Satanismo – Um breve resumo histórico

Fonte: Arquivo Pessoal

A primeira coisa que devemos entender sobre o Satanismo, como a vertente de Mão Esquerda que ele apresenta ser nos dias de hoje, é que ele é um fenômeno moderno construído a partir da obra de Anton Szandor LaVey, que fundou a Igreja de Satã (Church of Satan) em 30 de abril de 1966. De lá até o presente momento a semente de LaVey deu origem a dois grandes braços do Satanismo: o ateísta, onde a doutrina LaVeyana se encontra, e o teísta. Ambos possuindo seus adeptos e suas organizações.

O Satanismo LaVeyano, como já citado, se configura como uma religião ateísta, ou seja, que não possui em si a crença em nenhuma figura divina. Segundo as crenças LaVeyanas o adepto é o centro da sua própria vida e a figura de Satã é tida apenas como um símbolo inspirador ao invés de ser visto como uma entidade que existe de forma literal. Então, se você perguntar a um satanista LaVeyano se ele crê ou adora Satanás de alguma forma, ele provavelmente só irá rir de você. Sendo portadora de uma visão que foca mais em ser racional do que em ser mística, a doutrina de LaVey foca no aqui e no agora, encorajando o hedonismo com responsabilidade e a autopreservação de seus adeptos. A Bíblia Satânica, sendo o principal livro da doutrina, é visto sim como um texto fundamental. Porém, cada adepto pode ter suas próprias opiniões e interpretações sobre ele, já que o pensamento independente é muito mais encorajado do que a obediência cega.

Como LaVey em si era ateu, ele desencorajava profundamente que seus seguidores adorassem ou se relacionassem com Satã como uma divindade, vendo a crença em forças sobrenaturais como uma falta de racionalidade. Para ele, Satã devia apenas ser um símbolo de não conformidade, rebeldia e poder autônomo. Para ele não existia nada além do mundo físico, nem vida além da morte. Sendo o agora tudo que existe, ele defendia que deveríamos o aproveitar ao máximo, com responsabilidade e segurança.

Justamente pela posição marcada que LaVey tinha em relação a crença literal em Satã existe uma inesgotável rixa entre Satanistas LaVeyanos e Satanistas teístas que, por sua vez, são aqueles que de fato o adoram como um ser real, vivo e dinâmico. A Church of Satan, inclusive, alimenta abertamente a rixa tendo a postura de que os únicos ”satanistas de verdade” que existem são os seus membros (ou pelo menos aqueles que se alinham a linha LaVeyana). O que a mantém isolada do desenvolvimento que o Satanismo teve, em suas diversas vertentes, da época de LaVey até hoje.

A primeira divisão formada entre os ateístas e os teístas dentro do Satanismo foi a rebelião de Michael Aquino, ex-integrante de alto escalão da Church of Satan, que dela saiu para fundar o Temple of Set, em 1975, após diversas discordâncias entre ele e LaVey. Aquino levou consigo todos que estavam descontentes com a forma como LaVey se colocava e administrava a Church of Satan e, assim, o Temple of Set já iniciou suas atividades com um bom contingente de participantes. Agrupando todos que sentiam em si a necessidade de dar uma ênfase maior ao lado espiritual e ritualístico de suas crenças.

O Temple of Set foi o primeiro grupo a se distanciar e a criticar as ideias de LaVey propondo novos conceitos sobre como o Satanismo poderia ser para continuar a evoluir ao invés de se tornar um culto a personalidade que LaVey foi. A partir dele inúmeras outras visões, interpretações e grupos surgiram, trazendo mais diversidade e multiplicidade de opiniões ao Satanismo do que ele teria se tivesse ficado engessado debaixo da sombra da sua organização fundadora. O que fez com que ele se tornasse um movimento diversificado, plural, formado por indivíduos de prezam pela individualidade e pela independência acima de dogmas e regras.

Não existindo apenas um único Satanismo, cada satanista é singular em si mesmo. Com total liberdade para criar seu próprio caminho e suas próprias visões. A Bíblia Satânica é considerada um livro de importância histórica e fundamental para o movimento como um todo porém, novamente reforço, ele é mais tido como uma sugestão do que um dever. O estudo, inclusive sobre os processos históricos do Satanismo enquanto movimento espiritual moderno, é muito mais crucial se você se interessa nele do que seguir unicamente um livro ou a obra de um único autor. Inclusive, para entender como ele se divide politicamente. O ONA (Order of Nine Angles), por exemplo, é um grupo satanista conhecido pela sua ideologia abertamente neo-nazi. Então, se aprofunde na história do movimento para não cair, desavisado, em locais dominados pela extrema direita.

Mas satanistas não existem desde a Idade Média?

Da forma como existem hoje em dia, não. O que dá para afirmarmos com certeza é que a Igreja Católica, se tornando a instituição poderosa que ela se tornou entre os séculos V e XV, perseguiu, caluniou e fez o possível para exterminar tudo que dessoasse dela própria ou, em sua visão, ameaçasse o seu poder. Com isso, todos aqueles que recusaram se submeter a ela, ou fossem considerados desviantes por qualquer que fosse o motivo, eram demonizados como diabólicos.

Temos apenas um único caso documentado de uma Missa Negra que, na verdade, foi mais uma expressão de anticristianismo do que de satanismo como hoje o compreendemos. Ele foi feito no século XVII por Catherine Deshayes, conhecida popularmente como Madame Voisin, ou La Voisin. Ela foi uma das maiores figuras do Caso dos Venenos, que agitou a corte francesa entre 1670 e 1682, sendo condenada a morte e queimada em praça pública em Fevereiro de 1680.

Se você se interessa pelo período procure estudar como a Igreja não só criou mas moldou a figura do Diabo para perseguir seus opositores religiosos e políticos, bem como procure estudar sobre a própria história da bruxaria em geral. E no que refere a ela eu sempre indico os livros O Calibã e a Bruxa de Silvia Federici e História da Bruxaria de Jeffrey B. Russell e Brooks como excelentes pontos de partida.

Mas e os casos criminais que eu vejo envolvendo satanistas na mídia?

Aqui entramos não no terreno do satanismo em si, mas sim no terreno do pânico satânico. Tendo origem no termo pânico moral, que foi criado pelo sociólogo e criminologista britânico Stanley Cohen no livro Folk Devils and Moral Panic, aqui nos referimos, novamente, a como pessoas, figuras ou objetos podem ser usados, em campanhas de difamação, como a origem de todos os males de uma sociedade. O pânico satânico é um tipo específico de pânico moral criado a partir da crença, muito infundida pelo cristianismo desde a Idade Média, de que existem pessoas diabólicas que praticam todos os tipos de crimes possíveis em rituais grotescos em honra a uma figura que, para eles, seria em si o mal encarnado. Esse medo joga o ódio do público em cima de bodes expiatórios que são perseguidos e sacrificados no lugar de se discutir as desigualdades e carências sociais que realmente estão acontecendo. Ele é, essencialmente, uma ferramenta de manipulação em massa usado para causar medo e gerar inimigos fictícios para controlar as pessoas moralmente.

E não apenas a Igreja Católica mas diversas vertentes cristãs usam largamente o pânico satânico até hoje para assustar as pessoas, gerar ódio e preconceito contra aqueles que se desviam da norma, e garantir assim uma perseguição moral de tempos em tempos a tudo que tente sair do controle que eles querem exercer sobre a sociedade. O pânico satânico foi fortemente atiçado contra os jogos de RPG nos anos 80 nos Estados Unidos. E, aqui no Brasil, o anime Yu-Gi-Oh já foi muito perseguido dentro desta mesma lógica. Todos nós já ouvimos lendas sobre a Xuxa, sobre animações da Disney e sobre estrelas da música cheias de pactos, rituais macabros e medo. Assim como já vimos casos onde pessoas influenciáveis, em momentos vulneráveis psicologicamente, acreditaram demais nestes contos e cometeram sim crimes, sendo presos por eles e recebendo assistência médica que precisavam em seus estados.

O Satanismo em si, e a Mão Esquerda como um todo, são caminhos espirituais de desenvolvimento pessoal que não existem para ser a encarnação do medo moral que líderes cristãos usam para controlar e manipular seus fiéis. Estude constantemente, vá além do que te dizem, e questione sempre.

Até mais!

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