As Ordálias e a natureza do Caminho

Fonte – Arquivo pessoal

Se existe um ponto espinhoso na maior parte dos caminhos espirituais esse ponto são as ordálias. A concepção original do termo vem das antigas provas judiciárias onde a intervenção divina era usada para se determinar a culpa ou a inocência de um acusado. Este acusado poderia ser exposto a diversos tipos de tortura ou provas físicas, como andar sobre um caminho feito de carvões acesos em brasa, por exemplo, sendo considerado inocente caso saísse sem qualquer dano ou ferimentos. Com a intervenção divina também podendo ser atestada através de manifestações específicas da natureza durante o processo.

Seu uso, compreensivelmente, foi sendo deixado de lado com o passar tempo. Afinal, nele tínhamos a busca constante pelo milagre em situações onde ele não era de fato preciso. Tentar forçar compulsoriamente uma manifestação espiritual nunca foi e nem nunca será é a melhor forma para se decidir nada judicialmente.

Agora, deixando a parte forense e o que é de ordem mundana e prática de lado, o termo nunca de fato desapareceu do seu local mais apropriado, que é o religioso em si. Sendo usado também dentro do ocultismo para indicar as provações críticas aos quais seus adeptos são expostos ao longo de seus desenvolvimentos. Dentro das vertentes da Mão Direita a conotação de juízo divino se mantém praticamente como na concepção original. Não é o meio que testará o adepto, nem mesmo seus superiores ou professores, mas sim o componente divino. E, dentro dos caminhos da Mão Esquerda, esse componente tende a ser, naturalmente, infernal e adversarial. Sendo aqui que a nossa conversa, neste texto, realmente começa.

Temos as ordálias sendo mais abordadas dentro das Ordens, onde temos toda uma estrutura para nos ajudar a dar forma as nossas jornadas. Mas eu não poderia fazer um Guia sem falar delas, sem falar das provações do Caminho. Pois nem todo mundo tem as condições de se filiar a uma Ordem bem estruturada e responsável para aprender sobre elas em um ambiente seguro e regrado, tendo o auxílio necessário para as vencer e para aprender a como lidar com elas.

Nós nem sequer temos Ordens de Esquerda para isso em cenário nacional ainda, na verdade. A estrutura que temos, em cenário brasileiro, é muito mais ampla e bem desenvolvida em relação a Mão Direita do que em relação a Esquerda. Talvez um dia isso mude, mas agora, a maioria de nós é praticante solitário por sermos um meio que ainda tem muito o que desenvolver. A gente se vira com o que tem, faz o que pode, e se vira como dá. Então, que eu seja a figura que vai falar sobre.

Pois incrivelmente não foram as Ordens e as figuras sacerdotais que eu tive nos anos e anos em que eu estive na Mão Direita, com toda sua estrutura e com tudo aparentemente “certinho”, que me ensinaram a lidar com ordálias. Aqueles que realmente me ensinaram, me estruturaram e me auxiliaram em relação a elas foram justamente os infernais.

O Caminho Tortuoso

Por toda a minha jornada, meus passos sempre foram por trilhas mais escuras do que a das pessoas ao meu redor, nos meios dos quais eu participei. Todas as divindades e figuras espirituais que vieram até mim desde o começo sempre foram as ligadas a guerra e a morte. Desta forma, meu caminho sempre possuiu energias mais densas e provas mais secas do que as da maioria. E eu não recebia suporte no nível em que eu realmente precisava. Aliás, como novato, eu não tinha nem sequer parâmetros para discernir qual era o nível de suporte de que eu realmente precisava. Eu só fui perceber o quanto eu fui desamparado anos depois. Depois de ter minha vida totalmente destruída e não ter tido ninguém para me ensinar a como me reconstruir. E eu perdi literalmente tudo mesmo, eu cheguei em um nível em que nem onde morar eu tinha mais e se eu não tivesse amigos para me abrigar na sala deles enquanto tentava me virar eu teria ido pra rua e muito provavelmente jamais me recuperado. Não estaria nem aqui mais.

E isso aconteceu comigo fazendo tudo dentro de estruturas de Mão Direita. Enquanto todas minhas divindades me chamavam para adentrar a Mão Esquerda e eu aceitava apenas estudar sobre, usando uma ou outra coisa, mas nunca indo de fato para ela pelo tanto de propaganda negativa que eu ouvia e pelas vivências negativas que eu já estava tendo. Eu não queria sair de um caminho que já estava difícil para outro que todos diziam que iria ser pior ainda. Ninguém em sã consciência iria querer isso. Mas o tempo, e a sabedoria das figuras divinas que me guiaram, me fizeram virar a Esquerda (para valer, não mais apenas flertando com) no momento apropriado. Eu já estava mais velho, mais calejado, já sabia me orientar diante do caos, e em pouquíssimo tempo a tempestade que eu já esperava ao invés de me puxar para baixo me impulsionou para cima pela primeira vez em quase uma década. Foi ali que eu parei de me afogar e comecei a nadar.

Em primeiro lugar, isso se deu sim pela experiência que eu já tinha adquirido na marra sobre como estruturar o básico. E eu coloco esse básico aqui. Leve-o extremamente a sério. O Guia tem textos sobre como estudar, sobre como identificar discurso nazi e facho enquanto você procura por livros e fontes, sobre como identificar grupos abusivos e falsos mestres para não cair em armadilhas e sobre como organizar uma prática inicial com cuidado. É só acessar.

Em segundo lugar, isso também se deu porque, pela primeira vez, eu parei de negar minha própria natureza e aceitei ser envolvido por um Caminho que era de acordo com ela e não contra. Então, a partir disso, minha jornada passou a ser real e profundamente um exercício de amor, de cuidado e de respeito que eu expresso por mim mesmo. E esse é o ponto central que muitas pessoas perdem.

Ambas as Vias, dentro do ocultismo, são caminhos espirituais extremamente sérios de desenvolvimento e de aprimoramento pessoal. O foco, em ambas, é a lapidação interna de seus adeptos. E, enquanto isso já é mais bem compreendido em relação a Direita, as pessoas ainda enxergam a Esquerda através de um viés assustadoramente pejorativo. Como se ela fosse apenas um meio para se conquistar poder terreno e dar vazão as próprias perversões e maldades ao invés de ser um caminho de evolução real e legítimo. A percepção do senso comum ainda é de que é apenas na Mão Direita onde existe evolução e aprimoramento pessoal, sendo a Esquerda algo para se flertar apenas num viés utilitário. Para se ter dinheiro, para se conquistar o amor do outro, para se vingar e por aí vai. Mas ambas são Vias de evolução.

E nenhuma evolução, em ambos os lados, acontece sem esforço. Sem provações. Sem sacríficos. A lapidação acontece sempre através da dor e do fogo, independentemente da Via. Mudando apenas a direção para onde você está se orientando, como já foi colocado aqui.

E, em questão de natureza e de lapidação interna, existem pessoas para ambos os Caminhos. Existem pessoas cuja natureza e os objetivos são alinhados a Direita. E existem pessoas cuja natureza e os objetivos são os da Esquerda. Se existem diversos Caminhos, é porque também existe diversidade no universo e em nós e isso nunca foi e nem nunca será algo negativo em nenhum nível. Você só saberá qual caminho é o certo para você conhecendo a si mesmo. Nisto, estude. Estude muito. Estude de tudo. E teste, experimente, viva as coisas que você sentir que precisar viver. As respostas vão te encontrar se você estiver em movimento atrás delas, ao invés de ficar parado apenas gastando energia mental pensando sobre. Se você quiser um pouco de ajuda eu ofereço um exercício aqui, e um jogo oracular específico que você pode testar aqui também.

Só cuidado para não ficar, assim como eu fiquei, por anos e anos com a respostas sendo passadas insistentemente sobre onde era o meu verdadeiro lugar por todos que me guiavam mas receando ir por causa da pressão dos outros. Se falarem para você que não existe evolução na Esquerda, que os daemons só vão querer seu mal o tempo todo, e que figuras infernais só vão te afundar na vida mande tomar no cu sem cerimônia alguma.

Agora que já acertamos aqui que a Mão Esquerda é sim um caminho evolutivo sério e que provações e ordálias naturalmente fazem parte do processo dela assim como fazem parte da Direita também, vamos para a próxima parte.

A Chama Negra

Quando falamos que um Caminho evolui algo, ele evolui o quê, de que forma, e para qual finalidade?

Evoluir é mudar. É cruzar gradualmente o espaço entre um determinado estado para outro, diferente do primeiro. É se transformar. E, na Mão Esquerda, o que é evoluído vai para além da nossa alma, que é o nosso espírito presentemente encarnado, indo diretamente para o cerne do espírito, que é o grande mistério que existe sobre nós e permanece existindo para além de qualquer uma das nossas encarnações. Neste cerne é onde se encontra a substância dos nossos espíritos em sua fagulha mais pura, é onde temos a fonte e a natureza da nossa existência. E é nessa fagulha que comumente dizemos, em diversas vertentes da Mão Esquerda, que é onde reside a Chama Negra.

Ela é a ideia de que aqueles que verdadeiramente são da Mão Esquerda o são no cerne mais puro e profundo das suas existências e de que, se você separar o espírito de um de seus adeptos de seu corpo, tirando-o do plano físico, e o dissecasse, no seu núcleo o que o habitaria seria uma chama de puro fogo negro, parte da natureza do próprio Adversário. Como se essa chama fosse uma gota do oceano que a própria Corrente do Adversário é, sendo todos seus adeptos partes do que a constitui em sua totalidade. Nesta concepção, nascemos sendo, cada um de nós, partes do Adversário. Assim sendo impossível nos “tornamos” de Mão Esquerda, mas sim apenas nos lembrarmos de que já o somos. Nos reencontrarmos com a nossa própria natureza. Voltarmos para o lar, voltarmos a nós mesmos. A Chama Negra é a dádiva do Adversário dentro de cada um de nós, não podendo ser retirada visto que é a nossa própria essência, mas sim podendo ser continuamente aprimorada no processo que chamamos de auto deificação.

Onde nos desfazemos de tudo que não é realmente nosso e alinhado a nossa verdadeira essência para nos retificamos da forma mais pura o possível ao que realmente e legitimamente somos, exaltando e deixando florescer nosso mais autêntico potencial, nossa Verdadeira Vontade. A visão e a manifestação do que esse potencial é em todo seu esplendor é o que buscado, sendo o que também é chamado de Deus ou Daemon Pessoal.

Esta é a busca, a Grande Obra, o transformar dessa fagulha divina que habita em todos nós (e que na Mão Esquerda é sempre adversarial por essência) de apenas uma partícula de potencial bruto até o máximo que ela pode se tornar. Atingir o que é chamado de “conversação” com o Daemon Pessoal para que o adepto entre em contato com qual é o seu potencial e possa se orientar com clareza e discernimento até ele não é uma tarefa fácil, assim como na Mão Direita a conversação com o Santo Anjo Guardião também não o é. Especialmente para o manifestar em plenitude na consciência do praticante. Pois estas são manifestações do nosso eu superior já divinizado.

As Ordálias

Tendo em consideração que esta é a Obra, cada vertente dentro da Mão Esquerda vai a conduzir de uma forma. Existem métodos e trilhas que são próprias do Satanismo, outras que são próprias do Luciferianismo e por aí vai. Inclusive, boa parte das vertentes da nossa Via hoje em dia possuem métodos próprios de conduzir seus adeptos pelo caminho iniciatico das Qliphoth, que são muito usadas para essa transformação e alquimia interna pelo viés adversarial da Esquerda. Estando elas como a trilha mais drástica e violenta que possuímos tanto pela sua natureza quanto pelo próprio processo que elas desencadeiam. Afinal, quando falamos de processos de lapidação e evolução, o trabalho não é e nunca poderia ser feito para ser simples.

Principalmente aqui, principalmente na Via Sinistrae. Estamos na Corrente do Adversário, na jornada antinomiana. A fagulha divina que possuímos dentro de nós é adversarial, e a nossa evolução é para aprimorá-la. Para nos tornarmos a manifestação viva e pulsante do Adversário que realmente somos em toda sua plenitude. A Alquimia Negra na qual trabalhamos nunca teria outro gosto além do gosto do nosso próprio sangue pois forjar o nosso caminho para além da ordem e das leis do Universo não só possui seus desafios próprios como gera uma reação de força contrária que se coloca contra o adepto durante todo o seu processo.

Para entender isso, imagine que antes de iniciarmos nossas jornadas todos fazemos parte, de certa forma, do intrincado tecido que forma a substância do Universo. Ocupando espaço de uma determinada forma e em uma determinada posição dentro dele. Ao darmos nosso primeiro passo nos movimentamos, saímos do lugar, e saímos do lugar para nos colocarmos num papel de oposição, no papel do Adversário. Isso causa um desequilíbrio momentâneo neste tecido que procurará se harmonizar novamente e para isso se colocará contra o praticante, pois a solução de menor esforço é que simplesmente volte ao antigo local aquilo que lá estava antes. É desta movimentação que vem as primeiras ordálias, as primeiras provações da jornada.

Essas são geradas pelo desconforto criado pelo movimento em si. As circunstâncias ao seu redor tendem a tentar te puxar de volta, a te impedir de continuar. É o primeiro baque instantâneo que tem como intuito provar se a sua vontade de continuar realmente é firme o suficiente para que você trilhe a jornada. O primeiro teste sempre é relacionado a sua resistência, é onde você descobre a firmeza que existe ou não na sua decisão e no seu comprometimento ao caminho que você escolheu, seja ele qual for.

E, por experiência própria e pelo que eu acompanhei de outros praticantes ao longo dos anos, esse período geralmente se estende por todo primeiro ano da jornada. Algumas pessoas demoram menos, outras estendem mais, mas num geral o primeiro ano é onde temos esse embate de resistência. Até pelo fato de que esse é o tempo que precisamos para estruturar e realmente engatar em um novo Caminho.

A sensação que esse processo proporciona é a de que entramos em uma queda de braço não só com nós mesmos, com nossa razão e motivações, mas com a própria vida num geral. Todos os problemas que puderem surgir para atrapalhar e para gerar questionamento surgirem. Desde problemas pessoais como a perca de amigos, de relacionamentos e com o surgimento de problemas familiares até mesmo a problemas de ordem prática como a perca de um trabalho, ter que se mudar para outra cidade ou local, enfrentar preconceitos, escassez, privações até mesmo problemas de saúde. Tudo o que pode acontecer para gerar desistência, acontece. Tudo que pode acontecer para testar se é isso mesmo que queremos ou não, acontece.

Pois neste período não temos só o tempo para estudar, para testar coisas e para semear as nossas bases mas sim para o próprio Caminho nos testar, da mesma forma como o testamos. E ele testa a nossa própria natureza, para ver do que é feito o cerne daqueles que se apresentam. De forma que apenas aqueles que realmente se alinham ao Caminho conseguem seguir em frente. As transformações e provas deste início, desta forma, são decisivas. É onde aqueles que realmente possuem a Chama Negra a despertam dentro de si e vencem suas primeiras batalhas para seguir em frente, e onde quem não deve prosseguir é espantado para longe.

Depois desse primeiro período de triagem, toda a vida daqueles que conseguiram prosseguir já estará alinhada para que eles deem seguimento a suas Obras pessoais. E é neste momento onde as Ordálias passam a serem muito mais focadas, muito mais duras e muito mais específicas. É onde elas começam de verdade, por assim dizer. Pois é com a real inserção do adepto no Caminho, tendo conquistado seu direito de entrada e demostrado sua aptidão, que tudo realmente começa. E podem levar anos até que esse momento chegue, sendo o desenvolvimento da nossa Obra algo que durará pelo resto das nossas vidas. Então, nunca pense que a Mão Esquerda enquanto Via de evolução pode ser trilhada para se obter resultados e poder rápidos, pois ela não pode. Ela é o aprimoramento constante dos nossos espíritos na Corrente do Adversário, ela é um compromisso definitivo com aquilo somos e aspiramos ser em eterna progressão.

Somos tanto capacitados como testados pelos guias e pelos professores do nosso Caminho, que são figuras infernais e adversariais, para nos desfazermos de tudo que não reflete quem realmente somos em nossa jornada até a nossa Apoteose. As circunstâncias ao nosso redor, desta forma, sempre passarão a refletir nosso trabalho espiritual e a nossa Obra, para o bem e para o mal, até que toda a nossa vida seja a Obra em si. Em questão de processos espirituais ou falhamos em tudo ou somos bem sucedidos em tudo. O sucesso nos alavanca em todas as instâncias das nossas vidas, e as falhas nos destroem, nos apodrecem de dentro para fora até que consigamos as superar. Então, nunca pense em assumir para si uma trilha ao qual você não esteja disposto a se doar completamente, a se deixar transformar completamente. Pois este é o processo. Esteja nele por inteiro, ou não esteja.

Até mais!

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Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

A Mão Esquerda é para mim?

Fonte: Arquivo pessoal

Se você de alguma forma já se encontra nas margens da Corrente do Adversário mas ainda hesita, se perguntando se esse Caminho seria ou não adequado para você, talvez esse texto possa te ajudar. A resposta definitiva é algo que só você pode achar, e por si mesmo. Mas, se você se sentar um pouco aqui comigo, nossa conversa te fará sair com algumas respostas.

Em primeiro lugar, eu gostaria que você se imaginasse de pé nas margens de um grande rio. Um rio tão grande, tão vasto, que você mal consegue ver sua outra margem. Suas águas são escuras, gélidas, e uma neblina úmida cobre tudo ao seu redor. A atmosfera e a energia desse local são, num todo, bem soturnas. Imaginou? Agora, em um piscar de olhos, imagine que um espelho surge a sua frente. Pairando no ar, sem nenhum tipo de suporte ao se redor. E, quando você olha em sua superfície enegrecida, ao invés de ver o seu rosto refletido você vê uma chama flutuando em meio as trevas.

Olhando para essa chama, a única fonte de calor em toda paisagem, eu gostaria que você considerasse algumas coisas sobre o seu próprio coração.

Me diga, com sinceridade, em quais situações da sua vida você já foi mal visto por questionar demais? Você consegue revisitar na sua mente os momentos onde você não conseguiu, por mais que você até quisesse, simplesmente concordar calado sem que o incômodo tomasse conta e fosse mais forte que você?

A dissidência é a maior marca da Mão Esquerda. Você consegue a encontrar dentro de você quando as suas opiniões sempre divergem das do seu meio? Quando você não acata ordens sem as indagar antes? Em todas as vezes que você notou as contradições ao seu redor e as contestou? Quantas vezes você já bateu de frente com figuras de autoridade, mesmo sem perceber?

Aqui, isso será necessário. Pensar de forma independente e não ter medo de ser o único que contraria. Que não se conforma. Ao pensar nisso, a chama a sua frente cresce ou diminui?

Agora me diga, com sinceridade, o quanto você é capaz de agir sobre seus incômodos? Você é do tipo cujos lábios involuntariamente formam um sorrisinho quando sente algo te desafiando?

Ser alguém que tem a iniciativa e o peito de fazer por si mesmo ao invés de esperar a vontade ou a ajuda de outras pessoas é absurdamente vital por aqui. O Caminho só pode ser trilhado por quem é capaz de pegar o touro pelos chifres. Sem hesitação. Sem depender de outras pessoas para te validarem e te segurarem enquanto você toma a ação em suas próprias mãos. Ao pensar nisso, a chama a sua frente aumenta ou se enfraquece?

Me diga, com sinceridade, o quanto você se incomoda ou não com pessoas cujo caminho, opinião ou estilo de vida divergem dos seus? Você é capaz de compreender que, apesar das suas crenças, vivências e ideias serem importantes para você elas podem não serem para os outros? Por estas bandas não existe espaço para dogmatismo. Se você é capaz de pensar de forma independente, o outro também é. Diferenças não devem te incomodar.

Na verdade, você deve ser mais do que capaz de mudar de posição e de opinião caso novos pontos de vista forem apresentados a você. Com novas informações surgem novas ideias e nada deve ser inalterável. Ter medo de quem não se assemelha a você e de rever a si mesmo não é como as coisas fluem por aqui. Pensar nisso faz a chama diante de você crescer ou tremular insegura?

Me diga agora, com sinceridade, você consegue se responsabilizar por si mesmo? Ou seja, você é capaz de responder pelos seus próprios atos, agir por conta própria e cumprir com a sua palavra, sendo fiel as obrigações que são inerentes a você, e apenas a você, ou você sente que precisa de uma figura mais velha, mais experiente, e mais relevante que você para guiar os seus passos?

Aqui, a sua obrigação é se encarregar por si mesmo. Se algo der errado, o possuidor da culpa será você. E quem deve responder sobre esse erro e o consertar também. Você não deve estar aqui com a mentalidade de bater na porta dos outros quando as coisas estourarem na sua mão. O caminho é seu e não dos outros. Você faz, você responde, você assume, você conserta. De igual forma, seus louros são seus. Não do fulano, não do ciclano, não graças a não sei o que, são seus. É graças a você. Quem deve ser louvado é você. Pensar nisso faz a chama a sua frente crescer ou diminuir?

Falando nisso, me diga agora com sinceridade, você confia em si mesmo para se assumir dessa forma? Confia na sua própria capacidade de cuidar de si mesmo? De prover para si mesmo, em todos os níveis e sentidos?

A Mão Esquerda preza pela independência e auto regência. Você não vai encontrar um dos nossos vacilando na beira de uma estrada esperando alguém segurar sua mão para poder atravessar. O tempo gasto com qualquer insegurança pode facilmente ser gasto em busca do conhecimento e das ferramentas necessárias para a ação. Não sabe algo? Procura. Corre atrás. Dá seus pulos. Você não nasceu sabendo, mas os que sabem hoje em dia também não. Eles foram atrás também. E você é tão capaz quanto qualquer um deles, ou não é?

Se você me responder que é ainda mais capaz aqui, definitivamente a chama a sua frente dobrou de tamanho.

Agora, me diga com sinceridade, você é um bom estrategista? Estas bandas não são fáceis, você tem que ter discernimento. Analisar as situações ao seu redor, saber onde e como se posicionar e como coordenar os seus recursos se faz necessário em um meio como o nosso. Não se precipite. Saiba se planejar e seja uma pessoa meticulosa em suas ações. Andar com equilíbrio nos faz andar por mais tempo.

Agora, analise como a chama diante de você está. Ela diminuiu até quase se apagar ou se expandiu ao ponto de tomar o espelho todo? Se ela está quase se extinguindo, deixe que isso aconteça e saia da visualização. Não existe nada de errado com isso e absolutamente ninguém está aqui para julgar. Agora, se todo o espelho estiver em chamas diante de você, permita-me falar mais uma ou outra palavra nos seus ouvidos.

É importante que você tenha em consideração que a Mão Esquerda é uma Via antinomiana por natureza. O que significa que ela se coloca como um caminho que se opõe aos preceitos, normas, regras e leis estabelecidas pela cultura que a cerca. E esse papel é o seu papel adversarial por essência, como vemos aqui. Então, espere ser retirado da conformidade ao status quo e ser forçado a desconstrução para que, assim, você possa se reconstruir do zero. E esse processo é um processo de morte. Você morre para a sociedade onde antes você estava inserido e para si mesmo se tornando outra coisa, que ocupará outro espaço, que terá outra vida e outros valores completamente diferentes de antes. Principalmente pois os laços com as antigas limitações, vergonhas, ódios e medos pelo que se desvia da norma são cortados.

Aqui lidamos com tabus abertamente e isso irá necessariamente incluir os seus tabus. As coisas que para você são difíceis. As noções que você tem como invioláveis pois foram colocadas como sagradas para você desde o seu nascimento. Onde não se mexe, o que não se questiona. Os seus limites morais. Aquilo que te traz vergonha, constrangimento e a sensação de que, de alguma forma, você será punido se o fizer. O que você considera que é perigoso, que é impuro e que não deve ser feito. Tabus comuns de serem enfrentados por aqui são tabus referentes a sexualidade, o ir diretamente contra os dogmas e a moralidade religiosa de onde o adepto veio, o lidar com práticas tidas como controversas como o uso das maldições e a experimentação dos vícios e “pecados” que são tidos como motivos da queda e da perversão humana.

E todo esse processo que a Mão Esquerda naturalmente tem de propositalmente ir contra o que é tido como convencional acaba sim colocando seus praticantes em uma posição marginal e adversarial. O que é, a longo prazo, cansativo e solitário. Se você não é naturalmente acostumado a estar as margens, a receber olhares tortos e a ter pessoas se indispondo com você pode ser psicologicamente ainda mais custoso do que naturalmente já o é para você se meter por aqui. Sempre leve isso em consideração.

Pois, apesar de não ser um Caminho que prende ninguém a si (ninguém vai te impedir de ir embora se você realmente quiser ou precisar), você nunca vai voltar como chegou. Sua mentalidade não vai voltar a ser o que era antes de você se aventurar por essas veredas. Certas coisas irão se alterar em você e elas não terão um retorno. Por isso, eu nunca indico essa Via para quem acha que ela é só mais uma área dentre tantas outras ou para quem está perdido e quer testar algo novo só para ver o que acontece. As energias da Esquerda são disruptivas por natureza. A teste e ela te testará em dobro. Se você não naturalmente se alia a filosofia e as propostas desse espaço não entre nele.

Olhe para o espelho em chamas uma última vez. Agora, você consegue se ver refletido em sua superfície escura. Como você se enxerga? Qual potencial você está vendo em meio ao fogo? No que você se transforma? É algo que você deseja? Por qual motivo?

Conseguindo responder isso para si mesmo, dê o próximo passo.

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Existiria como “equilibrar” as Vias Esquerda e Direita?

Fonte: Arquivo pessoal

Se você é um adepto da Esquerda, seja pela vertente que for, você já deve ter visto pessoas levantando as sobrancelhas para você ao ouvirem sobre o seu caminho espiritual. Assim como também já deve ter escutado várias frases sobre equilíbrio. Como se, de alguma forma, a Esquerda fosse sempre algo muito extremo. Muito radical. E discursos sobre moderação, sobre trilhar um “caminho do meio”, e não achar que necessitamos de extremismos facilmente surgem.

São reações que se derivam tanto da falta de conhecimento como também da estranheza que naturalmente a Esquerda sempre provoca. E, como eu também já escutei muito que “não precisamos exagerar” sendo efetivamente de Esquerda, acho importante trazer isso para cá, para o Guia. Afinal, por qual motivo não daria para equilibrar ambas as Vias? Por qual motivo você só poderia trilhar uma delas por vez? Não teria um caminho do meio, uma alternativa mais equilibrada? Bom, vamos começar pelo básico de que:

Nenhuma pretensão de “mesclar” ambas as Vias gera equilíbrio.

A Via Dexterae e a Via Sinistrae já são caminhos equilibrados e completos em si mesmos. E sendo, por natureza, antagônicos em essência. Como já falamos aqui, em nosso texto sobre as definições iniciais. Você pode estar em equilíbrio em um ou estar em equilíbrio em outro.

E, para entender isso, eu gostaria que você pensasse nas Vias em termos de movimento. Imagine que você está no hall de um prédio e existem dois elevadores na sua frente. Um subindo e um descendo. Você conseguiria misturar ambas as direções para que o seu corpo chegasse com maior harmonia em algum lugar? Provavelmente não. Ou você opta por subir ou você opta por descer. O meio termo entre ambos é você não estar indo para nenhuma dessas direções e continuar parado onde você está.

O discurso de se criar de alguma forma um equilíbrio entre as Vias geralmente vem de meios onde não existe um embasamento real sobre a Esquerda. E essa falta de fundamento pode levar os erros do discurso propagado serem desde erros superficiais e mais bobos até a uma ignorância aberta mesmo, e isso sempre descamba para as Vias serem compreendidas como extremos do comportamento humano. Aí o equilíbrio seria você trilhar um caminho onde você ainda será uma pessoa boa (a parte da Direita, a Luz) mas também não sendo trouxa (a parte da Esquerda, a Sombra). Como se na Direita você só fizesse o bem e a caridade e na Esquerda fosse só vela preta, caixão e maldade.

Não é assim. Em ambas as Vias você se desenvolve enquanto pessoa de uma forma completa e harmônica. Você não precisa acrescentar bondade (a Direita) ao caminho da Esquerda porque a Esquerda não equivale a egoísmo e ego inflado. Assim como você não precisa acrescentar malícia (a Esquerda) ao caminho da Direita porque ele não presume em momento algum que você não se defenda e que você seja só bondade até as últimas consequências. Ambos os casos seriam você estar em desequilíbrio na sua própria Via, e não uma necessidade de um pouco da outra.

As Vias não são comportamentos. As Vias são movimento.

Quando você inicia um caminho espiritual você está iniciando uma movimentação do local onde você está no momento para alguma direção. Para alguma finalidade. E nisso, é fundamental que você tenha em mente que:

A finalidade da Mão Esquerda é a individualização e a finalidade da Mão Direita é a universalização.

“Ah, mas o que ambas essas coisas efetivamente seriam, afinal?” Vamos destrinchar!

Universalização

Começando pela Direita, cujo foco está na coletividade e na integração. temos o processo da universalização. E ele é, em si, o retornar ao princípio criador divino, Deus. O alcance da unidade indivisível entre o homem e Deus aqui é tido como o retorno, para a humanidade, do estado anterior a sua queda. Uma condição que é tida como perfeita e eterna.

Todos os caminhos que tenham como objetivo o retorno a um princípio divino do qual nos afastamos e que representa a perfeição de tudo que somos e podemos atingir é, em essência, um caminho pertencente a Direita. Pois, pela Direita, todo sofrimento humano é causado por essa cisão entre Deus, a fonte da Criação, e o homem. O reparando é que retornamos ao que somos em essência, limpos e redimidos de toda mácula causada pela separação.

Dentro do cristianismo, por exemplo, cultivamos esse retorno durante todas as nossas vidas no aperfeiçoamento das virtudes, em oposição aos vícios (pecado). O racional é elevado acima das nossas capacidades emocionais e o ascetismo e a procura pela pureza, negando o material, as paixões e o terreno em prol do lógico e moralmente elevado são tidos como meios para um fim, para que retornemos a união ao princípio divino, externo a nós, e que unifica em si próprio tudo que existe, Deus.

Afinal, as virtudes tidas como uma expressão da centelha divina dentro de nós, do divino que não perdemos, uma expressão do que deveríamos ser, podendo nos guiar até o nosso destino final que é retornar ao estado de perfeição e de graça. De união. Só nesse estado a humanidade progrediria na luz do que verdadeiramente é. Só nesse estado seríamos o que realmente somos e fomos feitos para ser, a imagem e semelhança de Deus. E sim, o processo muitas vezes pode ser tido como rígido, colocando sempre as aspirações do intelecto acima dos instintos e da nossa parte material e carnal, pois a Direita lida com a Ordem. Com a disciplina. E, com isso, traz o processo das leis, da lucidez, das figuras de poder (como o divino), da hierarquia bem definida e de tudo que faz a manutenção da vida em coletivo.

Por mais que existam, e sempre existiram, inúmeras divergências (e até mesmo guerras) entre os próprios cristãos sobre mandamentos, sobre regras e sobre costumes o objetivo final não se perde. Assim como em outros caminhos pertencentes a Direita, o objetivo é retornar ao divino. E esse divino, essencialmente, além de ser compreendido como fonte criadora, também é a imagem de uma perfeição a ser alcançada e nutrida dentro cada um de nós. Pois espelha a nossa natureza nunca perdida, nunca caída, nunca obscurecida.

E, apesar do cristianismo ser um exemplo fácil de caminho pertencente a Direita, existem muitos outros para fora de seus limites. Inclusive, a maior parte do desenvolvimento do Ocultismo, historicamente, sempre foi a Direita. Afinal, Direita e Esquerda são termos pertencentes ao Ocultismo ocidental. E eu me atrevo a dizer que você encontrará figuras muito mais rígidas e intransigentes em seus caminhos espirituais em meio a magos do que dentro das igrejas hoje em dia.

Sendo como for, na Direita a direção que tomamos é para a abdicarmos da nossa individualidade em prol de nos unirmos novamente ao divino, ao Todo, a fonte criadora, a Deus. Deixar o eu individual para trás (a morte do ego que muito é discutida dentro da Direita) é buscado como o meio pelo qual retornaremos a ser um com todo o Universo em sua harmonia. Essa união pode ser vista como uma vida em estado de graça e harmonia perfeita com a fonte criativa ou até mesmo a dissolução da nossa alma dentro desse princípio. Assim como uma gota de água se une ao mar, assim nossas almas se uniriam ao divino, não sendo mais uma em si mas se diluindo ao Todo.

Individualização

Em contrapartida direta a isso temos o caminho da Esquerda, que é externo ao coletivo e ao social, no processo da individualização. Se na Direita abdicamos da nossa individualidade em prol dos interesses do coletivo, o grupo acima do indivíduo, na Esquerda temos as críticas e a oposição a isso. Pois, quando formamos as regras de uma sociedade, essas regras sempre formarão também aqueles que serão marginalizados por elas. E, dentro de uma estrutura rígida, se não existir o embate e a crítica promovida por essas figuras deslocadas também não pode existir melhoria e progresso das sociedades em si. O papel adversarial é fundamental pois sem ele não existe questionamento, movimento e nem evolução.

A Esquerda traz tudo que é considerado tabu pelas normas sociais. Tendo em si uma postura indagadora, que desafia e bate de frente. Nela temos a resistência, o combate, os revolucionários em oposição aos reformistas. A destruição da ordem vigente.

Nela está o selvagem e o indomável pois nela está tudo que não pode ser contido ou controlado pela Ordem. Seja ela a humana ou até mesmo a divina. E, contendo o que está fora dos limites da Ordem, nela temos o caos, nossos medos, nossas fobias, o que nos paralisa, o que nos entorpece e também o que nos tira da nossa razão, nossas paixões, instintos e prazeres carnais. Enquanto na Direita o racional e o lógico é exaltado, tendo que ser cultivado e fortalecido para que o intelecto bem desenvolvido e treinado supere o instintivo bruto, na Esquerda nosso lado bestial é integrado ao invés de ser negado. Pois assim, ao invés de buscarmos nos religar ao divino negando a carne, negamos esse componente divino externo e universal para nos conectarmos a nós mesmos individualmente através da carne.

E essa é a diferença de intenção que precisamos ter em mente. Na Direita temos o desenvolvimento da disciplina, da razão e da virtude como um meio para a reintegração com o divino, que é externo e universal. E na Esquerda o desenvolvimento das nossas capacidades questionadoras e opositivas para nos reintegramos a nós mesmos, a nossa individualidade, aos nossos instintos e paixões para que pertençamos a nós mesmos ao invés de pertencer a algo externo ou ao coletivo. É se voltar para dentro e não para fora. Mesmo que, para que sejamos essa versão pura e natural de nós mesmos, precisemos abdicar de sermos integrados a sociedade e a Deus.

Por isso os bodes expiatórios e os grupos marginalizados estão sempre á Esquerda. Os inconformes, os que não se encaixam, seja por natureza ou por opção. Pois isso é assumir uma postura de negação e de resistência. É ir na direção oposta, fazendo o oposto e tendo a intenção oposta em mente. E, como essa postura é uma postura incômoda socialmente, ela vai causar estranhamento. Ela vai causar desconforto. Sendo isso parte do processo.

Existe uma ligação natural entre a Esquerda e figuras espirituais opositórias não porque elas sejam ligadas as sombras ou sejam trevosas e malignas mas sim porque são elas que compartilham da mesma postura de combate, de serem os questionadores, aqueles que viram as costas e se negam a obedecer e a se conformar, como já falamos sobre aqui. São eles que compartilham da mesma lógica de priorizar sua independência acima de tudo, a portando como uma coroa e também como uma arma. É porque essas figuras não se integram e se opõe a Ordem. É sobre soberania.

Na Esquerda a direção que tomamos é abdicarmos do coletivo em prol de nos unirmos a nós mesmos em essência. É o indivíduo se colocando acima dos interesses do grupo. Quebrando os tabus sociais, negando as expectativas, as normas, se afastando mesmo. Inclusive, e principalmente, quebrando as noções da Direita de hierarquia. E, com essa quebra, também vai abaixo a superioridade dos deuses e a visão de que só seremos bons nos desenvolvendo para nos tornarmos unos novamente com eles. Não existe reintegração de separação ou queda dentro da Esquerda. A Esquerda é disruptiva. Ela busca o rompimento e a destruição da Ordem e não a integração a ela.

A Esquerda rompe paradigmas, desfaz barreiras, muda conceitos e costumes, extrapola propositalmente limites colocados pelas normas sociais e demole velhos sistemas para dar lugar aos seus opostos. Ela não é reformista, tendo em em si a postura de só querer mudar algumas coisas mas preservar outras. Em oposição, é revolucionária. Com discurso e ideias combativas, não deixando pedra sobre pedra em seu caminho. É separativa. Causa cisão ao invés de integração.

E ela é tida como radical por causa disso, não por representar um pretenso mal enquanto a Direita representaria o bem. A dicotomia bem x mal pertence as visões e as filosofias da Direita. Onde a hierarquia muitas vezes precisa da mentalidade nós versus eles para se sustentar. Afinal, nenhum poder dentro de uma estrutura hierárquica gosta de ter a existência do seu posto questionada. É mais fácil colocar o questionador como maligno do que permitir seu questionamento e, em última instância, a dissolução do seu próprio poder. Perceba que não é sobre bondade versus maldade mas sim sobre bater de frente contra estruturas de poder. Sejam elas sociais ou espirituais.

E, por natureza, não existe como você estar de ambos os lados ao mesmo tempo. A favor e contra a estrutura simultaneamente. Isso seria em si uma dissonância cognitiva. Não faz sentido pensarmos em nos unir ao coletivo e a fonte criadora universal enquanto também nos separamos delas. Nem sequer em pensarmos fazer uma dessas coisas fazendo um pouquinho da outra conjuntamente para harmonizar. Não existiria nem sequer coerência ou fundamento nisso.

Ou estamos trabalhando, na nossa jornada espiritual, para nos submetermos e entrarmos em plena harmonia com a Ordem como meio de religar o nosso espírito a fonte criadora, retornando a ela e nos universalizando, perdendo a nossa individualidade em prol da nossa união com o Todo, ou estamos aprimorando a individualização do nosso espírito, focando na nossa liberdade e autonomia, nos separando da Ordem e da fonte criadora para seguir uma existência autônoma por nosso próprio direito e poder.

As Vias são sobre isso. Ou você estamos nos aprimorando para uma finalidade ou para a outra. Não tem como alguém se unir se separando, e nem se separar se unindo. Dessa forma, seguir um desses caminhos necessariamente torna impossível seguir o outro ao mesmo tempo. Saiba para qual finalidade você deseja se dirigir, qual é a Grande Obra que você quer realizar, e se dedique a ela.

Pontos de confusão

Dentro do nosso cenário nacional é relativamente fácil nos depararmos com os conceitos tanto da Mão Direita quanto da Mão Esquerda sendo confundidos, ou mal trabalhados. E é aí que precisamos ter em mente a nossa própria história e contexto cultural. Assim como o quanto que até pouco tempo atrás conhecimento sobre ambas as Vias não era algo acessível no nosso país. O Ocultismo aqui sempre foi um nicho muito pequeno que apenas certos círculos sociais possuíam acesso e contato. E a mudança desse cenário é recente demais. Demais mesmo.

Em relação as Vias, é de comum conhecimento que as suas definições e terminologias tiveram seu início no trabalho da escritora e ocultista russa Helena Blavatsky que, por sua vez, procurou se inspirar nas linhas do Tantra, Vama Marga e Dakshinachara, para criá-las a partir da sua própria visão. No entanto, a Mão Esquerda só despontou como o movimento que hoje é a partir da construção da obra de Anton Szandor LaVey, que fundou a Igreja de Satã (Church of Satan) em 30 de abril de 1966. Mesmo existindo estudos possíveis para levantarmos e discutirmos antes dele foi apenas ali, na gênese satânica, que a filosofia ganhou a vida que hoje conhecemos e entramos em contato. Foi a partir daquele ponto no tempo e espaço que todas as outras vertentes que possuímos, do luciferianismo até a demonolatria moderna, se desdobraram.

Sendo que apenas no ano da morte do próprio LaVey, 1997, tivemos pela primeira vez, pelas mãos de poucos pioneiros, o início das tentativas de trazer o Satanismo para as nossas terras. E, com ele, uma semente de ideia sobre a Mão Esquerda (para contextualizar melhor esse período introdutório em solo brasileiro e quem foram essas primeiras figuras, inclusive com suas posturas políticas extremamente criticáveis, indico o livro História do Satanismo de Morbitvs Vividvs).

Então, do pontapé inicial na década de 60 até o primeiro tímido aceno em cenário brasileiro na década de 90 muito foi produzido, debatido e construído a respeito da Via Sinistrae sem que tivéssemos qualquer tipo de acesso. Ainda engatinhávamos no nível mais básico das ideias de LaVey enquanto o cenário no exterior se desenvolvia a plenos pulmões no início dos anos 2000. Quem esteve nessa época teve que, como dizemos, “abrir caminho no meio do mato com facão”. 

Nenhum livro ou obra era traduzida e lançada de forma oficial no mercado brasileiro. As poucas editoras que publicavam materiais sobre ocultismo e esoterismo em nosso território estranhavam e não possuíam nenhum desejo de trazer nada relacionado a Esquerda para cá. Eram as pessoas que, de forma individual e autônoma, iam atrás de entrar em contato com as Ordens em outros países para buscar contato e possíveis filiações. Os livros tinham que ser importados ou pela própria pessoa ou por quem tinha contatos fora. Materiais na internet e pdfs então eram coisas que só iam começar a se desenvolver depois. Sem nenhuma real variedade, inclusive.

Até o presente momento a Bíblia Satânica nunca foi lançada oficialmente no nosso mercado. Títulos de Esquerda só começaram mesmo a ser lançados por aqui através da iniciativa ferrenha de pessoas do meio que iniciaram suas pequenas editoras independentes do final dos anos 2010 pro começo de 2020. De outra forma, nunca seria feito. Tudo o que possuímos oficialmente em nosso território veio desses anos para cá. É pouquíssimo tempo. As temáticas e os assuntos da Esquerda ainda não tiveram tempo e nem espaço para se desenvolver por aqui. Ainda engatinhamos.

Para se ter acesso a uma vasta diversidade de obras e autores de Esquerda ainda é necessário se ter no mínimo inglês como segunda língua para pegar materiais e obras de fora. O que temos ainda é, em termos gerais, introdutivo. E só o temos pela real paixão, convicção e resiliência dos nossos adeptos, que sempre deve ser celebrada e reconhecida. Pois nosso cenário ainda está em ativa construção. Ainda são poucos os nossos autores e poucas as vozes que estão ativamente trabalhando na construção de conhecimento sobre a Via por aqui. E, por isso mesmo, eu sou tão enfático em ensinar aqui no Guia sobre como estudar, como ir atrás e checar informações, como identificar pessoas e grupos que são realmente sérios e os que não são. Precisamos saber navegar esse meio com critério e discernimento.

Afinal, muitas são as pessoas que, justamente por este não ser um meio plenamente estabelecido e ser um assunto ainda muito novo para as pessoas daqui, espalham desinformações na cara dura sobre a Mão Esquerda e sobre suas vertentes levando muitas pessoas a acreditarem por não terem como checar essas informações com facilidade, nem terem ainda o costume de fazê-lo. Assim como, infelizmente, continua sendo comum você ouvir as maiores atrocidades em centros holísticos de Direita onde a galera parou no tempo nas ideias dos anos 80 e absolutamente ninguém sabe o que está falando quando tentam falar da Esquerda (mas adoram usar a fonte Águas de Lindóia para afirmar coisas que tiraram apenas de dentro das próprias cabeças).

Para entender a Esquerda, ouça e consuma conteúdo de quem realmente é de Esquerda com seriedade. Ouça satanistas, ouça luciferianos. E não quem está fora e é alheio a Via. Essas pessoas nunca terão boas definições ou um real conhecimento para passar fora dos seus achismos. Questione o tempo todo o que chega até você. O questionamento é parte intrínseca da Via Sinistrae. E estude. Estude muito. Estude sempre. Pois é isso que nos faz evoluir em nossos caminhos, é isso que nos dá clareza para separar o joio do trigo e é isso que nos proporciona um caminhar com real confiança e autonomia.

Recomendação de fonte e leitura para aprofundamento do tema: Lords of the Left-Hand Path: Forbidden Practices and Spiritual Heresies de Stephen E. Flowers.

Até mais!

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Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

Resenha – O livro de Lilith de Barbara Black Koltuv

Fonte: Arquivo pessoal

Na resenha de hoje nos afastamos um pouco da literatura ocultista e nos aproximamos da abordagem psicológica da Dr. Barbara Black Koltuv em sua obra O Livro de Lilith – O Resgate do Lado Sombrio do Feminino Universal.

Ficha Técnica

Autora: Barbara Black Koltuv

Editora: Cultrix

Idioma: Português e inglês

Páginas: 184

Ano: A primeira edição deste livro é de 1989 e a analisada nesta resenha é a segunda de 2017

Sinopse do livro

Lilith, a primeira Eva ou a mulher que tentou Adão é uma das formas do Eu feminino que personifica os aspectos negligenciados e rejeitados da Grande Deusa.

Este livro é uma fascinante antologia de contos mitológicos, antigos e modernos, interpretados pela autora, psicóloga e analista junguiana, que demonstra como e por que foram feitos tão grandes esforços para banir a figura de Lilith da consciência humana e por que, apesar desses esforços, estamos sentindo outra vez a sua ascensão, agora com novas interpretações e significados.

Resenha

É importante começarmos essa resenha deixando claro que O Livro de Lilith da Dr. Koltuv é muito mais um livro de psicologia do que de qualquer outra coisa. E, se você o pegar com qualquer outro tipo de expectativa, é bem provável que a sua experiência de leitura não saia exatamente como o previsto. Ela analisa sim, e bastante, a parte mitológica de Lilith, mas focando apenas no que se refere a cultura judaica e apenas como suporte para as suas análises dentro do seu campo de pesquisa. Se você não tem o costume ou nunca pegou esse tipo de literatura antes a sua experiência como leitor pode ser um pouco truncada no primeiro capítulo, fluindo um pouquinho só a mais somente nos seguintes. Tanto pelo estilo da escrita que você vai encontrar como pela própria proposta da obra mesmo.

Pontos Positivos

O maior ponto positivo que eu consigo destacar é a extensa pesquisa em mitologia judaica feita pela Dr. Koltuv. Como o foco dela esteve unicamente na Lilith presente no misticismo judaico ela traz boas fontes de pesquisa se você, como leitor, quiser ter esse foco também. Como o meu foco não se encontra na cultura judaica em nenhum momento da prática que eu construo, acaba não sendo tão útil assim para mim em particular. A passagem de Lilith pelo judaísmo e por seu misticismo é definitivamente parte da sua caminhada junto a humanidade e é importante conhecê-la até para sermos capazes de contextualizar corretamente o que ouvimos vindo da Kabbalah sobre ela. No entanto, não é o que a resume. Então, é bom termos conhecimento dessa parte, mas não é necessário acharmos que é tudo que existe. Vá com essa mentalidade e aproveite a bibliografia para suas pesquisas pessoais!

Pontos Negativos

É importante também destacar que as ideias da autora sobre o ressurgimento do feminino, tratadas no livro, tem muito das marcas e da carga que o discurso feminista tinha em meados dos anos 80/90. A Dr. Koltuv se formou em psicologia na Universidade Columbia em 1962 e suas especializações correram até a década de 80, sendo fácil localizarmos seus valores como pertencentes a mentalidade e a cultura da sua época. Sendo essa a “pegada” intelectual da obra. Em quesito de pesquisa mitológica, apesar de ter uma boa bibliografia, como já dito, o foco se constrói apenas na parte judaica, que acaba sendo usada unicamente como um totem da supressão feminina dentro de culturas patriarcais. O que é, ao meu ver, extremamente redutor.

Lilith não é, originalmente, uma figura mitológica judaica. Suas origens se estendem desde os épicos mesopotâmicos, como nos registros da Epopeia de Gilgamesh, para apenas depois ser incorporada pelo misticismo judaico. Sua posição como suposta primeira mulher de Adão é mais recente ainda, tendo tido início apenas no período medieval graças ao Alfabeto de Ben-Sira, que tinha conotações cômicas, como você pode ler aqui. E, ao meu ver, o foco excessivo na narrativa da primeira esposa de Adão que foi dado na literatura de inspiração feminista décadas atrás sobre Lilith foi o que aos poucos a descaracterizou completamente de um ser mitológico muito mais antigo e complexo para uma versão diluída e simplista de uma figura que teria uma agenda política e valores completamente anacrônicos a si mesma.

Não sendo eu um estudante de psicologia mas sim um praticante da Mão Esquerda, as minhas opiniões e a relação que eu construo com Lilith enquanto figura espiritual sempre acabam se distinguindo muito de quem a analisa apenas no âmbito do simbólico. Principalmente se esse âmbito faz um recorte tão seco na história para apenas focar no que quer. As análises de alguns pontos podem até ser, em algum nível, interessantes. Mas acaba faltando profundidade e complexidade em todos eles justamente pelo que a autora escolheu deixar de fora.

Acessibilidade: É um livro de fácil acesso num geral e, inclusive, bem baratinho. Se você realmente precisar, consegue achar por pdf também sem problemas.

Até mais!

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Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

A Demonolatria Moderna

Fonte: Acervo pessoal

Como define S. Connolly em seu The Complete Book of Demonolatry, pág. 17: “Demonolatria é uma religião do Eu. (O que significa que trabalhamos para melhorar a nós mesmos). Trata-se de descobrir o poder divino pessoal dentro cada um de nós, vivendo dentro do equilíbrio natural das energias que nos rodeiam (o Universo). Trata-se também de auto responsabilidade e paz interior. Os demônios, para alguns, são simplesmente pontos focais de uma única e pura energia. Para outros, são entidades reais com personalidades e consciências individuais.”

Quando falamos na Demonolatria Moderna falamos de uma religião nova, ampla, diversa e em pleno desenvolvimento onde o equilíbrio e o desenvolvimento pessoal são o grande foco. Nela, os Daemons são despidos de qualquer visão ou conotação cristã para retornarem aos seus postos originais como figuras pagãs cheias de complexidade e força.

O termo começou a ser usado tímida e clandestinamente em alguns meios nos Estados Unidos em meados de 1950/1960 até que, em 1998, oficialmente foi lançada a Guild of Demonolatry que, apesar de agora extinta, foi a responsável por aos poucos tirar prática do armário. Antes dela, muitos praticantes poderiam simplesmente referir a si mesmos como satanistas teístas ou seguidores de algum Daemon específico, sem entrar em muitos detalhes. Hoje em dia, com a proliferação de informações proporcionada pela internet e pelo trabalho de longa data de autores dedicados ao meio (como a S. Connolly!) a temos cada vez mais desenvolvida e bem definida.

Em suas bases temos a procura e a preocupação em se recuperar práticas e crenças que foram marginalizadas pelo cristianismo, além da prática e da comunhão ritual com figuras tidas como adversariais. O trabalho de Richard Dukante é bastante usado e citado, assim como princípios do Hermetismo e do Ocultismo Ocidental são muito usados nas fundações da parte prática.

Nela, não temos as noções de Céu e nem de Inferno como concebidas pelo cristianismo. Alguns praticantes acreditam em reencarnação, outros não. Sendo algo pessoal dentro da visão e da experiência de cada um. Num geral, a ciência é usada e levada em consideração. Principalmente no que se refere a responder sobre de onde viemos e como nosso universo veio a existir e evoluiu.

Adorar Satã é o ponto focal da Demonolatria Moderna?

Não. Dentro da demonolatria Satã geralmente é visto como o Quinto Elemento, ou seja, a fonte e a personificação de todas as outras energias. O temos na materialidade física do mundo ao nosso redor (a Natureza) assim como em nossos próprios instintos e verdadeira essência. Sendo uma das maiores expressões da Corrente do Adversário e um símbolo do Todo, o respeito a ele não inclui uma adoração a ele unicamente voltada. A maioria dos demonólatras foca sua prática pessoal não nele mas sim no seu patrono ou matrona principal, como já falamos aqui.

Por quê Demonólatras e não Satanistas?

Demonólatras não se consideram pertencentes a tradição satânica de Anton LaVey, e nem de suas derivações. Alguns podem adotar a parte filosófica do satanismo para si, mas como uma escolha pessoal e não como algo que faz parte da demonolatria em si. Satanistas Teístas são os que mais podem se aproximar da demonolatria em princípio e prática, mas sempre depende de como cada indivíduo desenvolve a sua práxis. Mesmo dentro da corrente Teísta muitos satanistas ainda tem um certo receio em se afirmar como demonólatras de fato e preferem não reivindicar essa ligação entre as vertentes. Como movimentos que surgiram e cresceram separadamente, apesar de suas intersecções, devemos sempre respeitar a maneira como cada praticante se coloca e as particularidades de cada um dos caminhos separadamente.

Existem rituais de sacrifício dentro da Demonolatria Moderna?

Não. O sacrifício de qualquer animal ou pessoa não é praticado dentro da demonolatria. Muito justamente para se evitar e se distanciar de estereótipos negativos que ainda pesam em cima daqueles que se apresentam como demonólatras. O que não significa que não exista espaço para a prática de blood magic. Mas nela, obviamente, o praticante usa apenas do seu próprio sangue e não do de terceiros.

O que é ofertado então?

Quando nos relacionamos positivamente com os Daemons uma troca de vitalidade e força é beneficamente criada entre ambas as partes. Para além das ofertas materiais que podem ser feitas, a troca energética que ocorre através da convivência é o maior ponto de enriquecimento entre um Daemon e o seu praticante. É através dessa troca que crescemos em nosso caminho, evoluímos e nos desenvolvemos. Aqui o foco não está na ideia caricata da venda de uma alma ou de se ser nocivo a si mesmo ou a outros mas sim no crescimento e no fortalecimento do praticante perante aqueles com os quais ele espiritualmente se relaciona e se entrega.

Mão Esquerda ou Direita

O termo demonolatria, por si, significa adoração aos Daemons. E, quando falamos em adoração, é geralmente a imagem de subserviência a uma força externa que nos vem a cabeça. No entanto, o termo aqui é sempre empregado no contexto em que o temos na Mão Esquerda. Significando que a prática pessoal dos demonólatras é voltada aos Daemons como manifestações da Corrente do Adversário e que seu culto os tem como forças centrais no auxílio do seu próprio desenvolvimento pessoal e não como divindades que estão acima dos seus praticantes.

Lembre-se sempre que na Mão Esquerda não colocamos o divino como estando acima de nós mas ao nosso lado enquanto nos desenvolvemos conjuntamente a ele. Nesta visão, o divino não está separado de nós para que o alcancemos fora mas sim está dentro de cada um de nós. E o desenvolvimento desta centelha divina interna é o foco principal.

Todos somos uma parte do Todo, por isso, não estamos abaixo das figuras espirituais com as quais nos relacionamos, apenas experimentamos um tipo diferente de estado de existência estando no momento dentro de nossos corpos mortais.

Como diz S. Connolly em The Complete Book of Demonolatry, pag. 27:

“Autoconhecimento, auto responsabilidade e auto adoração são partes
da Demonolatria, assim como a busca pelo conhecimento e a prática da adoração aos Demônios. Não nos humilhamos diante dos Demônios como seres indignos que
dependem da ajuda deles para tudo. Eles não nos controlam. Nós controlamos a
nós mesmos. Trabalhamos com os Demônios e os honramos para descobrir nossos verdadeiros
potenciais como seres imperfeitos, mas divinos, ligados a um plano físico de
existência. Ao honrá-los e adorá-los, estamos honrando e
adorando a nós mesmos porque eles são parte de nós, assim como nós somos parte deles.
Todas as coisas são divinas. Não perdemos nosso tempo tentando olhar dentro dos
olhos dos nossos deuses. Em vez disso, trabalhamos para olhar através dos olhos de nossos
Deuses. Basicamente, somos todos a manifestação física do divino. Definimos adoração como reverência e respeito, manter algo em alta conta.”

Então, se você ver alguém achando que ser um demonólatra é se ajoelhar diante de Satã e dos Daemons como superiores, saiba que essa pessoa só está desinformada e se levando pelos estereótipos que aqueles que não fazem parte da religião podem ter sobre ela. Afinal, na Demonolatria Moderna não existe a visão de que estamos abaixo e a mercê dos Daemons mas sim a de que eles são forças que seus praticantes respeitam, confiam e se relacionam em harmonia.

Fontes e leituras recomendadas: Demonolatria Moderna e The Complete Book of Demonolatry de S. Connolly.

Até mais!

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Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

Resenha – Demonolatria Moderna de S. Connolly

Fonte: Arquivo pessoal

A resenha de hoje será sobre um pequeno e precioso livrinho, perfeito para todos aqueles que possuem daemons como figuras importantes de suas jornadas espirituais: o Demonolatria Moderna de S. Connolly!

Ficha Técnica

Autora: S. Connoly

Editora: DB Publishing nos EUA e Via Sestra em terras brasileiras

Idioma: Inglês e Português

Páginas: 98 na versão em inglês e 152 na versão em português

Ano: Originalmente de 2005, trazido ao Brasil em 2019

Resenha

Como um dos seus mini guias sobre o tema, gratuitos no site oficial demonolatry.org, Demonolatria Moderna resume para iniciantes vários conceitos e práticas da demonolatria como exposta por S. Connolly. Direto ao ponto, ele traz respostas para as principais dúvidas que podemos ter e nos dá também uma base prática funcional e descomplicada. Muito dos pontos dele foram aproveitados e inseridos no The Complete Book of Demonolatry um ano depois, em 2006, onde ela aprofunda e expande os temas iniciados em obras anteriores.

Pontos Positivos

Para quem tem curiosidade sobre a área da demonolatria e não sabe por onde começar, temos aqui uma boa pedida. Sendo curtinho, sua leitura é fácil e fluida. Facilmente pode ser lido em poucas horas e já nos faz colocar a mão na massa. Temos definições simples e assertivas, listas úteis de correspondências e nomes, algumas histórias e análises, sobre covens e seitas, sobre práticas solitárias, rituais básicos, ferramentas, altares, trabalhos positivos e negativos, sigilos, orações e devocionais, algumas receitas bem interessantes de óleos para os principais daemons e muito mais!

Pontos Negativos

Os pontos negativos que você encontrará neste mini guia são os que você irá encontrar na maior parte do trabalho de S. Connolly num geral: uma parte histórica não muito bem trabalhada. Ela passa com muita superficialidade em vários assuntos onde poderia ter tido mais cuidado, erra abertamente outros e alguns pontos simplesmente não são facilmente verificáveis. O que faz com que você precise, como leitor, fazer sua própria pesquisa para não incorrer em erros. Na parte das receitas, tome cuidado naquelas que envolvem terceiros. Lembre-se que enviar certas coisas pelos Correios para alguém pode incorrer como ameaça supersticiosa, que se enquadra no artigo 147 do nosso Código Penal como crime, podendo incluir ainda outros artigos dependendo do caso.

Outro ponto pelo qual ela é criticada, com razão, é colocar muitas divindades em suas listas de daemons que simplesmente não deveriam estar ali só pelo fato delas terem aspectos destrutivos ou ligados ao submundo, o que é extremamente inadequado da parte dela (para dizer o mínimo). Então, leia sempre com discernimento.

Acessibilidade: A versão em português da Via Sestra já não é mais publicada pela editora mas, como aqui já descrito, você pode baixar o PDF em inglês gratuitamente aqui. A página conta com vários outros PDFs muito interessantes e inclusivos então vale a pena a visita! E, se algum link não estiver funcionando, é só dar uma boa pesquisa que você acha. Afinal, eles foram feitos para serem acessíveis ao público.

Até mais!

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Quem é Lilith

Fonte: Arquivo pessoal

Lilith é uma figura complexa. Sendo interpretada tanto quanto como deusa quanto como demônio, suas origens vem até nós desde as antigas Suméria e Mesopotâmia, passando pelas tradições judaicas e islâmicas, até o ocultismo ocidental e seus grimórios. Hoje a temos em diversas interpretações tanto dentro do paganismo e da bruxaria quanto também dentro da Mão Esquerda.

Um pouquinho de história

A primeira referência que temos a ela, até o momento, surge na Epopeia de Gilgamesh, um antigo poema épico mesopotâmico constituído por doze placas de escrita cuneiforme. Sendo uma das primeiras obras conhecidas da literatura humana, escrito por volta de 2700 a.C. (Para você ter uma ideia, os próprios poemas homéricos surgem cerca de 1500 anos depois dela). Em sua narrativa mitológica temos a seguinte passagem na Tábua XII:

“Os anos passaram, a árvore amadureceu e cresceu. Mas Inanna era incapaz de cortá-la. Pois, em sua base, a cobra que ‘não se deixa encantar’ construíra um ninho. Na copa, o pássaro Zu – criatura mitológica que as vezes criava encrencas – deixara os filhotes. E, no meio, Lilith, a donzela da desolação, construíra sua casa. E, assim, a pobre Inanna, donzela de bom coração e perene alegria derramou lágrimas amargas. Ao amanhecer, seu irmão, o deus-sol Utu, despertou de seu sono e ela lhe contou, em prantos, tudo o que acontecera com sua árvore huluppu.”

O nome Lilith aqui derivando da palavra Lilitu, que denotava uma classe demoníaca e noturna de espíritos femininos relacionados ao vento. Sendo Lilith tanto uma figura própria como também parte dessa classe associada aos desertos, locais ermos e as tempestades. Sua iconografia, tanto dentro do que temos da cultura Suméria quanto da cultura Mesopotâmica, muitas vezes se associa e se confunde com as iconografias das deusas irmãs Inanna e Ereshkigal, sendo ela sempre associada a feitiçaria, aos ventos, as fortes tempestades, a sexualidade e ao submundo.

Sua assimilação dentro do misticismo judaico se deu muito tempo depois, sendo mencionada no Talmude hebraico do exílio da Babilônia. Nele, as Lilitu (indo para o plural hebraico, Liloth) continuaram se configurando como uma categoria de seres demoníacos, mas assumindo então as características predatórias contra crianças do qual mais facilmente ouvimos. Incluindo as conotações vampíricas e sexuais das súcubos e dos íncubos. Sua posição como pretensa primeira mulher de Adão, no entanto, só se firmou de fato no folclore popular hebreu no período medieval, onde temos a publicação do lúdico Alfabeto de Ben-Sira. E ele é o único local onde teremos essa narrativa. Sendo neste mesmo período medieval onde a temos inserida na Kabbalah como esposa de Samael. Lembrando que a Kabbalah é um sistema de misticismo judaico que se configurou apenas no século XII, na Espanha, propagado largamente por judeus sefarditas, tendo se espalhado com facilidade através das diásporas.

Para sua presença ir da Kabbalah judaica para a Cabala cristã, também se infiltrando no ocultismo medieval e em seus grimórios, foi um pulo só. E, a cada uma dessas passagens do original mesopotâmico e sumério até o medievo, novas camadas a ela foram adicionadas. De um demônio associado a natureza indomável e aos ventos a temos metamorfoseada em diversas facetas. Por isso falar dela é sempre tão complexo. Em seu caminho através da nossa história ela adquiriu uma multiplicidade que poucas outras figuras conseguiriam adquirir.

Mas, como nosso foco aqui no Guia é a Mão Esquerda em si, são seus significados dentro dela que eu irei explorar neste artigo inicial. Principalmente sob a luz do luciferianismo, que é a minha vertente pessoal. E onde a teremos, assim como na Via Sinistrae como um todo, como uma das principais facetas femininas do Adversário.

No Luciferianismo

O Selo da União Infernal – Fonte: A Bíblia do Adversário de Michael W. Ford

Perante a filosofia Luciferiana o Adversário não se configura como um único ser mas sim com uma corrente de força atemporal e acasual que flui e se manifesta por todo o nosso universo como os impulsos motivadores, inspiradores, desafiadores, destruidores e criativos tanto dentro da natureza como também do ser humano. Ele é a manifestação da pulsão da transformação. O incômodo que nos agita, o grito dentro de nossas gargantas, as adversidades que nos refinam e a revolta que nos faz lutar contra o que nos limita e desafia. O Adversário é o arrepio em nossa nuca, é a resposta violenta do oprimido contra as estruturas que o sentenciam, é a nossa gana de viver. Assim como ele também é a natureza selvagem e indomável que desafia a sobrevivência humana. O brilho no olhar de um predador antes de ceifar sua presa e o veneno mortífero são faces de sua força tanto quanto os tornados, os desertos e o medo mudo que sentimos contra o que certamente pode nos destruir.

E cada cultura, ao longo da história humana, procurou representar essa força de diversas maneiras. Temos essas representações nos antagonistas de cada mitologia, tanto como divindades quanto como figuras mitológicas e folclóricas que representavam forças naturais hostis, perigos, medos e tabus sociais. E, com os processos de dominação cristã, diversas dessas figuras ganharam conotações ainda mais sinistras, junto com a demonização de todas as culturas que o cristianismo procurou sufocar e controlar. Criando-se, assim, tanto a classe que hoje chamamos de Daemons como também a figura do Diabo, o repositório simbólico de todo medo e ódio com o qual o cristianismo adoeceu a consciência humana ao longo de sua existência e que não tem comparativos em qualquer outra cultura.

Se tornando ele tanto a sombra amedrontadora que é usada para exercer o controle sobre as massas quanto, ao mesmo tempo, o instigador e libertador daqueles que se colocaram como resistência.

A complexidade da força que o Adversário é, perante o Caminho Luciferiano, se integra no símbolo do Selo da União Infernal. Onde, para unir todas as facetas e manifestações do Adversário que existem dentro de nós mesmos, é necessário conhecer e integrar a nossa própria complexidade. O feminino e o masculino, o consciente e o inconsciente, a luz e a sombra que habitam dentro do nosso ser. E essa integração é demonstrada na fórmula de Leviatã, Samael e Lilith unidos. Leviatã, as pulsões e o poder dos mares profundos do inconsciente, formando a Ouroboros em volta de Samael, o princípio masculino, e Lilith, o princípio feminino do Adversário. Assim como diz Michael W. Ford em sua Bíblia do Adversário, p.207:

“O pentagrama invertido, um símbolo do anjo caído que traz sabedoria para a humanidade, também significa os cinco elementos e demônios de Ahriman. As letras hebraicas ao redor do círculo significam Leviatã, a serpente, representando a escuridão e o abismo (ou seja, o subconsciente) . Samael e Lilith são o fator equilibrado de duas manifestações da Corrente Adversária na humanidade. O Masculino Daemônico ou matéria, Lilith sendo o Daemônico Feminino ou o fogo instintivo. Juntos, eles representam o domínio da vontade. A cabeça de bode é Baphomet, ou Cabeça Negra da Sabedoria (abufihamat), a Besta, Caim, o Filho de Samael e Lilith.

Quando você combina Leviatã, Samael e Lilith para gerar Caim ou Baphomet, este é um símbolo poderoso da Maestria do Luciferiano no Mundo Carnal e Espiritual, o acima e abaixo, a escuridão e a luz.”

Nenhum luciferiano pode dizer que está cultivando poder e maestria em si mesmo e no mundo desenvolvendo apenas as próprias trevas ou apenas a própria luz, apenas o masculino ou apenas o feminino. Ambos precisam ser integrados e aperfeiçoados em uníssono pois é no equilíbrio que a chave do verdadeiro poderio repousa. Sendo Lilith, aqui, não apenas uma figura secundária ou a consorte da figura masculina que detém o verdadeiro destaque, mas o puro fogo instintivo sem o qual jamais podemos acender a Chama Negra dentro de nós mesmos. Ela e Samael representam duas faces da mesma força, em igual importância, e nada sem ela pode ser feito ou alcançado.

E por qual motivo Lilith?

Diversos são os nomes que possuem destaque como representações da face masculina da força adversarial entre as vertentes da Mão Esquerda. Satanás, Lúcifer, Samael e Azazel, junto com muitos outros, são sempre citados como manifestações da energia masculina da Corrente. Porém, entre os nomes femininos, Lilith se destaca muitas vezes quase que solitariamente para representar a manifestação feminina. E, para realmente compreendermos seu destaque, temos que adentrar em suas sombras e compreender de fato o motivo pelo qual ela é o que é.

Desde que foi assimilada pelas culturas judaica e islâmica, até o período medieval, um aspecto dela recebeu mais desenvolvimento do que qualquer outro: o aspecto do feminino impiedoso. Ela foi a figura que, culturalmente, mais recebeu a carga dos medos masculinos a respeito do feminino por onde passou. Virando a própria manifestação viva e pulsante de tudo que mais os apavorava e que as mulheres deviam evitar ser a qualquer custo, inclusive, ao custo das suas próprias vidas.

De uma figura que representava os desertos e as tempestades ela evoluiu para o emblema da mulher que não centra o masculino em nenhum nível de sua existência. Não se colocando no posto materno e nem no posto de figura acolhedora. Indo na direção oposta, ela é retratada como aquela que rejeita. Rejeita os desejos masculinos, rejeita a concepção da sua semente, rejeita os papéis que a ela são oferecidos. E rejeita ao ponto de preferir viver no deserto, ao lado de demônios, e se tornar uma figura permanentemente amaldiçoada do que aceitar todo o conforto do paraíso se para isso ela tiver que aceitar esse desejo masculino por um só momento que o for.

E, por ser aquela que rejeita, ela se torna aquela que recebe tanto o ódio quanto o medo e o desejo cada vez mais intensos das culturas pelas quais ela passou. Suas representações contém tanto uma sexualização extrema, fruto do desejo masculino perante aquilo que lhe impõe um desafio, quanto aspectos monstruosos como uma vagina dentada, representando o medo da castração imposto por aquela que nega os desejos que a ela são direcionados. Lilith usa sua sexualidade como quer, com quem quer e da forma que quer, não permitindo que essa sua camada seja dominada. Ela se nega a interpretar o papel do feminino gerador e receptivo que temos de forma tão idolatrada dentro da Mão Direita. Ela corta o cordão umbilical, ela é uma estranguladora, ela vampiriza e usa os homens sem por eles sentir qualquer tipo de afeto ou conexão. E essa rejeição, essa frieza, doem profundamente.

Como disse Margaret Atwood: “Homens têm medo que as mulheres riam deles. Mulheres têm medo que os homens as matem.” E Lilith sempre representou algo muito mais gélido do que a zombaria, ela representou a indiferença. Uma indiferença que, na ausência de qualquer empatia, a torna cruel. A torna a megera insensível e implacável. A carrasca.

A posição mais adversarial em que o feminino pode se colocar perante o masculino sempre foi a de não se importar com ele. Com seus desejos, com seu conforto e bem estar. Até mesmo com sua mera sobrevivência. Nisto, com os séculos da sua ativa demonização, Lilith nos abre seus braços pálidos e frios. Como a representação adversarial feminina perfeita, ela só se coloca ao lado daqueles que carregam consigo a sua mesma essência indomável e opositória. Representando um único e constante desafio ao masculino: o de se aprender a conviver sem reter protagonismo.

Um desafio que até os dias de hoje muitos homens dentro do ocultismo e do próprio luciferianismo não conseguem transpor. A figura cruel e sangrenta de Lilith ainda estremece Mestres e Sacerdotes que, na mínima visão de uma mulher que não se coloca como eles acham que ela deveria, já começam com seus discursos alarmantes sobre a influência e a possessão da maligna Lilith, a Diaba. O pesadelo que os faz suar frio mas os mantém acordados de noite. A quem eles desprezam por se sentirem desprezados em primeiro lugar.

Homens poderiam se aproximar dela?

Pelo seu contexto histórico, uma das dúvidas mais comuns que eu recebo em relação a Lilith é se ela seria uma figura que permite ou não que homens entrem em contato com ela. Eu não posso falar em nome de todas as culturas e vertentes que a incluem, apenas no que diz o luciferianismo, já que ele é onde eu me insiro. E, da parte dele, como já foi expresso anteriormente, não existe lugar onde podemos chegar sem a sua presença. Ambas polaridades do Adversário devem ser trabalhadas por todos luciferianos. Então, confronte seus medos e se dê a chance de evoluir.

Deusa ou Demônio

Outro ponto de grande discussão seria se ela se configuraria apenas como um demônio ou se seria, de fato, uma deusa. Um debate que, pelo menos dentro da Mão Esquerda e dentro do luciferianismo, não chega a sequer fazer sentido. Pois, para nós, uma coisa jamais anularia a outra.

Daemons são, perante a Via Sinistrae, manifestações do Adversário. A eles nos aliamos, ao lado deles andamos, e por seus caminhos nos desenvolvemos rumo a nossa própria Apoteose. Figuras como Lilith, pelo seu peso e influência, são referenciadas como divinas. Mas não no divino como ele é compreendido tradicionalmente pela Mão Direita e sim pelo que muito tem se chamado de Infernal Divine, o Divino Infernal. Eles se levantam como nossos deuses e nossas deusas sem que para isso eles precisem deixar de serem as forças selvagens e brutas que eles naturalmente são.

A maneira pelo qual nos relacionamos com eles também se destaca, sendo parte da distinção natural entre as abordagens da Mão Direita e da Mão Esquerda na maneira pela qual o componente humano busca se conectar com o que é divino. Se na Direita a posição natural é a servil, com o dobrar de nossos joelhos, na Esquerda permanecemos em pé, com a cabeça erguida, nos colocando ao lado e nunca abaixo, como eu já falei aqui, aqui e aqui.

Experiências Pessoais

Lilith foi, e ainda é, uma das figuras mais mutáveis e intrincadas com as quais eu já cruzei em todos meus anos de caminhada espiritual. Foi ela que, surgindo após diversas figuras infernais que já tinham tentado falar comigo recebendo apenas minha negativa em troca, me conduziu sem que eu sequer pudesse notar para dentro das profundezas da Mão Esquerda. Um processo que durou, ao todo, três anos. E eu só consegui perceber a vastidão da sua ação na minha vida quando eu finalmente me posicionei como luciferiano, conseguindo por fim ver a retrospectiva desses três anos num quadro maior e não apenas em seus pequenos detalhes. Sendo ela a única dentre as divindades da minha vida que explicitamente sempre me prometeu mais contrariedades do que bênçãos.

Através dos seus testes eu compreendi o que era o papel adversarial no mundo e em minha própria vida. Eu fui rasgado, vez após vez, de novo e sempre mais uma vez, até que eu conseguisse acessar a minha própria essência. Nos tempos em que ela se afastava eu podia até me enganar sobre mim mesmo, sobre as coisas ao meu redor, mas nunca em sua presença. Ela sabe como complicar as coisas, ela sabe como te tirar completamente do seu centro. E, em todos esses anos onde eu a tive e tenho como aquela que me testa e me contraria, eu nunca tive alguém que fosse capaz de ser o opositor como ela consegue ser. E, na mesma medita, ninguém que me fizesse avançar tanto. Lapidando o meu poder como um diamante bruto, retirando de mim toda minha impureza com fogo e aço.

A tendo como professora eu consegui acessar e desenvolver lados meus que eu nunca pensei que conseguiria aceitar. Que eu sequer conseguiria olhar. Assim, me dando vida no mesmo ritmo no qual me fazia sangrar. Ela sempre excedeu tudo que eu fosse capaz de pensar sobre ela. Me fazendo ir muito além do que eu jamais pensei que pudesse ir. Não existe absolutamente nada dentro dos seus processos que seja fácil, ou mesmo que seja agradável. E eu os faria todos de novo. Eu a escolheria sempre. Vez após vez. Em todas minhas vidas, a cada encarnação, sem nunca me arrepender.

O Caminho no Deserto

E, como não podia faltar, o pequeno rito a seguir é destinado a aqueles que desejam se aproximar de Lilith pela primeira vez!

Se prepare para este pequeno rito com alguns dias de antecedência. Ele deve ser feito na lua nova, então, comece seus preparativos na lua minguante. Nele, teremos duas defumações e dois banhos de ervas para limpar e proteger tanto a sua casa quanto você mesmo, que ocuparão o espaço de quatro dias.

Em primeiro lugar, limpe sua casa fisicamente, fazendo em seguida uma defumação com café, cascas de alho e folhas de guiné para a purificar energeticamente. No dia seguinte, faça então uma segunda defumação, com cravo, alecrim e arruda, desta vez para conferir proteção. Então, com seu lar purificado e protegido, faça um banho de ervas para si mesmo com boldo, folhas de eucalipto e hortelã para se purificar. E, no dia seguinte, faça um banho bem forte de cravo focando na sua proteção.

Enquanto você cuida da purificação e da proteção de si mesmo e do seu lar, adquira:

  • Uma representação de Lilith, podendo ser uma arte da qual você goste, seu sigilo confeccionado, ou até mesmo um desenho que você mesmo fez
  • Uma vela vermelho escuro
  • Incenso ou resina de Sangue de Dragão
  • Uma obsidiana
  • Vinho tinto
  • Flores e frutas vermelhas da época

Então, na primeira noite de lua nova, prepare com cuidado o espaço onde você irá performar o ritual. O deixe limpo e organizado, arrumando um pequeno altar para Lilith com a representação, a vela, a obsidiana e as ofertas de vinho e frutas.

Tome um bom banho antes de começar, para estar limpo e com a cabeça desanuviada. Então, em um pequeno recipiente com água, misture uma colher de sopa de sal grosso, dizendo: “Sal e água, agora os desperto e vivifico. Tornem puro e harmônico onde eu os aspergir, e que assim seja.” Aspirja, então, o local do ritual com esta água salgada, imaginando que ela lava e purifica todo o espaço. Ao final, agradeça e dispense o que sobrar. Em seguida, acenda o incenso, dizendo: “Fogo e ar daqui o mal expulsam, trazendo força e proteção para este momento sagrado.” Passe o incenso por todo o local, o imaginando protegido e em harmonia. Faça o Circulo sem pressa. Acenda a vela, então diga:

“Na escuridão da noite adentro

Portando apenas o meu próprio coração
E tudo que nele habita
Que a Senhora da Desolação o reconheça
E me veja”

Respire profundamente, se concentre. Pegue a obsidiana entre suas mãos e a segure na altura do seu coração. Feche os olhos. Então comece a imaginar que você está andando por um amplo deserto a noite. Em suas mãos, agora é o seu próprio coração que você segura. Negro, feito de obsidiana. Mas, de alguma forma, ainda quente e pulsando. Você o segura com cuidado rente ao peito e segue andando.

O céu escuro, acima de você, resplandece cheio de estrelas. E, alto em meio a elas, o círculo escuro da lua se destaca como um buraco negro no centro do céu. Respire fundo. Continue. Sinta a areia debaixo dos seus pés, o vento seco e quente soprando contra o seu rosto. Continue. Lentamente, alguns animais naturais do local notarão a sua presença. Você poderá os ver ao longe, observando lentamente os seus passos. Eles não tentarão se aproximar. Continue. Aos poucos, enquanto caminha, você começa a notar que a lua lentamente começa a ressurgir no céu, com apenas um fino arco de luz. Voltando sua visão ao deserto, agora você nota uma árvore seca ao longe.

Mesmo sem uma única folha, ela é enorme. Seus galhos se estendem quase até os céus, como se pudessem rasgá-lo. Sem pressa, você se dirige em direção a ela. O som de uma coruja pode ser ouvido ao longe e seu coração, por algum motivo, começa a bater mais forte. Quanto mais próximo você fica da árvore, mais ele se agita. Você começa a notar, então, ossos de diversos animais ao seu redor. Quanto mais próximo da árvore, mais carcaças você consegue ver.

Então, estando perto o suficiente, você nota uma silhueta escura se levantar entre os galhos da árvore, esticando imensas asas e indo até você. Seu coração bate ainda mais forte, mas você o segura com delicadeza. Mais rápido do que seria normal a silhueta pousa perto de você, revelando a mulher coruja que te olha com curiosidade. Seu corpo é coberto por penas, apesar de humano. Suas grandes asas se dobram atrás de suas costas enquanto você nota que suas pernas e pés são como os de uma coruja, assim como as garras de suas mãos. Dois chifres ornamentam sua cabeça, se destacando acima dos longos cabelos negros. Seus olhos de serpente te analisam. Com cuidado, você mostra o seu coração para ela, que se aproxima com cuidado. Ela estende uma de suas mãos com cautela, o tocando. Neste momento, seu coração é tomado por fogo e, enquanto ele queima, você começa a dizer para ela, para Lilith, os motivos que te levaram a entrar em contato com ela.

Demore o tempo que precisar. Ela te escutará. Quando você terminar, peça que ela considere suas palavras e agradeça pela sua escuta. Ela retirará a mão do seu coração, que irá parar de queimar. Olhando de novo para ele, você nota que agora, de fato, ele é de rocha, duro e sem pulsação. Com curiosidade, você nota que em alguns lugares fios de ouro surgiram entre os contornos da pedra lisa. Ao olhar de novo para Lilith, ela aos pouco vai perdendo seu contorno, voltando a ser apenas uma silhueta escura. E a lua no céu, acima da árvore, começa a crescer rápido demais. Antes que ela se torne completamente cheia abra seus olhos e saia do estado meditativo.

Tire alguns minutos para que sua consciência retorne por completo. Agradeça a Lilith em voz alta e erga o vinho, as frutas e flores dizendo que as oferece a ela. Diga que eles ali ficarão até a noite seguinte. Então, com calma, desfaça o Círculo e agradeça a todos que ali estiveram com você, dando a permissão da partida. Se aterre, vá comer algo e descansar. Na noite seguinte, deixe as ofertas aos pés de uma bela árvore, guarde a obsidiana entre os seus pertences, e fique de olho em seus sonhos e ao seu redor até a lua cheia pois, nesse período, Lilith te dará sua resposta.

Correspondências

Fechando nosso artigo inicial com uma boa chave, vamos a algumas correspondências que podem ser usadas com ela! Sinta-se livre para as usar como ponto de partida. Então, com o tempo e com o desenvolvimento dos seus estudos, amplie-a com base nas suas próprias experiências e jornada.

Dias: Segunda, sexta e sábado

Horários: Noturnos

Planeta: Lua

Pedras: Granada, rubi e obsidiana

Cores: Preto e vermelho

Incensos: Sangue de Dragão, rosas e absinto

Animais: Corujas, serpentes e aranhas

Ofertas: Vinho tinto, flores e frutas vermelhas

Enn: Renich viasa avage Lillith lirach

Fontes e leituras indicadas: A Epopeia de Gilgamesh, o Dicionário de Demônios de M. Belanger, a Bíblia do Adversário e Sebitti – Magia e Demonologia Mesopotâmica de Michael W. Ford.

Até mais!

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Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

Primeiros passos – Sobre Mestres e Sacerdotes

Fonte: Arquivo pessoal

Um dos pontos comuns entre a maioria das pessoas recém chegadas nas margens de entrada da Mão Esquerda é a da procura por uma figura que lhes seja referencial. Mais especificamente, por um mestre ou sacerdote/sacerdotisa do qual elas possam aprender e a quem elas possam se referir. É de se perder as contas o número de vezes em que eu, e outras pessoas que conheço do meio, já recebemos pedidos de indicações para isso. E, apesar de não me opor particularmente as pessoas buscarem figuras como essas, sinto que, no contextos extremamente particulares da Mão Esquerda, os recém chegados sempre partem dos pontos errados para isso.

Em primeiro lugar, tenhamos em mente que quando falamos sobre sacerdócio falamos sobre uma posição que é, por definição, religiosa. Sendo reservada para pessoas que estão ou no topo ou em posições de destaque da hierarquia de religiões específicas. A Mão Esquerda, por si, como vimos no texto que fala um pouco mais de suas definições, não é uma religião. E a vasta maioria das suas vertentes também não são religiosas. Até pela forte conotação de oposição a hierarquias e da subversão as normas que faz parte da postura da Esquerda como um todo.

Dentro do Satanismo LaVeyano temos tradicionalmente a Church of Satan, mas todo o seu contexto histórico é o de se definir como religião para bater de frente com o cristianismo estadunidense. Então perceba atentamente que mesmo quando se é criado um movimento religioso na Esquerda ele se cria para ser contra cultural. Para ser uma insurreição contra aquilo que é posto como norma social. É um ato de rebelião. Mas a Church of Satan resume o satanismo? Definitivamente não. Existe muito mais dentro do Satanismo do que ela. E eu digo isso como algo positivo. Dentro do Luciferianismo temos menos contexto religioso ainda. A Demonolatria, entre as correntes de Esquerda, é a que mais se coloca como religiosa de fato. Mas você não tem, mesmo nela, uma igreja central.

Lembre-se sempre que é na Mão Direita que temos desenvolvidos os temas da ordem, da hierarquia, da coletividade e da integração. A Mão Esquerda, como movimento opositor, é um disruptor da ordem. Na Esquerda temos o questionamento e a dissolução das hierarquias, temos a individualidade e o trabalho com o que é segregado e marginalizado. De forma que, por natureza, é um caminho trilhado majoritariamente por indivíduos autônomos e não por aqueles que estão inseridos em instituições. Temos algumas Ordens, claro. Mas eu não diria de forma alguma que elas são para treinar iniciantes e sim para pessoas que já tem uma ótima de uma experiência e querem desenvolver áreas e tópicos específicos onde seria muito interessante o fazer ao lado de outras pessoas com o mesmo objetivo.

Então, aqui já nos desfazemos da ideia de buscar estruturas religiosas e instituições na Esquerda da mesma forma e com os mesmos propósitos em que elas existem na Direita. Não só não dará certo como você pode acabar em becos muito estranhos e com gente deveras esquisita, como eu já alertei aqui e aqui.

Em segundo lugar, quando temos sacerdotes existindo fora das estruturas fixas de religiões estabelecidas, eles sempre existem por causa da demanda de alguma comunidade em específico. Sendo eleitos por essa comunidade como os mais indicados, em meio a eles, para o papel de agirem como líderes espirituais, atuando como pontes entre as pessoas e o divino e sendo os responsáveis por liturgias, ritos, cerimoniais e demais serviços de cunho espiritual para os outros integrantes do coletivo. Assim, apesar dessas pessoas não serem necessariamente colocadas em seus postos por uma religião específica elas sempre o são por seu grupo. Afinal, a natureza do ofício destes é essencialmente comunitária.

Fora dessas duas categorias tradicionais, dentro das particularidades do cenário pagão moderno, existem muitos sacerdotes e sacerdotisas autônomos por aí. São pessoas que se dedicam a uma divindade, ou panteão, em particular. E, apesar deles não terem uma comunidade ou fazerem parte de uma religião oficialmente, sua devoção toma esse rumo. E eles são, apesar de solitários, pessoas que você pode procurar para aprender sobre suas divindades, para entrar em contato com elas, ou mesmo para pedir toda a sorte de encargos que se pode pedir de uma figura sacerdotal num geral. Perceba que, mesmo quando falamos de figuras autônomas, o servir ao outro está sempre centralizado no que significa ser um sacerdote ou uma sacerdotisa.

E esse servir não inclui apenas outras pessoas mas as divindades com as quais existe o comprometimento em si. O sacerdote serve a sua divindade. E se coloca como servo em nome dela não apenas em sua própria vida mas na vida daqueles que o procuram ou precisam dele para isso. E essa posição de servidão, por definição, não é algo que você vai encontrar na Esquerda. Pois na Esquerda não nos colocamos abaixo do divino como servos e não nos dedicamos ao outro como foco principal.

Encontramos títulos dentro de Ordens, pois elas tem um propósito prático em seu meio, servindo para indicar o desenvolvimento de seus indivíduos ou qual é a posição hierárquica dos seus integrantes. Mas, fora do contexto das Ordens e Templos em si, seus títulos geralmente perdem o sentido. Inclusive o título de Mestre. Sendo usados facilmente por inúmeros charlatães que gostam de se imputarem qualificações apenas pelo peso e pelo brilho que elas proporcionam a eles.

E, como já temos um texto sobre como identificar grupos abusivos, aqui teremos como notar se a coroa dourada de algum professo líder é mesmo de ouro ou se ela é apenas um artifício para atrair os desavisados:

1- Quais são as suas credenciais?

Pesquise os antecedentes de qualquer um que se coloque como Sacerdote ou como Mestre para você. Se a figura se coloca como sacerdotal, de onde veio? Por quais Ordens já passou? Faz parte de algum Templo? Qual foi a sua trajetória? Se temos alguém que se coloca como um mestre, é mestre no que exatamente? Como, em quais lugares e com quais pessoas adquiriu sua maestria? Essa pessoa dá nomes identificáveis que você poderia entrar em contato ou localizar? Jurar juradinho que fez parte das “maiores e mais importantes Ordens” sem citar nomes ou rastro não vale. Qualquer um pode chegar em qualquer lugar e dizer que participou de vários grupos por aí. Isso não quer dizer absolutamente nada. Sem credenciais, sem negócio.

“Ah mas fulaninho é uma figura autônoma.” Ok, então vamos ao segundo tópico.

2 – Com qual qualificação?

Figuras autônomas sérias, assim como quem é filiado a grupos específicos, tem trajetórias públicas reconhecíveis. Você é capaz de achar, e elas mesmo disponibilizam, seu histórico. Onde elas começaram, como foi a jornada, se elas fizeram cursos e quais, se foram treinadas em algum lugar ou por alguém, e suas contribuições para suas comunidades num geral. Se já escreveram livros, participaram de revistas e zines, qual tipo de pesquisa e bibliografia usam como base, se possuem algum site ou rede social e por aí vai. E isso nos leva ao próximo tópico.

3 – Como contribuem?

Como já vimos, títulos não são apenas nomes bonitinhos para se ter mas sim posições de responsabilidade. Sacerdotes tem o serviço como principal função. Sendo assim, como eles servem a própria causa que dizem defender e como ajudam e enriquecem seus meios? Eles disponibilizam o conhecimento que eles possuem de qual forma? Eles são autores, tendo livros, contribuindo em revistas ou tendo algum blog ou rede social? Eles tem serviços de auxílio e acolhimento para aqueles que precisam? Eles se preocupam em como suas palavras e ações vão afetar o seu meio e outras pessoas? Eles se portam com respeito e responsabilidade?

Se for alguém que diz ser Sacerdote de alguma divindade, o que ela dispõe de serviço social em prol dessa divindade? Essa pessoa é uma fonte de informação confiável sobre essa figura divina? Quais recursos ela disponibiliza para as pessoas? Esse Sacerdote ou Sacerdotisa sabe conduzir e ensinar as pessoas em direção a sua divindade de forma correta e reverente? Quais projetos ela possui? O que ela está fazendo de relevante no momento? Se for alguém que se diz Mestre ou Mestra é a mesma coisa. Ela ou ele estão usando sua maestria como? Como provam que realmente são o que dizem ser? Pois isso deve ser feito através de atos, claros e consistentes, e não só através de se encher o peito e falar grosso. Se alguém clama para si uma posição de importância e relevância social deve existir um esforço e um mérito através do qual essa pessoa o conquiste e o mantenha.

4 – Como são reconhecidos em seu meio?

Outro bom indicativo para sabermos se uma figura que se coloca como Sacerdotisa, Sacerdote ou Mestre é fidedigna ou não é percebermos como as pessoas do meio que ela clama fazer parte a reconhecem. Fulano falou que é um Mestre ou um Sacerdote luciferiano? Além de verificar os outros tópicos acima observe como outros luciferianos falam dessa pessoa. Ele sequer é conhecido? E o sendo, as pessoas o reconhecem como uma figura de referência ou existem críticas válidas referentes a ele? Ninguém é tão alecrim dourado a ponto de ter todo um meio o criticando e as críticas não virem de um local válido. Onde existe fumaça podemos sim encontrar fogo. Fique de olho.

5 – Qual é o seu comportamento?

Ao olharmos para uma figura que se coloca como um ponto de referência também é importante notarmos como ela se porta e se conduz. Se ela transmite firmeza, seriedade, profissionalismo ou não. Alguém que vive de caçar briga e polêmicas demonstra que, se não for causando ira constantemente, não conseguiria ser relevante. Fuja dos sujeitos que só aparecem porque vivem discutindo, vivem gerando polêmica e vivem usando sensacionalismo ao próprio favor. Se essas pessoas tivessem um real conteúdo seriam conhecidas por ele e não por ter apenas a própria inconveniência para compartilhar com o mundo.

6 – Para além das aparências

É muito comum, em tempos de redes sociais, que a nossa capacidade de julgamento perceba a aparência que as pessoas projetam muito antes que possamos perceber seus reais discursos. A estética, o número de seguidores e boas estratégias de marketing muitas vezes nos fazem valorizar muito certas figuras antes de conseguirmos notar suas incoerências. E, aqui, todo cuidado é pouco. Aqueles que sabem lidar com os algoritmos das redes sociais em que se inserem facilmente conseguem fazer seus perfis crescerem. O que não significa, no entanto, que essas pessoas tenham de fato o que dizer. Elas só sabem jogar muito bem o jogo. E, muitas vezes, de forma extremamente suja. Usando qualquer pauta que esteja em voga no momento da pior forma, só para ampliar seu próprio engajamento.

Seja crítico com o que você consome. Preste atenção no que de fato é dito. Em como é dito. Verifique as informações que chegam até você. Não coloque ninguém em pedestais. Veja através das aparências e do status que querem te vender. Lembre-se que, dentro da Mão Esquerda, não estamos para seguir mas sim para guiarmos a nós mesmos a nossa própria Apoteose.

Até mais!

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Resenha – Dicionário dos Demônios de M. Belanger

Fonte: Arquivo pessoal

Na resenha de hoje falaremos de um tomo de peso: o Dicionário de Demônios de M. Belanger, em sua edição estendida em comemoração aos dez anos da obra, trazido para cá pela Darkside! Uma obra indispensável para todos aqueles que se interessam pelo estudo e pela pesquisa do ocultismo e da demonologia.

Ficha Técnica

Autora: M. Belanger

Editora: originalmente publicado pela Llewellyn Publications em território norte-americano e pela Darkside em território nacional

Idioma: Inglês e português

Páginas: 528

Ano: 2021

Sinopse do livro

Conhecimento é poder e proteção. Para compreender a origem do que nos assombra e desafia, nada melhor que mergulhar nos segredos místicos que reinam entre o céu e o inferno. Partindo da premissa de que todo nome tem poder em sua evocação, a pesquisadora do oculto M. Belanger embarca em uma jornada única através de grimórios antigos, originados na Idade Média e na Renascença. Uma pesquisa inédita e surpreendente que foi capaz de reunir a mais extensa lista de nomes e curiosidades sobre o universo da demonologia. Chegou a hora de conhecermos a origem dos anjos caídos e dos demônios mais poderosos e obscuros que já passearam pela história milenar de nosso planeta.

Nesta obra minuciosa, a autora apresenta a mais completa publicação sobre o assunto, reunindo mais de 1.700 verbetes, ensaios e artigos que revelam um panorama amplo sobre as crenças, práticas e eventos da Europa Ocidental que tiveram um impacto direto sobre a religião, além de uma rica pesquisa iconográfica capaz de documentar a representação dos demônios através dos tempos.

Resenha

Ampliando seu conteúdo original de 1.500 para 1.700 verbetes e trazendo uma infinidade de novas curiosidades, informações e artículos, a versão estendida e revisada de Dicionário dos Demônios é um deleite para todos os interessados no tema. Focando, principalmente, em ser uma referência de nomes, com suas histórias e significados, ele se configura tanto como uma boa leitura quanto como um ótimo material de pesquisa para se consultar pontualmente e ter sempre a mão. Como é de seu costume, a Darkside também não poupou na beleza da sua edição, tornando a obra ainda mais visualmente envolvente e ricamente ilustrada. Uma pérola para enriquecer a biblioteca de qualquer demonologista ou ocultista.

Pontos Positivos

Como alguém que passa horas e horas enfurnado em pesquisa como parte da própria prática espiritual pessoal eu digo com tranquilidade que ter um tomo de quinhentas páginas do tipo que o Dicionário de Demônios é não só é útil mas torna as coisas bem mais fluidas. A quantidade de informação que você tem em um lugar só, não precisando se revirar em mil outros livros, poupa bastante tempo. É um livro absurdamente lindo, é recheado de bons artigos entre os verbetes dos nomes demoníacos, e é uma mão na roda. Principalmente para os novatos no tema, que querem começar a pesquisar agora, já poderem começar tendo nele um livro bem estruturado, bem organizado, e abundante em informações.

Pontos Negativos

Aqui o ponto não é exatamente negativo, mas acho importante ser colocado: A pesquisa e o trabalho de M. Belanger focam quase que exclusivamente na cultura, no folclore e nos grimórios da Europa Ocidental. Se você procura sobre a mitologia e os demônios de outras regiões é bom procurar, conjuntamente, outras fontes. Ele não deixa de ser um livro interessante por causa disso, mas não foca seu trabalho e suas minúcias para outros cantos do mundo.

Acessibilidade: Como sabemos, preços da Darkside podem ser bem salgados e nada acessíveis para muitas pessoas. Principalmente no caso de um livro grande como esse é. Eu não encontrei, até agora, pdfs da versão traduzida dele. Apenas da versão original, sem ser a estendida, e em inglês. Se você tiver uma noção básica da língua, pode procurar. Mas, de qualquer forma, lembro sempre que o que eu falo sobre pdfs aqui é para quem realmente não tem condições. Se você tiver como comprar o livro, compre. Não só vale muito a pena, mas sinto que é bem melhor consultar um livro desse tamanho em formato físico do que em digital.

Até mais!

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Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

Quem são os Daemons?

Fonte: Asmodeus, como ilustrado no livro Dictionnaire Infernal de Collin de Plancy – Edição e arquivo pessoais

Quando, na Mão Esquerda, falamos sobre daemons, é um lugar comum que a primeira reação seja a do medo e da desconfiança. E não é de se estranhar, quando levamos em consideração que a nossa cultura foi e ainda é moldada pelo pensamento e pelo imaginário cristão. Toda ideação que formamos sobre esses seres é e sempre foi, em si, muito caricata. E falar sobre eles acaba sendo também falar sobre história, sobre como a nossa sociedade evolui certos conceitos, sobre o que ela perseguiu, o que ela renegou, e sobre uma miríade de povos que tiveram o olhar desvirtuado e colonizador europeu sobre suas crenças e sobre suas próprias figuras mitológicas.

Pois, a classe de seres que hoje chamamos de daemons, provém de um rico caldo cultural formado pela religiosidade da Europa Ocidental que, em si, bebeu vastamente de elementos helênicos e romanos e se apropriou de muita coisa proveniente da cultura judaica e do antigo Oriente Médio num geral. De forma que aqui, neste texto, eu não tenho nenhuma pretensão de esgotar o tema, visto que isso seria inviável pela sua vastidão. Mas sim, de propor uma luz inicial.

Como já citado em nosso texto sobre apadrinhamentos, que você pode ler aqui, é importante saber que a visão que temos na Esquerda sobre esses seres difere muito da visão cristã. Até mesmo por uma questão de conceitos iniciais. A palavra que usamos de forma tão comum, demônio, é uma variação em latim do termo grego daímôn, que era usada para se referir a seres semidivinos de natureza neutra, e não apenas maligna como podemos ser levados a crer.

Estes seres eram complexos, multifacetados, e poderiam estar associados a natureza ou a certas facetas do temperamento humano, fazendo a ponte e a intermediação entre nós e o espiritual. Seu papel, na cultura grega, difere muito do papel dos demônios dentro do cristianismo. No entanto, foi o termo que foi apropriado para abrigar, dentro de si, uma infinidade de seres, espíritos e divindades de diversas culturas para que elas sofressem um processo que, hoje, chamamos de demonização. O processo de descaracterizar algo para o tornar ruim, negativo e pejorativo.

A beleza da expressão religiosa de diversas culturas e grupos, com seus ricos costumes e práticas, foram completamente engolidos neste processo. Transformados em coisas que nunca foram inicialmente. Tirados de seus lugares e contextos para sofrer uma distorção vulgar e extremamente preconceituosa. Um processo que aconteceu por milhares de anos e, em muitas instâncias, ainda acontece. Fruto do mesmo velho medo de reconhecer o outro como humano, e não como um vilão maquiavélico, simplesmente por esse outro possuir crenças e costumes diferentes dos nossos.

É nisso que vemos muitos dos 72 daemons da Goetia, por exemplo, serem versões deturpadas de divindades pagãs de diversas culturas muito antigas. Colocados como menores por pura rivalidade. Afinal, as forças que abençoam aqueles que vemos como nossos inimigos não seriam, elas mesmas, malignas a nós?

A situação piora bastante se essas forças não são descritas, dentro de suas culturas, como apenas benignas mas sim como figuras complexas. Num pensamento dicotômico, onde as coisas devem ser apenas boas ou apenas más, existe pouco espaço para nuances. E assim o pensamento sobre muitos seres foi não apenas deteriorado como também simplificado até os tornar indistinguíveis do que originalmente eles eram.

Sempre existiu riqueza e encantamento no mundo. Na maneira como nossa espécie lidou e traduziu as forças ao seu redor. Forças complexas, cheias de mistério e poder. Forças que eram encontradas tanto nas chuvas que vivificavam o solo quanto nas tempestades que o arrasavam. No movimento dos astros no céu e na força das marés. Nos desafios impostos pelos desertos e espaços áridos com seus predadores e nas bênçãos dos oásis e dos campos frutíferos. Uma complexidade que, ao longo da história, foi de pouco em pouco desvalorizada e saqueada. Mas que ainda está lá, nos meandros daquilo que deixamos para trás. E que pode ser recuperada através das mãos que se dispõe a esse trabalho. Dentro da Mão Esquerda, passando também por uma ressignificação. Onde não só nos dedicamos a pesquisar esses processos históricos mas também a olhar para esses seres sobre novas óticas, nos desfazendo dos medos e dos preconceitos que a eles foram adicionados. E nos permitindo sair da velha dicotomia para que uma visão mais complexa, com suas nuances e sua diversidade, possa voltar a tona onde é devida.

Temos, dentro da demonologia, relações muito profundas, que afundam na história, de trocas culturais, sincretismo e disputas. As encontraremos, naquilo que herdamos, majoritariamente vindo das relações entre as culturas suméria, babilônica e judaicas. Assim como o peso dos processos europeus, com suas releituras, seus folclores regionais, suas idas e suas vindas. De forma que, para cada nome demoníaco que chegou até nós hoje em dia, podemos traçar as linhas históricas mais complexas e diversas imagináveis.

Mas podemos, também, as estender a todas manifestações culturais e religiosas da humanidade. Onde sempre teremos, não importa em qual local ou época, seres que trazem e representam forças consideradas adversárias. Sendo assim vistas por estarem associadas a manifestações naturais agressivas a vida ou, pior ainda, a sociedade ao lado que rivaliza com a nossa. Afinal, o fator social sempre se entranha na figura do adversário, muitas vezes indivisivelmente. Colocando as figuras que representam os medos que sentimos do escuro muito próximas do medo que sentimos do outro. Do diferente. Do que não se encaixa. Do que questiona e trás consigo revoltas por isso.

Tornando, assim, as figuras espirituais que trazem e representam essas questões seres extremamente intrincados e multifacetados. E que merecem assim tratados ser. Não como seres que são apenas isso ou apenas aquilo, mas sim como manifestações plurais e ricas daquilo que nos desafiou ao longo dos conflitos e da evolução de nossa história. Como chamas representantes do que a Corrente do Adversário realmente é. Aquilo que nos desafia, que nos testa, e que traz, através de seus dilemas, nossas oportunidades de aprendizagem e crescimento.

Eles são todos os seres catalogados como antagonistas. Tanto por serem aqueles que trazem as forças contrárias da natureza, como Pazuzu, rei dos demônios do vento mesopotâmico, que trazia consigo a simbologia das estiagens e da fome proporcionada pelas estações secas, mas que também protegia mulheres grávidas e desviava daqueles que o chamassem a dor de diversas doenças que eram atribuídas a ação dos ventos provenientes do oeste, quanto aqueles que foram demonizados ao longo dos processos históricos que sofreram, como Baal, um dos principais deuses fenícios, que regia o clima, a fertilidade, a guerra e as tempestades, sendo um grande senhor dos céus.

Pazuzu, em sua cultura original, sempre teve em si a conotação de ser uma força agressiva, capaz de destruição tanto quanto de conferir proteção, enquanto Baal foi colocado em uma posição cada vez mais antagônica politicamente através da história. Até termos, derivado dele, o Bael goetico, por exemplo. Hoje em dia, ambos representam forças demonizadas por nós. E, se interessar por eles, é aprender o caminho que eles traçaram junto aos povos pelos quais percorreram. E é lidar com as dificuldades, testes e desafios que eles trazem. Não só através das suas conotações originais, mas também do que eles adquiriram com o passar dos séculos. É aprender com as suas complexidades. Desatando os nós do intrincado novelo histórico ao qual eles foram atados. Os tirando de uma visão simplista de algo apenas maligno sem que, para isso, precisemos os colocar também como apenas benignos. Dando lugar novamente a uma composição e uma visão mais profunda e plural.

Nisso, lidar com eles, assim como lidar com quaisquer figuras que integram a Corrente do Adversário, é uma tarefa que requer muito comprometimento e muita seriedade. Não só em estudo e pesquisa, que são sempre e constantemente necessários, mas em uma entrega a forças que transformarão quem somos em essência. Afinal, escolher dançar com demônios sempre é escolher dançar com as nossas próprias sombras. Tanto pessoais quanto coletivas. Em meio aos pálidos escombros formados pelos conflitos e pelas guerras que nossa espécie deixou e ainda deixa em sua jornada através deste universo.

Até mais!

Fonte e indicação de leitura: O dicionário dos Demônios de M. Belanger

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