diabo, o repositório simbólico de todo medo e ódio com o qual o cristianismo adoeceu a consciência humana ao longo de sua existência e que não tem comparativos em qualquer outra cultura.

    Se tornando ele tanto a sombra amedrontadora que é usada para exercer o controle sobre as massas quanto, ao mesmo tempo, o instigador e libertador daqueles que se colocaram como resistência.

    A complexidade da força que o Adversário é, perante o Caminho Luciferiano, se integra no símbolo do Selo da União Infernal. Onde, para unir todas as facetas e manifestações do Adversário que existem dentro de nós mesmos, é necessário conhecer e integrar a nossa própria complexidade. O feminino e o masculino, o consciente e o inconsciente, a luz e a sombra que habitam dentro do nosso ser. E essa integração é demonstrada na fórmula de Leviatã, Samael e Lilith unidos. Leviatã, as pulsões e o poder dos mares profundos do inconsciente, formando a Ouroboros em volta de Samael, o princípio masculino, e Lilith, o princípio feminino do Adversário. Assim como diz Michael W. Ford em sua Bíblia do Adversário, p.207:

    “O pentagrama invertido, um símbolo do anjo caído que traz sabedoria para a humanidade, também significa os cinco elementos e demônios de Ahriman. As letras hebraicas ao redor do círculo significam Leviatã, a serpente, representando a escuridão e o abismo (ou seja, o subconsciente) . Samael e Lilith são o fator equilibrado de duas manifestações da Corrente Adversária na humanidade. O Masculino Daemônico ou matéria, Lilith sendo o Daemônico Feminino ou o fogo instintivo. Juntos, eles representam o domínio da vontade. A cabeça de bode é Baphomet, ou Cabeça Negra da Sabedoria (abufihamat), a Besta, Caim, o Filho de Samael e Lilith.

    Quando você combina Leviatã, Samael e Lilith para gerar Caim ou Baphomet, este é um símbolo poderoso da Maestria do Luciferiano no Mundo Carnal e Espiritual, o acima e abaixo, a escuridão e a luz.”

    Nenhum luciferiano pode dizer que está cultivando poder e maestria em si mesmo e no mundo desenvolvendo apenas as próprias trevas ou apenas a própria luz, apenas o masculino ou apenas o feminino. Ambos precisam ser integrados e aperfeiçoados em uníssono pois é no equilíbrio que a chave do verdadeiro poderio repousa. Sendo Lilith, aqui, não apenas uma figura secundária ou a consorte da figura masculina que detém o verdadeiro destaque, mas o puro fogo instintivo sem o qual jamais podemos acender a Chama Negra dentro de nós mesmos. Ela e Samael representam duas faces da mesma força, em igual importância, e nada sem ela pode ser feito ou alcançado.

    E por qual motivo Lilith?

    Diversos são os nomes que possuem destaque como representações da face masculina da força adversarial entre as vertentes da Mão Esquerda. Satanás, Lúcifer, Samael e Azazel, junto com muitos outros, são sempre citados como manifestações da energia masculina da Corrente. Porém, entre os nomes femininos, Lilith se destaca muitas vezes quase que solitariamente para representar a manifestação feminina. E, para realmente compreendermos seu destaque, temos que adentrar em suas sombras e compreender de fato o motivo pelo qual ela é o que é.

    Desde que foi assimilada pelas culturas judaica e islâmica, até o período medieval, um aspecto dela recebeu mais desenvolvimento do que qualquer outro: o aspecto do feminino impiedoso. Ela foi a figura que, culturalmente, mais recebeu a carga dos medos masculinos a respeito do feminino por onde passou. Virando a própria manifestação viva e pulsante de tudo que mais os apavorava e que as mulheres deviam evitar ser a qualquer custo, inclusive, ao custo das suas próprias vidas.

    De uma figura que representava os desertos e as tempestades ela evoluiu para o emblema da mulher que não centra o masculino em nenhum nível de sua existência. Não se colocando no posto materno e nem no posto de figura acolhedora. Indo na direção oposta, ela é retratada como aquela que rejeita. Rejeita os desejos masculinos, rejeita a concepção da sua semente, rejeita os papéis que a ela são oferecidos. E rejeita ao ponto de preferir viver no deserto, ao lado de demônios, e se tornar uma figura permanentemente amaldiçoada do que aceitar todo o conforto do paraíso se para isso ela tiver que aceitar esse desejo masculino por um só momento que o for.

    E, por ser aquela que rejeita, ela se torna aquela que recebe tanto o ódio quanto o medo e o desejo cada vez mais intensos das culturas pelas quais ela passou. Suas representações contém tanto uma sexualização extrema, fruto do desejo masculino perante aquilo que lhe impõe um desafio, quanto aspectos monstruosos como uma vagina dentada, representando o medo da castração imposto por aquela que nega os desejos que a ela são direcionados. Lilith usa sua sexualidade como quer, com quem quer e da forma que quer, não permitindo que essa sua camada seja dominada. Ela se nega a interpretar o papel do feminino gerador e receptivo que temos de forma tão idolatrada dentro da Mão Direita. Ela corta o cordão umbilical, ela é uma estranguladora, ela vampiriza e usa os homens sem por eles sentir qualquer tipo de afeto ou conexão. E essa rejeição, essa frieza, doem profundamente.

    Como disse Margaret Atwood: “Homens têm medo que as mulheres riam deles. Mulheres têm medo que os homens as matem.” E Lilith sempre representou algo muito mais gélido do que a zombaria, ela representou a indiferença. Uma indiferença que, na ausência de qualquer empatia, a torna cruel. A torna a megera insensível e implacável. A carrasca.

    A posição mais adversarial em que o feminino pode se colocar perante o masculino sempre foi a de não se importar com ele. Com seus desejos, com seu conforto e bem estar. Até mesmo com sua mera sobrevivência. Nisto, com os séculos da sua ativa demonização, Lilith nos abre seus braços pálidos e frios. Como a representação adversarial feminina perfeita, ela só se coloca ao lado daqueles que carregam consigo a sua mesma essência indomável e opositória. Representando um único e constante desafio ao masculino: o de se aprender a conviver sem reter protagonismo.

    Um desafio que até os dias de hoje muitos homens dentro do ocultismo e do próprio luciferianismo não conseguem transpor. A figura cruel e sangrenta de Lilith ainda estremece Mestres e Sacerdotes que, na mínima visão de uma mulher que não se coloca como eles acham que ela deveria, já começam com seus discursos alarmantes sobre a influência e a possessão da maligna Lilith, a Diaba. O pesadelo que os faz suar frio mas os mantém acordados de noite. A quem eles desprezam por se sentirem desprezados em primeiro lugar.

    Homens poderiam se aproximar dela?

    Pelo seu contexto histórico, uma das dúvidas mais comuns que eu recebo em relação a Lilith é se ela seria uma figura que permite ou não que homens entrem em contato com ela. Eu não posso falar em nome de todas as culturas e vertentes que a incluem, apenas no que diz o luciferianismo, já que ele é onde eu me insiro. E, da parte dele, como já foi expresso anteriormente, não existe lugar onde podemos chegar sem a sua presença. Ambas polaridades do Adversário devem ser trabalhadas por todos luciferianos. Então, confronte seus medos e se dê a chance de evoluir.

    Deusa ou Demônio

    Outro ponto de grande discussão seria se ela se configuraria apenas como um demônio ou se seria, de fato, uma deusa. Um debate que, pelo menos dentro da Mão Esquerda e dentro do luciferianismo, não chega a sequer fazer sentido. Pois, para nós, uma coisa jamais anularia a outra.

    Daemons são, perante a Via Sinistrae, manifestações do Adversário. A eles nos aliamos, ao lado deles andamos, e por seus caminhos nos desenvolvemos rumo a nossa própria Apoteose. Figuras como Lilith, pelo seu peso e influência, são referenciadas como divinas. Mas não no divino como ele é compreendido tradicionalmente pela Mão Direita e sim pelo que muito tem se chamado de Infernal Divine, o Divino Infernal. Eles se levantam como nossos deuses e nossas deusas sem que para isso eles precisem deixar de serem as forças selvagens e brutas que eles naturalmente são.

    A maneira pelo qual nos relacionamos com eles também se destaca, sendo parte da distinção natural entre as abordagens da Mão Direita e da Mão Esquerda na maneira pela qual o componente humano busca se conectar com o que é divino. Se na Direita a posição natural é a servil, com o dobrar de nossos joelhos, na Esquerda permanecemos em pé, com a cabeça erguida, nos colocando ao lado e nunca abaixo, como eu já falei aqui, aqui e aqui.

    Experiências Pessoais

    Lilith foi, e ainda é, uma das figuras mais mutáveis e intrincadas com as quais eu já cruzei em todos meus anos de caminhada espiritual. Foi ela que, surgindo após diversas figuras infernais que já tinham tentado falar comigo recebendo apenas minha negativa em troca, me conduziu sem que eu sequer pudesse notar para dentro das profundezas da Mão Esquerda. Um processo que durou, ao todo, três anos. E eu só consegui perceber a vastidão da sua ação na minha vida quando eu finalmente me posicionei como luciferiano, conseguindo por fim ver a retrospectiva desses três anos num quadro maior e não apenas em seus pequenos detalhes. Sendo ela a única dentre as divindades da minha vida que explicitamente sempre me prometeu mais contrariedades do que bênçãos.

    Através dos seus testes eu compreendi o que era o papel adversarial no mundo e em minha própria vida. Eu fui rasgado, vez após vez, de novo e sempre mais uma vez, até que eu conseguisse acessar a minha própria essência. Nos tempos em que ela se afastava eu podia até me enganar sobre mim mesmo, sobre as coisas ao meu redor, mas nunca em sua presença. Ela sabe como complicar as coisas, ela sabe como te tirar completamente do seu centro. E, em todos esses anos onde eu a tive e tenho como aquela que me testa e me contraria, eu nunca tive alguém que fosse capaz de ser o opositor como ela consegue ser. E, na mesma medita, ninguém que me fizesse avançar tanto. Lapidando o meu poder como um diamante bruto, retirando de mim toda minha impureza com fogo e aço.

    A tendo como professora eu consegui acessar e desenvolver lados meus que eu nunca pensei que conseguiria aceitar. Que eu sequer conseguiria olhar. Assim, me dando vida no mesmo ritmo no qual me fazia sangrar. Ela sempre excedeu tudo que eu fosse capaz de pensar sobre ela. Me fazendo ir muito além do que eu jamais pensei que pudesse ir. Não existe absolutamente nada dentro dos seus processos que seja fácil, ou mesmo que seja agradável. E eu os faria todos de novo. Eu a escolheria sempre. Vez após vez. Em todas minhas vidas, a cada encarnação, sem nunca me arrepender.

    O Caminho no Deserto

    E, como não podia faltar, o pequeno rito a seguir é destinado a aqueles que desejam se aproximar de Lilith pela primeira vez!

    Se prepare para este pequeno rito com alguns dias de antecedência. Ele deve ser feito na lua nova, então, comece seus preparativos na lua minguante. Nele, teremos duas defumações e dois banhos de ervas para limpar e proteger tanto a sua casa quanto você mesmo, que ocuparão o espaço de quatro dias.

    Em primeiro lugar, limpe sua casa fisicamente, fazendo em seguida uma defumação com café, cascas de alho e folhas de guiné para a purificar energeticamente. No dia seguinte, faça então uma segunda defumação, com cravo, alecrim e arruda, desta vez para conferir proteção. Então, com seu lar purificado e protegido, faça um banho de ervas para si mesmo com boldo, folhas de eucalipto e hortelã para se purificar. E, no dia seguinte, faça um banho bem forte de cravo focando na sua proteção.

    Enquanto você cuida da purificação e da proteção de si mesmo e do seu lar, adquira:

    • Uma representação de Lilith, podendo ser uma arte da qual você goste, seu sigilo confeccionado, ou até mesmo um desenho que você mesmo fez
    • Uma vela vermelho escuro
    • Incenso ou resina de Sangue de Dragão
    • Uma obsidiana
    • Vinho tinto
    • Flores e frutas vermelhas da época

    Então, na primeira noite de lua nova, prepare com cuidado o espaço onde você irá performar o ritual. O deixe limpo e organizado, arrumando um pequeno altar para Lilith com a representação, a vela, a obsidiana e as ofertas de vinho e frutas.

    Tome um bom banho antes de começar, para estar limpo e com a cabeça desanuviada. Então, em um pequeno recipiente com água, misture uma colher de sopa de sal grosso, dizendo: “Sal e água, agora os desperto e vivifico. Tornem puro e harmônico onde eu os aspergir, e que assim seja.” Aspirja, então, o local do ritual com esta água salgada, imaginando que ela lava e purifica todo o espaço. Ao final, agradeça e dispense o que sobrar. Em seguida, acenda o incenso, dizendo: “Fogo e ar daqui o mal expulsam, trazendo força e proteção para este momento sagrado.” Passe o incenso por todo o local, o imaginando protegido e em harmonia. Faça o Circulo sem pressa. Acenda a vela, então diga:

    “Na escuridão da noite adentro

    Portando apenas o meu próprio coração
    E tudo que nele habita
    Que a Senhora da Desolação o reconheça
    E me veja”

    Respire profundamente, se concentre. Pegue a obsidiana entre suas mãos e a segure na altura do seu coração. Feche os olhos. Então comece a imaginar que você está andando por um amplo deserto a noite. Em suas mãos, agora é o seu próprio coração que você segura. Negro, feito de obsidiana. Mas, de alguma forma, ainda quente e pulsando. Você o segura com cuidado rente ao peito e segue andando.

    O céu escuro, acima de você, resplandece cheio de estrelas. E, alto em meio a elas, o círculo escuro da lua se destaca como um buraco negro no centro do céu. Respire fundo. Continue. Sinta a areia debaixo dos seus pés, o vento seco e quente soprando contra o seu rosto. Continue. Lentamente, alguns animais naturais do local notarão a sua presença. Você poderá os ver ao longe, observando lentamente os seus passos. Eles não tentarão se aproximar. Continue. Aos poucos, enquanto caminha, você começa a notar que a lua lentamente começa a ressurgir no céu, com apenas um fino arco de luz. Voltando sua visão ao deserto, agora você nota uma árvore seca ao longe.

    Mesmo sem uma única folha, ela é enorme. Seus galhos se estendem quase até os céus, como se pudessem rasgá-lo. Sem pressa, você se dirige em direção a ela. O som de uma coruja pode ser ouvido ao longe e seu coração, por algum motivo, começa a bater mais forte. Quanto mais próximo você fica da árvore, mais ele se agita. Você começa a notar, então, ossos de diversos animais ao seu redor. Quanto mais próximo da árvore, mais carcaças você consegue ver.

    Então, estando perto o suficiente, você nota uma silhueta escura se levantar entre os galhos da árvore, esticando imensas asas e indo até você. Seu coração bate ainda mais forte, mas você o segura com delicadeza. Mais rápido do que seria normal a silhueta pousa perto de você, revelando a mulher coruja que te olha com curiosidade. Seu corpo é coberto por penas, apesar de humano. Suas grandes asas se dobram atrás de suas costas enquanto você nota que suas pernas e pés são como os de uma coruja, assim como as garras de suas mãos. Dois chifres ornamentam sua cabeça, se destacando acima dos longos cabelos negros. Seus olhos de serpente te analisam. Com cuidado, você mostra o seu coração para ela, que se aproxima com cuidado. Ela estende uma de suas mãos com cautela, o tocando. Neste momento, seu coração é tomado por fogo e, enquanto ele queima, você começa a dizer para ela, para Lilith, os motivos que te levaram a entrar em contato com ela.

    Demore o tempo que precisar. Ela te escutará. Quando você terminar, peça que ela considere suas palavras e agradeça pela sua escuta. Ela retirará a mão do seu coração, que irá parar de queimar. Olhando de novo para ele, você nota que agora, de fato, ele é de rocha, duro e sem pulsação. Com curiosidade, você nota que em alguns lugares fios de ouro surgiram entre os contornos da pedra lisa. Ao olhar de novo para Lilith, ela aos pouco vai perdendo seu contorno, voltando a ser apenas uma silhueta escura. E a lua no céu, acima da árvore, começa a crescer rápido demais. Antes que ela se torne completamente cheia abra seus olhos e saia do estado meditativo.

    Tire alguns minutos para que sua consciência retorne por completo. Agradeça a Lilith em voz alta e erga o vinho, as frutas e flores dizendo que as oferece a ela. Diga que eles ali ficarão até a noite seguinte. Então, com calma, desfaça o Círculo e agradeça a todos que ali estiveram com você, dando a permissão da partida. Se aterre, vá comer algo e descansar. Na noite seguinte, deixe as ofertas aos pés de uma bela árvore, guarde a obsidiana entre os seus pertences, e fique de olho em seus sonhos e ao seu redor até a lua cheia pois, nesse período, Lilith te dará sua resposta.

    Correspondências

    Fechando nosso artigo inicial com uma boa chave, vamos a algumas correspondências que podem ser usadas com ela! Sinta-se livre para as usar como ponto de partida. Então, com o tempo e com o desenvolvimento dos seus estudos, amplie-a com base nas suas próprias experiências e jornada.

    Dias: Segunda, sexta e sábado

    Horários: Noturnos

    Planeta: Lua

    Pedras: Granada, rubi e obsidiana

    Cores: Preto e vermelho

    Incensos: Sangue de Dragão, rosas e absinto

    Animais: Corujas, serpentes e aranhas

    Ofertas: Vinho tinto, flores e frutas vermelhas

    Enn: Renich viasa avage Lillith lirach

    Fontes e leituras indicadas: A Epopeia de Gilgamesh, o Dicionário de Demônios de M. Belanger, a Bíblia do Adversário e Sebitti – Magia e Demonologia Mesopotâmica de Michael W. Ford.

    Até mais!

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    Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

    Primeiros passos – Sobre Mestres e Sacerdotes

    Fonte: Arquivo pessoal

    Um dos pontos comuns entre a maioria das pessoas recém chegadas nas margens de entrada da Mão Esquerda é a da procura por uma figura que lhes seja referencial. Mais especificamente, por um mestre ou sacerdote/sacerdotisa do qual elas possam aprender e a quem elas possam se referir. É de se perder as contas o número de vezes em que eu, e outras pessoas que conheço do meio, já recebemos pedidos de indicações para isso. E, apesar de não me opor particularmente as pessoas buscarem figuras como essas, sinto que, no contextos extremamente particulares da Mão Esquerda, os recém chegados sempre partem dos pontos errados para isso.

    Em primeiro lugar, tenhamos em mente que quando falamos sobre sacerdócio falamos sobre uma posição que é, por definição, religiosa. Sendo reservada para pessoas que estão ou no topo ou em posições de destaque da hierarquia de religiões específicas. A Mão Esquerda, por si, como vimos no texto que fala um pouco mais de suas definições, não é uma religião. E a vasta maioria das suas vertentes também não são religiosas. Até pela forte conotação de oposição a hierarquias e da subversão as normas que faz parte da postura da Esquerda como um todo.

    Dentro do Satanismo LaVeyano temos tradicionalmente a Church of Satan, mas todo o seu contexto histórico é o de se definir como religião para bater de frente com o cristianismo estadunidense. Então perceba atentamente que mesmo quando se é criado um movimento religioso na Esquerda ele se cria para ser contra cultural. Para ser uma insurreição contra aquilo que é posto como norma social. É um ato de rebelião. Mas a Church of Satan resume o satanismo? Definitivamente não. Existe muito mais dentro do Satanismo do que ela. E eu digo isso como algo positivo. Dentro do Luciferianismo temos menos contexto religioso ainda. A Demonolatria, entre as correntes de Esquerda, é a que mais se coloca como religiosa de fato. Mas você não tem, mesmo nela, uma igreja central.

    Lembre-se sempre que é na Mão Direita que temos desenvolvidos os temas da ordem, da hierarquia, da coletividade e da integração. A Mão Esquerda, como movimento opositor, é um disruptor da ordem. Na Esquerda temos o questionamento e a dissolução das hierarquias, temos a individualidade e o trabalho com o que é segregado e marginalizado. De forma que, por natureza, é um caminho trilhado majoritariamente por indivíduos autônomos e não por aqueles que estão inseridos em instituições. Temos algumas Ordens, claro. Mas eu não diria de forma alguma que elas são para treinar iniciantes e sim para pessoas que já tem uma ótima de uma experiência e querem desenvolver áreas e tópicos específicos onde seria muito interessante o fazer ao lado de outras pessoas com o mesmo objetivo.

    Então, aqui já nos desfazemos da ideia de buscar estruturas religiosas e instituições na Esquerda da mesma forma e com os mesmos propósitos em que elas existem na Direita. Não só não dará certo como você pode acabar em becos muito estranhos e com gente deveras esquisita, como eu já alertei aqui e aqui.

    Em segundo lugar, quando temos sacerdotes existindo fora das estruturas fixas de religiões estabelecidas, eles sempre existem por causa da demanda de alguma comunidade em específico. Sendo eleitos por essa comunidade como os mais indicados, em meio a eles, para o papel de agirem como líderes espirituais, atuando como pontes entre as pessoas e o divino e sendo os responsáveis por liturgias, ritos, cerimoniais e demais serviços de cunho espiritual para os outros integrantes do coletivo. Assim, apesar dessas pessoas não serem necessariamente colocadas em seus postos por uma religião específica elas sempre o são por seu grupo. Afinal, a natureza do ofício destes é essencialmente comunitária.

    Fora dessas duas categorias tradicionais, dentro das particularidades do cenário pagão moderno, existem muitos sacerdotes e sacerdotisas autônomos por aí. São pessoas que se dedicam a uma divindade, ou panteão, em particular. E, apesar deles não terem uma comunidade ou fazerem parte de uma religião oficialmente, sua devoção toma esse rumo. E eles são, apesar de solitários, pessoas que você pode procurar para aprender sobre suas divindades, para entrar em contato com elas, ou mesmo para pedir toda a sorte de encargos que se pode pedir de uma figura sacerdotal num geral. Perceba que, mesmo quando falamos de figuras autônomas, o servir ao outro está sempre centralizado no que significa ser um sacerdote ou uma sacerdotisa.

    E esse servir não inclui apenas outras pessoas mas as divindades com as quais existe o comprometimento em si. O sacerdote serve a sua divindade. E se coloca como servo em nome dela não apenas em sua própria vida mas na vida daqueles que o procuram ou precisam dele para isso. E essa posição de servidão, por definição, não é algo que você vai encontrar na Esquerda. Pois na Esquerda não nos colocamos abaixo do divino como servos e não nos dedicamos ao outro como foco principal.

    Encontramos títulos dentro de Ordens, pois elas tem um propósito prático em seu meio, servindo para indicar o desenvolvimento de seus indivíduos ou qual é a posição hierárquica dos seus integrantes. Mas, fora do contexto das Ordens e Templos em si, seus títulos geralmente perdem o sentido. Inclusive o título de Mestre. Sendo usados facilmente por inúmeros charlatães que gostam de se imputarem qualificações apenas pelo peso e pelo brilho que elas proporcionam a eles.

    E, como já temos um texto sobre como identificar grupos abusivos, aqui teremos como notar se a coroa dourada de algum professo líder é mesmo de ouro ou se ela é apenas um artifício para atrair os desavisados:

    1- Quais são as suas credenciais?

    Pesquise os antecedentes de qualquer um que se coloque como Sacerdote ou como Mestre para você. Se a figura se coloca como sacerdotal, de onde veio? Por quais Ordens já passou? Faz parte de algum Templo? Qual foi a sua trajetória? Se temos alguém que se coloca como um mestre, é mestre no que exatamente? Como, em quais lugares e com quais pessoas adquiriu sua maestria? Essa pessoa dá nomes identificáveis que você poderia entrar em contato ou localizar? Jurar juradinho que fez parte das “maiores e mais importantes Ordens” sem citar nomes ou rastro não vale. Qualquer um pode chegar em qualquer lugar e dizer que participou de vários grupos por aí. Isso não quer dizer absolutamente nada. Sem credenciais, sem negócio.

    “Ah mas fulaninho é uma figura autônoma.” Ok, então vamos ao segundo tópico.

    2 – Com qual qualificação?

    Figuras autônomas sérias, assim como quem é filiado a grupos específicos, tem trajetórias públicas reconhecíveis. Você é capaz de achar, e elas mesmo disponibilizam, seu histórico. Onde elas começaram, como foi a jornada, se elas fizeram cursos e quais, se foram treinadas em algum lugar ou por alguém, e suas contribuições para suas comunidades num geral. Se já escreveram livros, participaram de revistas e zines, qual tipo de pesquisa e bibliografia usam como base, se possuem algum site ou rede social e por aí vai. E isso nos leva ao próximo tópico.

    3 – Como contribuem?

    Como já vimos, títulos não são apenas nomes bonitinhos para se ter mas sim posições de responsabilidade. Sacerdotes tem o serviço como principal função. Sendo assim, como eles servem a própria causa que dizem defender e como ajudam e enriquecem seus meios? Eles disponibilizam o conhecimento que eles possuem de qual forma? Eles são autores, tendo livros, contribuindo em revistas ou tendo algum blog ou rede social? Eles tem serviços de auxílio e acolhimento para aqueles que precisam? Eles se preocupam em como suas palavras e ações vão afetar o seu meio e outras pessoas? Eles se portam com respeito e responsabilidade?

    Se for alguém que diz ser Sacerdote de alguma divindade, o que ela dispõe de serviço social em prol dessa divindade? Essa pessoa é uma fonte de informação confiável sobre essa figura divina? Quais recursos ela disponibiliza para as pessoas? Esse Sacerdote ou Sacerdotisa sabe conduzir e ensinar as pessoas em direção a sua divindade de forma correta e reverente? Quais projetos ela possui? O que ela está fazendo de relevante no momento? Se for alguém que se diz Mestre ou Mestra é a mesma coisa. Ela ou ele estão usando sua maestria como? Como provam que realmente são o que dizem ser? Pois isso deve ser feito através de atos, claros e consistentes, e não só através de se encher o peito e falar grosso. Se alguém clama para si uma posição de importância e relevância social deve existir um esforço e um mérito através do qual essa pessoa o conquiste e o mantenha.

    4 – Como são reconhecidos em seu meio?

    Outro bom indicativo para sabermos se uma figura que se coloca como Sacerdotisa, Sacerdote ou Mestre é fidedigna ou não é percebermos como as pessoas do meio que ela clama fazer parte a reconhecem. Fulano falou que é um Mestre ou um Sacerdote luciferiano? Além de verificar os outros tópicos acima observe como outros luciferianos falam dessa pessoa. Ele sequer é conhecido? E o sendo, as pessoas o reconhecem como uma figura de referência ou existem críticas válidas referentes a ele? Ninguém é tão alecrim dourado a ponto de ter todo um meio o criticando e as críticas não virem de um local válido. Onde existe fumaça podemos sim encontrar fogo. Fique de olho.

    5 – Qual é o seu comportamento?

    Ao olharmos para uma figura que se coloca como um ponto de referência também é importante notarmos como ela se porta e se conduz. Se ela transmite firmeza, seriedade, profissionalismo ou não. Alguém que vive de caçar briga e polêmicas demonstra que, se não for causando ira constantemente, não conseguiria ser relevante. Fuja dos sujeitos que só aparecem porque vivem discutindo, vivem gerando polêmica e vivem usando sensacionalismo ao próprio favor. Se essas pessoas tivessem um real conteúdo seriam conhecidas por ele e não por ter apenas a própria inconveniência para compartilhar com o mundo.

    6 – Para além das aparências

    É muito comum, em tempos de redes sociais, que a nossa capacidade de julgamento perceba a aparência que as pessoas projetam muito antes que possamos perceber seus reais discursos. A estética, o número de seguidores e boas estratégias de marketing muitas vezes nos fazem valorizar muito certas figuras antes de conseguirmos notar suas incoerências. E, aqui, todo cuidado é pouco. Aqueles que sabem lidar com os algoritmos das redes sociais em que se inserem facilmente conseguem fazer seus perfis crescerem. O que não significa, no entanto, que essas pessoas tenham de fato o que dizer. Elas só sabem jogar muito bem o jogo. E, muitas vezes, de forma extremamente suja. Usando qualquer pauta que esteja em voga no momento da pior forma, só para ampliar seu próprio engajamento.

    Seja crítico com o que você consome. Preste atenção no que de fato é dito. Em como é dito. Verifique as informações que chegam até você. Não coloque ninguém em pedestais. Veja através das aparências e do status que querem te vender. Lembre-se que, dentro da Mão Esquerda, não estamos para seguir mas sim para guiarmos a nós mesmos a nossa própria Apoteose.

    Até mais!

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    Os 11 Pontos Luciferianos de Poder

    Fonte: Arquivo pessoal

    O Luciferianismo, como vimos em nosso texto introdutório, é um sistema de crença, ou filosofia de vida, que busca se inspirar nas qualidades da figura de Lúcifer como portador de iluminação e conhecimento. Dentro da visão luciferiana, Lúcifer não é visto como o Diabo, mas sim como a representação de uma força libertadora que ilumina a consciência, trazendo discernimento e lucidez. E, dentro desta visão, encontramos os Onze Pontos Luciferianos de Poder. Estabelecidos por Michael W. Ford na fundação da Greater Church of Lucifer em 2014, eles tem a intenção de tanto definir quanto abordar o pensamento e a atitude luciferiana.

    Mas longe de serem regras inquestionáveis e imutáveis, os Onze Pontos servem como uma bússola inicial tanto para a compreensão quanto para a aplicação da filosofia luciferiana por parte de seus adeptos, devendo ser interpretados dentro do contexto e da prática de cada um. Afinal, cada luciferiano é único em si mesmo. Tendo, cada qual, liberdade dentro do próprio discernimento e conduta. No texto de hoje do Guia eu discorro e aprofundo a minha compreensão sobre eles. Então bora lá? Vamos a eles:

    1 -Lúcifer representa a luz do intelecto, sabedoria e poder somente para o indivíduo com a coragem de ascender a essa responsabilidade

    Começamos, no primeiro Ponto, com a concepção de que a visão que possuímos sobre Lúcifer dentro do luciferianismo é tanto original quanto própria e de que ela atenderá apenas aqueles que dele participam e os que se dispõe a ir além dos lugares comuns que temos socialmente sobre a grande Estrela da Manhã. Lúcifer, como o conhecemos, é uma figura historicamente rica e complexa. Dependendo da crença onde a pessoa se encontre ele pode ter diversos atributos, representar valores distintos e ser muitos em si mesmo. O ter como um representante de luz e sabedoria não é uma unanimidade mas sim um demarcador da visão que temos dentro na Mão Esquerda sobre ele, principalmente dentro do luciferianismo em si. O interessante, no entanto, é a forma como o Ponto coloca que essa visão também se trata de uma responsabilidade.

    Não bastando, aqui, que o tenhamos como um iluminador apenas conceitualmente mas sim que nos portemos de acordo, o colocando nessa posição ativamente em nossas vidas. Aqui se encontrando a diferença, e a responsabilidade. Tanto pessoal, particular a cada um, mas também para com Lúcifer em si (para aqueles, dentro de nós, que se configuram como teístas). É na práxis que entendemos o que realmente sua luz significa. Como ela se manifesta. E como ela transforma cada adepto em específico. Uma luz que só se torna tangível para aqueles que escolhem se colocar efetivamente sob ela.

    2 – O símbolo do Adversário é aquele do auto libertador e do rebelde espiritual que inspira a auto evolução

    Assim como discorremos em nosso texto sobre a Corrente do Adversário, a figura adversarial, em si, não fala ou se refere a um ser só em específico mas a uma força anticósmica, acasual, que age e se manifesta como os impulsos motivadores, inspiradores, desafiadores, destruidores e criativos dentro de cada ser humano e na natureza como um todo. Sendo ele a pulsão que flui através de nós como o instinto primal da revolta, para vencermos as adversidades e evoluirmos. Muitas figuras, em diversas mitologias ao longo das eras, possuem atributos adversariais e se colocam nesta posição. Pois, sem esta força, não temos movimento. Mas nenhuma delas é o Adversário em si. Pois ele é uma pulsão que tudo permeia, para muito além das figuras através das quais sua energia flui e é a nós codificada.

    3 – Lúcifer representa o portador equilibrado da tocha de Vênus: Aquele que Traz a Luz como a Estrela da Manhã e o Portador da Noite como a Estrela Vespertina

    No terceiro Ponto encontramos, num primeiro vislumbre, o que será aprofundado no quinto Ponto: a visão de Lúcifer como um ser dual, que traz em si o equilíbrio entre sua própria luz e sua própria sombra. Este equilíbrio permeia e distingue toda doutrina luciferiana em si. Nenhuma luz é verdadeira se não for nascida do âmago das trevas, e nenhuma escuridão existe sem sua própria luminosidade. Ambas são manifestações opostas do mesmo princípio cósmico que, em sua dança, se move e se equilibra constantemente. Uma não existindo para fora ou na ausência da outra. O portador da tocha de Vênus que traz o amanhecer e o crepúsculo são um e o mesmo. Não sendo possível a nós interagir com um sem também aceitar o outro.

    4 – O Adversário simboliza a centelha da consciência que questiona todas as coisas, manifestando o caminho individualista com responsabilidade apenas consigo mesmo

    Como já mencionado, o Adversário, perante a visão da Mão Esquerda, simboliza uma Corrente energética específica que permeia e percorre tudo que existe. Se alinhar a ele exige consciência, constante aprimoramento pessoal e auto responsabilidade. Neste caminho você não é responsável por ninguém além de si mesmo. Você pode ser extremamente social em outras camadas da sua vida, mas tenha em mente que, espiritualmente, este caminho faz parte da Via Sinistrae e ela, por definição, como aqui vimos, é um caminho de separação e auto regência.

    5- A queda de Lúcifer simboliza a libertação da mente da mentalidade escrava e a coragem para explorar e dominar a escuridão interior. Não se pode oferecer a iluminação da Estrela Matutina sem a sabedoria da escuridão interior

    Em um aprofundamento da dualidade apresentada no terceiro ponto aqui temos a função evolutiva das adversidades (das sombras) da Corrente sendo demonstrada no mito da queda. Apenas a centelha da rebeldia pode nos fazer desejar algo para além daquilo que fomos condicionados incialmente. Questionando, desacreditando, percebendo as discrepâncias. Todos que começam a ver além das aparências iniciais de um local dele são expulsos para não perturbar a ordem dos que lá ainda permanecem. E exige coragem se dispor a isso.

    Não só por se perder a proteção e o acolhimento do grupo, mas por termos que, após a expulsão, nos encararmos e nos definirmos para além do que somos em relação ao outro. Como os seres sociais que somos, evoluímos enquanto espécie dentro de estratégias que focam o coletivo. Desta forma a maioria de nós, por natureza, descobre e formula quem se é e tem seu senso de identidade baseado nas estruturas e hierarquias sociais disponíveis a si, não enxergando ou se expandindo para além delas. Sendo este exercício desorientador no início, mas recompensador em seu final. Onde passamos a não nos basear em nada externo para sabermos quem somos mas sim em um senso de identidade, e de luz, de fato auto regente e soberano em si próprio.

    O caminho, por sua própria natureza, irá nos fazer entrar em discrepância com nosso meio. Irá nos fazer “cair”, perder as certezas que antes tínhamos, sair do conforto que antes conhecíamos e enfrentar em isolamento nossas próprias trevas. Mas é apenas através delas que podemos criar nossa verdadeira luz. Nosso verdadeiro poder, potencial e força. Onde não se encaixar deixa de ser um lamento para ser uma fonte de autoconhecimento e poderio.

    6 – O Adversário representa rebelião com propósito: sabedoria, força e poder

    Como já citado aqui, a rebeldia do Adversário não existe apenas por existir. Ela é o motor das mudanças e do movimento do mundo. Afinal, sem oposição nada muda. É o grito dos inconformistas que muda as leis, que desafia o status quo, que nos faz avançar enquanto sociedade. São os rebeldes que trazem novas ideias, que apontam onde estão as falhas, que cospem na cara do que está velho para que algo novo surja. Todo movimento precisa ter um propósito por trás de si. Um propósito que se guie pelo avanço, pelo fortalecimento e pela melhora.

    7 – Lúcifer representa a coragem e a firmeza para adquirir amor próprio saudável, levando á responsabilidade de honrar seu templo da mente, corpo e espírito

    No sétimo Ponto temos um tópico que o Ford gosta muito de valorizar e nem todos autores ocultistas colocam em destaque, apesar de ser essencial: o cuidado que devemos ter conosco como um todo. Não apenas espiritualmente, mas principalmente fisicamente. Você não irá evoluir espiritualmente, seja qual for sua interpretação sobre o que quer que isso seja se, ao mesmo tempo, você não cuidar da sua existência material e física.

    Nesta terra, no momento, ninguém existe apenas como espírito. Temos mentes e corpos dos quais é igualmente sagrado e essencial cuidar. E, sendo Lúcifer uma manifestação de Vênus, ele é popularmente conhecido por colocar seus adeptos em dia com os cuidados com seus próprios corpos e saúde tanto quanto em disciplina com suas jornadas espirituais. O que, na prática, é sempre mais trabalhoso do que no discurso. E aprender a se amar, se respeitar, se cuidar e se nutrir como um todo faz parte do caminho com tanta ou mais importância do que performar rituais intrincados e ter grandes experiências espirituais.

    8 – Para se tornar seu próprio deus, você deve ter a sabedoria e a força para governar e guiar sua vida, como se sua mente fosse sobreviver além do corpo mortal

    A questão da auto deificação é complexa dentro da Mão Esquerda. Nem todas vertentes, autores e praticantes tem a mesma exata visão sobre ela. Mas a que o Ford aqui trás é a do indivíduo soberano em relação a si próprio. A independência que é marcada dentro da Via Sinistrae, onde não aceitamos mestre ou autoridade sobre nós além da nossa própria. O adepto da Esquerda é essencialmente anárquico em sua natureza, negando toda autoridade que tente lhe comandar. E, ao final, também temos a visão costumeira de Ford de que não podemos de fato provar que algo para além vida existe, mas não faz mal nos guiarmos tendo em mente que também não podemos provar que esse algo não existe. Afinal, só chegando lá descobriremos.

    9 – Indulgência com moderação, amor pelo merecimento e desdém para com os indignos

    O nono e o décimo Ponto carregam em si bastante da moral que temos dentro da literatura satanista de LaVey. O que não é de todo estranho, visto que ambos o satanismo e o luciferianismo modernos tem histórias entrelaçadas e se carregam e avançam como crenças irmãs dentro da Mão Esquerda. Aqui, a diferença geralmente se encontrará na maneira como o luciferianismo reforça a moderação e o equilíbrio em sua indulgência. Mas o ponto de não se desperdiçar afeto indiscriminadamente permanece inalterado. Ambas crenças colocam como anti natural a postura de se amar todas as coisas, dizendo que não devemos desperdiçar esse sentimento naqueles que demonstram que irão apenas nos desgastar através dele. Como dizem, faz parte de uma boa higiene emocional que nem todos tenham acesso a você. Reserve sua doçura para quem realmente a celebrará junto a você e não para aqueles que te usarão por ela. Aprenda a dizer não, estabeleça limites não negociáveis, e se preserve.

    10 – Lúcifer representa a percepção de que cada ato, não importa se percebido como altruísta, é um ato egoísta. Mesmo se ajudar os outros é a sua paixão, o cérebro ainda recebe uma recompensa química desencadeada pelo ato. Portanto, muitos consideram que fazer boas ações na sociedade pode aproximar você de “deus”. Reconheça que você é egoísta, então veja esse fato em todos os outros enquanto observa. Aceite isso e depois, com esse conhecimento, faça escolhas que beneficiem não só a você, mas seus entes queridos também, quando possível.

    O décimo Ponto coloca a natureza da intencionalidade que devemos ter em nossos atos em foco. Pois tudo o que fazemos é, essencialmente, aquilo que julgamos bom ou correto para nós mesmos dentro dos nossos valores pessoais e julgamento interno. O bem e o mal que fazemos, em igual forma, é feito dentro do que achamos justo dentro da nossa própria lógica. Buscamos aquilo que desejamos e tem para nós apelo, seja o que for. E não existe absolutamente nada de errado nisso.

    De forma que sempre é extremamente insidioso colocar a armadilha do que é moralmente mais ou menos nobre dentro desta dinâmica. Somos, assim como tudo neste Universo, neutros em natureza. Dependendo de diversos contextos e circunstâncias para calibrar nossas ações e julgamento ao que mais se alinha ao nossos ideais e a nossa preservação. Quem mais tenta se dizer moralmente irrepreensível e nobre é quem mais percebe em si mesmo falhas a compensar. Todos santos em campanha tem demônios bem alimentados a esconder. Não seja como eles, reluzindo um brilho apenas performático. Faça o que for, sendo positivo ou negativo, tendo em mente o seu bem estar e o conforto daqueles que somam com você sem prender seus pés na arapuca de querer colocar um halo em sua própria cabeça.

    Afinal, não existe nada de mais verdadeiramente egoísta, no sentido pejorativo da palavra, do que se colocar como um eterno e perfeito bonzinho que se sacrifica numa cruz por todos apenas para deixá-los com um sentimento de dívida para com você, que deve ser paga em retorno com adoração e aplausos. Chame isso pelo que realmente é: manipulação.

    11 – Se tornar um deus é entender completamente que você possui o poder de criar e sustentar seu caminho na vida e inflamar a luz do potencial de autodeterminação

    No décimo primeiro e final Ponto Ford volta a sua definição da auto deificação como um processo de soberania pessoal. A decisão de sairmos de onde estamos e começarmos um longo processo pelo nosso próprio desenvolvimento, em todas as instâncias, não pode partir de nenhuma força que não seja a nossa própria, internamente. Nós devemos ser os maiores e únicos interessados aqui. E devemos fazer isso por motivos verdadeiramente próprios. Afinal, a Via Sinistrae separa de nós tudo que é externo para que, desta forma, possamos conhecer profundamente quem verdadeiramente somos. Podendo então, nos dirigirmos sem distrações a luz da nossa Verdadeira Vontade.

    Até mais!

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    Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

    Quem são os Daemons?

    Fonte: Asmodeus, como ilustrado no livro Dictionnaire Infernal de Collin de Plancy – Edição e arquivo pessoais

    Quando, na Mão Esquerda, falamos sobre daemons, é um lugar comum que a primeira reação seja a do medo e da desconfiança. E não é de se estranhar, quando levamos em consideração que a nossa cultura foi e ainda é moldada pelo pensamento e pelo imaginário cristão. Toda ideação que formamos sobre esses seres é e sempre foi, em si, muito caricata. E falar sobre eles acaba sendo também falar sobre história, sobre como a nossa sociedade evolui certos conceitos, sobre o que ela perseguiu, o que ela renegou, e sobre uma miríade de povos que tiveram o olhar desvirtuado e colonizador europeu sobre suas crenças e sobre suas próprias figuras mitológicas.

    Pois, a classe de seres que hoje chamamos de daemons, provém de um rico caldo cultural formado pela religiosidade da Europa Ocidental que, em si, bebeu vastamente de elementos helênicos e romanos e se apropriou de muita coisa proveniente da cultura judaica e do antigo Oriente Médio num geral. De forma que aqui, neste texto, eu não tenho nenhuma pretensão de esgotar o tema, visto que isso seria inviável pela sua vastidão. Mas sim, de propor uma luz inicial.

    Como já citado em nosso texto sobre apadrinhamentos, que você pode ler aqui, é importante saber que a visão que temos na Esquerda sobre esses seres difere muito da visão cristã. Até mesmo por uma questão de conceitos iniciais. A palavra que usamos de forma tão comum, demônio, é uma variação em latim do termo grego daímôn, que era usada para se referir a seres semidivinos de natureza neutra, e não apenas maligna como podemos ser levados a crer.

    Estes seres eram complexos, multifacetados, e poderiam estar associados a natureza ou a certas facetas do temperamento humano, fazendo a ponte e a intermediação entre nós e o espiritual. Seu papel, na cultura grega, difere muito do papel dos demônios dentro do cristianismo. No entanto, foi o termo que foi apropriado para abrigar, dentro de si, uma infinidade de seres, espíritos e divindades de diversas culturas para que elas sofressem um processo que, hoje, chamamos de demonização. O processo de descaracterizar algo para o tornar ruim, negativo e pejorativo.

    A beleza da expressão religiosa de diversas culturas e grupos, com seus ricos costumes e práticas, foram completamente engolidos neste processo. Transformados em coisas que nunca foram inicialmente. Tirados de seus lugares e contextos para sofrer uma distorção vulgar e extremamente preconceituosa. Um processo que aconteceu por milhares de anos e, em muitas instâncias, ainda acontece. Fruto do mesmo velho medo de reconhecer o outro como humano, e não como um vilão maquiavélico, simplesmente por esse outro possuir crenças e costumes diferentes dos nossos.

    É nisso que vemos muitos dos 72 daemons da Goetia, por exemplo, serem versões deturpadas de divindades pagãs de diversas culturas muito antigas. Colocados como menores por pura rivalidade. Afinal, as forças que abençoam aqueles que vemos como nossos inimigos não seriam, elas mesmas, malignas a nós?

    A situação piora bastante se essas forças não são descritas, dentro de suas culturas, como apenas benignas mas sim como figuras complexas. Num pensamento dicotômico, onde as coisas devem ser apenas boas ou apenas más, existe pouco espaço para nuances. E assim o pensamento sobre muitos seres foi não apenas deteriorado como também simplificado até os tornar indistinguíveis do que originalmente eles eram.

    Sempre existiu riqueza e encantamento no mundo. Na maneira como nossa espécie lidou e traduziu as forças ao seu redor. Forças complexas, cheias de mistério e poder. Forças que eram encontradas tanto nas chuvas que vivificavam o solo quanto nas tempestades que o arrasavam. No movimento dos astros no céu e na força das marés. Nos desafios impostos pelos desertos e espaços áridos com seus predadores e nas bênçãos dos oásis e dos campos frutíferos. Uma complexidade que, ao longo da história, foi de pouco em pouco desvalorizada e saqueada. Mas que ainda está lá, nos meandros daquilo que deixamos para trás. E que pode ser recuperada através das mãos que se dispõe a esse trabalho. Dentro da Mão Esquerda, passando também por uma ressignificação. Onde não só nos dedicamos a pesquisar esses processos históricos mas também a olhar para esses seres sobre novas óticas, nos desfazendo dos medos e dos preconceitos que a eles foram adicionados. E nos permitindo sair da velha dicotomia para que uma visão mais complexa, com suas nuances e sua diversidade, possa voltar a tona onde é devida.

    Temos, dentro da demonologia, relações muito profundas, que afundam na história, de trocas culturais, sincretismo e disputas. As encontraremos, naquilo que herdamos, majoritariamente vindo das relações entre as culturas suméria, babilônica e judaicas. Assim como o peso dos processos europeus, com suas releituras, seus folclores regionais, suas idas e suas vindas. De forma que, para cada nome demoníaco que chegou até nós hoje em dia, podemos traçar as linhas históricas mais complexas e diversas imagináveis.

    Mas podemos, também, as estender a todas manifestações culturais e religiosas da humanidade. Onde sempre teremos, não importa em qual local ou época, seres que trazem e representam forças consideradas adversárias. Sendo assim vistas por estarem associadas a manifestações naturais agressivas a vida ou, pior ainda, a sociedade ao lado que rivaliza com a nossa. Afinal, o fator social sempre se entranha na figura do adversário, muitas vezes indivisivelmente. Colocando as figuras que representam os medos que sentimos do escuro muito próximas do medo que sentimos do outro. Do diferente. Do que não se encaixa. Do que questiona e trás consigo revoltas por isso.

    Tornando, assim, as figuras espirituais que trazem e representam essas questões seres extremamente intrincados e multifacetados. E que merecem assim tratados ser. Não como seres que são apenas isso ou apenas aquilo, mas sim como manifestações plurais e ricas daquilo que nos desafiou ao longo dos conflitos e da evolução de nossa história. Como chamas representantes do que a Corrente do Adversário realmente é. Aquilo que nos desafia, que nos testa, e que traz, através de seus dilemas, nossas oportunidades de aprendizagem e crescimento.

    Eles são todos os seres catalogados como antagonistas. Tanto por serem aqueles que trazem as forças contrárias da natureza, como Pazuzu, rei dos demônios do vento mesopotâmico, que trazia consigo a simbologia das estiagens e da fome proporcionada pelas estações secas, mas que também protegia mulheres grávidas e desviava daqueles que o chamassem a dor de diversas doenças que eram atribuídas a ação dos ventos provenientes do oeste, quanto aqueles que foram demonizados ao longo dos processos históricos que sofreram, como Baal, um dos principais deuses fenícios, que regia o clima, a fertilidade, a guerra e as tempestades, sendo um grande senhor dos céus.

    Pazuzu, em sua cultura original, sempre teve em si a conotação de ser uma força agressiva, capaz de destruição tanto quanto de conferir proteção, enquanto Baal foi colocado em uma posição cada vez mais antagônica politicamente através da história. Até termos, derivado dele, o Bael goetico, por exemplo. Hoje em dia, ambos representam forças demonizadas por nós. E, se interessar por eles, é aprender o caminho que eles traçaram junto aos povos pelos quais percorreram. E é lidar com as dificuldades, testes e desafios que eles trazem. Não só através das suas conotações originais, mas também do que eles adquiriram com o passar dos séculos. É aprender com as suas complexidades. Desatando os nós do intrincado novelo histórico ao qual eles foram atados. Os tirando de uma visão simplista de algo apenas maligno sem que, para isso, precisemos os colocar também como apenas benignos. Dando lugar novamente a uma composição e uma visão mais profunda e plural.

    Nisso, lidar com eles, assim como lidar com quaisquer figuras que integram a Corrente do Adversário, é uma tarefa que requer muito comprometimento e muita seriedade. Não só em estudo e pesquisa, que são sempre e constantemente necessários, mas em uma entrega a forças que transformarão quem somos em essência. Afinal, escolher dançar com demônios sempre é escolher dançar com as nossas próprias sombras. Tanto pessoais quanto coletivas. Em meio aos pálidos escombros formados pelos conflitos e pelas guerras que nossa espécie deixou e ainda deixa em sua jornada através deste universo.

    Até mais!

    Fonte e indicação de leitura: O dicionário dos Demônios de M. Belanger

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