Elementais da Natureza – Os Tritões

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Cartas do Tarot of the Mermaids de Lo Scarabeo

Quando pensamos nos habitantes dos mares, meio peixe e meio humanos, normalmente a imagem mental a qual nos remetemos é a das sereias. Lindas e deslumbrantes, hipnóticas, como são. Raramente vamos pensar em figuras masculinas. Se o fazemos, na maioria das vezes, nos remetemos ao deus grego Poseidon, ou em figuras similares. O Elemento Água, tido como muito feminino e sensível, não parece num primeiro momento também possuir em si outras faces. E esta é uma impressão que precisamos remover de nós mesmos.

Assim como os outros Elementos e forças que regem nosso Universo, a Água possui em si energias arquetípicas diversas. E todas são importantes para seu mantimento e para a sua natural pluralidade. A Água possui, nas facetas masculinas que vemos nela, fluidez, fertilidade e ferocidade, muito além dos estereótipos de gênero aos quais, enquanto sociedade, nos prendemos. Suas criaturas e seres possuem muito para nos ensinar, se estivermos dispostos a nos abrir para o seu contato. Dentre toda a diversidade dos habitantes dos mares, falaremos hoje dos tritões.

O nome Tritão vem da mitologia grega antiga, onde temos sua figura mítica como o filho de Poseidon com sua esposa Anfitrite. Meio peixe e meio homem, ele é tido como um rei dos mares, sendo comumente mensageiro de seus pais, acalmando as ondas para que a carruagem de Poseidon possa passar sem causar nenhuma calamidade. Muito ligado a música, usaria diversos tipos de conchas, como os búzios, para produzir suas melodias. Enquanto seu pai é muito famoso por causar tempestades e terremotos terríveis, Tritão acalma as águas, não sendo raro que ele seja descrito salvando navios juntamente com as Nereidas. Temos sua presença também no mito dos Argonautas, onde ele indica aos heróis a melhor rota para atingirem o Mediterrâneo. Podendo também ter facetas mais bravias, contam alguns mitos que, em meio a uma celebração em honra a Dionísio, grupos de mulheres teriam sido atacados por ele em um lago. Ouvindo os pedidos de socorro femininos, Dionísio teria então surgido para salvá-las dos avanços de Tritão.

Após suas lendas, alguns seres também foram nomeados homônimos a ele, tendo sido tidos como seus filhos e descendentes. Sendo muito famosos por, assim como as próprias sereias, assombrarem marinheiros. Com suas trompas de conchas podiam tanto produzir sons medonhos e assustadores quanto também melodias de uma beleza inigualável. Sua presença no imaginário popular se consagrou com tal força que costumamos, como falantes de línguas latinas, ter seu nome como o que designa todo gênero masculino da espécie das sereias. Diferentemente do inglês, por exemplo, onde teremos para os designar merman (homem do mar) e mermaid (dama do mar).

Muito longe de nos limitarmos apenas a mitologia grega, temos os vetehinen na mitologia finlandesa, seres meio homens e meio peixes que poderiam amaldiçoar ou abençoar aqueles que pediam seu auxílio. Na Ilha de Man, entre a Grã Bretanha e a Irlanda, temos relatos de seres parecidos sob a nomenclatura de dinny-mara, e na Dinamarca termos os  havman ou havmand (havstrambe na Groenlândia) que são descritos como belos homens com longas caudas de peixe, às vezes tendo também pele azul e cabelo e barba negros ou verdes. Em terras brasileiras temos diversas lendas sobre o Boto, principalmente na região amazônica, sendo um encantado, famoso por seduzir mulheres em festas ribeirinhas.

Ao lado dos tritões, predadores e feiticeiros do alto mar e das águas, podemos entrar em contato com uma noção de masculinidade tanto feroz quanto e sedutora. Eles podem, se assim o desejarem, nos ajudar em nossas proteções, nos ensinar nas artes dos diversos tipos de combates energéticos, e nos guiar através do potencial ilimitado da magia oceânica. Como seres diversos e plurais, eles podem ampliar nossa percepção e entendimento sobre a própria noção do que é a masculinidade em si. Equilibrando essa energia, o animus, nas mulheres, guiando pessoas trans não binárias para diversos exercícios de exploração pessoal e auxiliando os homens a entrarem em contato consigo mesmos num nível muito mais profundo. O exercício a seguir é apenas um ponto de partida daquilo que pode ser trabalhado e compreendido ao lado deles. Siga, se assim desejar, e boa sorte!

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Fonte: Arquivo pessoal

Honrando o masculino

Em uma noite de lua negra ou nova, separe os seguintes ingredientes:

  • Um cálice com vinho tinto.
  • Uma vela azul escuro, ou verde escuro.
  • Um recipiente de vidro com água do mar ou água potável.
  • Sal marinho ou grosso.
  • Uma pedra de Quartzo Fume.

Coloque três colheres de sopa do sal escolhido em um copo com água. Com a ponta dos dedos indicador e médio, suavemente, trace um pentagrama em sua superfície, dizendo: ”Água, fonte de vida, sal, alimento e sustento, despertem agora. Unam seus poderes e concedam ao local onde me estabelecerei a purificação e a proteção na medida exata que for necessária para o meu ritual esta noite.” Se conduza ao local onde você fará o rito e, com a ponta dos dedos, aspirja o líquido por toda a área. Enquanto o faz, imagine que as gotas de água se iluminam por uma suave luz branca, purificando e trazendo paz, harmonia, e segurança por todo o ambiente.

Quando você sentir que a energia já está bem balanceada e segura, coloque os ingredientes organizados ou no chão, de forma que você possa se sentar diante deles, ou numa mesa que você possa usar. Se você for fazer o ritual no chão, é bom cobri-lo com alguma manta, para que você fique mais confortável. Apague as luzes e, com o copo de água salgada ainda em mãos, coloque os dedos indicador e médio da mão com o qual você escreve nela. Respire fundo, e imagine que seus dedos captam o brilho claro e poderoso da água. Quando a visualização estiver forte e nítida, retire seus dedos do líquido e, com eles, trace um círculo ao seu redor. Imagine ele sendo traçado na mesma luz que seus dedos absorveram da água. Diga: ”Um círculo de proteção agora eu traço ao meu redor, de forma que nada que não for convidado ou benéfico a mim possa aqui me ver ou me alcançar.” Visualize o círculo formando uma bolha levemente luminosa ao seu redor, e que ali dentro você está seguro.

Sente-se, coloque o copo por perto, e acenda a vela próxima a vasilha de água. Usar água do mar nela é o mais ideal, no entanto, se você não possui essa possibilidade, pode usar água potável tranquilamente. Novamente com a ponta dos dedos, comece a traçar círculos na superfície da água. Respire fundo, procure relaxar, e quando estiver centrado, diga: ”A água corre e desliza por rios e prados, passa por riachos e lagos, segue por dentro e por fora da terra, até chegar no mar. Em suas diversas trilhas, por seus diversos caminhos, eu envio minhas ondulações, até que encontrem, que cheguem, em quem possa me guiar. Tritões, sábios e misteriosos senhores, se guiem pelo farol da luz, e me sussurrem o que eu busco saber.” 

Agora, com a ponta dos dedos de ambas as mãos, faça um movimento nas águas como se abrisse uma cortina. Com o portal nas águas agora aberto, procure falar o que você deseja saber e entender sobre a energia masculina em si. Quais são as crenças que você tem sobre o que é a energia masculina? Quais são as referencias de homens que você tem? Qual foi a primeira delas? Se ainda vive, como é a sua relação com essa pessoa nos dias de hoje? O que você aprendeu com ela? Quais são suas últimas referências masculinas, atualmente? São diferentes ou parecidas com as primeiras?

Quando você pensa no masculino, quais são as três primeiras palavras que vem a sua mente? Por quê são justamente essas? Você se guia por estereótipos quando pensa no que um homem é ou deveria ser? Se você for homem, consegue se lembrar de quem você era antes que a sociedade ao seu redor te ensinasse como você deveria ser? Quando você se olha no espelho, quem é você? Por qual motivo você age e se coloca no mundo da maneira com o qual o faz? Gostaria que fosse diferente? Se absolutamente nada fosse esperado de você de agora em diante, quem você escolheria ser? Como se comportaria, como se vestiria, como amaria, como levaria sua própria vida?

Tenha tempo para pensar com calma em cada uma dessas questões. Não tenha pressa. Segure a pedra de quartzo fume entre suas mãos, perto do seu coração, e feche os olhos. Se imagine no meio do oceano, entre uma vegetação vívida de algas, e chame pela força dos tritões. Peça que eles te ajudem a meditar sobre todas essas questões. Pode ser que algum deles venha conversar, pode ser que você só sinta a energia deles por perto, guiando seus pensamentos. De qualquer forma, abra os olhos depois de um tempo e, colocando a pedra dentro da água da vasilha, diga: ”Que se purifiquem minhas antigas ideias, dando espaço a um novo foco e uma nova sabedoria. Tritões, pelos próximos sete dias, me guiem pelo o que a energia masculina que vocês possuem pode me ensinar.” Agradeça, ofereça a taça de vinho como uma demonstração da sua gratidão, e medite por pelo menos mais uns dez minutos. Tenha esse tempo tanto para que eles possam estabelecer contato com você como também para que você analise um pouco mais todos os pontos que foram vistos.

Quando terminar, recolha a pedra. A mantenha sempre próxima ao seu corpo pelos próximos sete dias, já que ela será o foco irradiador da energia dos tritões perto de você. Com suavidade, faça movimentos como se fechasse, com a ponta dos dedos, o portal na água que antes foi aberto, sempre agradecendo, dizendo que agora encerra suas atividades. Pegando novamente o copo de água salgada, faça a mesma visualização dos seus dedos indicador e médio captando a energia pura que ali está. Se erga e, na direção contrária a aquela no qual você traçou o círculo pela primeira vez, gire seus dedos novamente no ar, imaginando que a bolha de energia ao seu redor se desfaz, dizendo: ”Que o circulo possa esvanecer, mas que sua proteção sempre esteja comigo. Agradeço a todos que aqui comigo estiveram e me ajudaram e que assim seja.”

Pode descartar, sempre agradecendo, tanto a água salgada do copo quanto a da vasilha. A vela, se ainda estiver acesa, pode ser apagada para ser utilizada com os tritões em outras ocasiões. O vinho pode ser libado perto de uma nascente ou rio não poluídos ou na terra. Anote os insights que teve, se puder, e descanse. É comum que, após um primeiro contato ter sido estabelecido, os tritões ou apareçam ou mandem mensagens através de nossos sonhos para nossas análises. Fiquem atentos, e bom ritual a todos.

A Magia das Sereias – O ritual dos sonhos

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Carta Dreams do Oracle of the Mermaids de Lucy Cavendish

Conectados como são com nosso subconsciente, através dos sonhos podemos explorar nossos simbolismos internos. E, através da magia das águas, podemos com eles também desvelar mundos e dons espirituais. Quantas vezes, através deles, não recebemos mensagens do nosso próprio espírito? Quantos relatos não existem deles sendo usados como ponte para contatos astrais e trabalhos psíquicos? A magia dos sonhos contém um grande potencial. Sendo muito delicada e sutil, com ela temos efeitos profundos, surpreendentes e transformadores.

Fluindo através deste tênue estado de nossas consciências atingimos os pontos mais fundos dos nossos corações. Ali encontramos infinitas possibilidades e passamos por diversas provas, saboreando o gosto de outros tipos de existência. Nossos limites racionais se dissolvem, ampliando nossas perspectivas e nos abrindo para diversas novas possibilidades.

Sendo mestras na navegação dos oceanos dos sonhos, as sereias podem facilmente nos alcançar através deles, nos ensinando como explorá-los e nos conduzindo aos poderes que podemos despertar e refinar em seus domínios. O ritual a seguir pode ser feito em qualquer fase lunar, bastando apenas que nos entreguemos com comprometimento ao seu processo.

O Ritual dos Sonhos 

Para esse ritual não serão necessários muitos ingredientes, só devemos ter uma boa disciplina. De noite, separe um pequeno espaço no seu quarto para trabalhar com as sereias. Se você possuir uma mesinha de cabeceira ou prateleira que puder, da sua cama mesmo, alcançar, melhor ainda. No espaço separado coloque:

  • Um pequeno prato ou recipiente branco, azul ou transparente de vidro ou de porcelana.
  • Uma vela branca ou azul clara.
  • Água potável.
  • Um caderno e uma caneta separados apenas para este processo.

Com cuidado, fixe a vela no prato ou recipiente que você escolheu. Quando ela estiver firme, coloque água até cobrir um ou dois dedos da base da vela. Se você tiver conchas ou alguma outra representação das sereias, ou do mar em si, pode colocar perto da vela. Respire fundo, procure se centrar, e acenda a vela. Com as mãos perto da chama, de forma que você consiga sentir seu calor, diga:

”Que a luz do meu espírito seja conduzida em segurança pelas águas dos sonhos. Sereias, navegantes e regentes dos infinitos oceanos espirituais, eu as chamo através do escuro e fluido líquido da noite. Que esta chama seja o farol que ilumine seus caminhos até mim. E que, pela graça de seus poderes, esta noite eu possa ______”

Neste final, diga o que deseja. Se é entender algum ponto em você mesmo. Se é obter alguma resposta, conseguir alguma informação, ou até mesmo compreender e desenvolver algum dom. Seja claro e sincero sobre o que você pretende. Quando terminar, agradeça e vá para a sua cozinha. Coloque em média uma xícara de água para ferver e, assim que ela começar a ebulir, acrescente uma colher de jasmim ou de artemísia a ela. Apague o fogo e vá tomar o banho mais calmo e relaxante que você puder. Deixe a água quente te acalmar. Vá aos poucos se desligando de todas as preocupações e de todo o estresse do dia. Se desejar chamar as sereias durante o processo para que elas te ajudem, ou mesmo apenas para conversar, fique a vontade. Terminado o banho, se enxugue, vista uma roupa limpa e confortável, e coe seu chá num copo ou caneca. Não adoce. Vá novamente para seu quarto e, com o chá em mãos, diante da vela, diga:

”Pelo poder das Águas e das ervas aqui contidas eu aguço em mim minha intuição e minha sensibilidade espiritual. Que pela guia das sereias, devagar e suavemente, eu mergulhe e navegue por onde esta noite preciso for.” 

Beba o chá com calma e, quando terminar, se deite. Procure se visualizar nadando no mar aberto, em um estado de paz. Durma, e deixe que as sereias cantem o que você pediu para ver dentro dos seus sonhos.

Quando acordar, pegue o caderno e a caneta que você separou e anote tudo do qual você conseguir se lembrar. Algumas pessoas terão mais facilidade para se lembrar do que viram ao acordar, outras terão menos. Não se cobre se na primeira vez que tentar você estiver no segundo grupo. Todos possuímos a capacidade de trabalharmos nossos sonhos vividamente, só precisamos de constância para desenvolvermos essa habilidade natural. Pode repetir o ritual se desejar, conforme preciso for. E que as sereias possam te abençoar em todos os seus processos interiores.

Até a próxima!

 

 

 

Estudos do Tarot – O Diabo

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A carta O Diabo no Tarot de Rider Waite

Também podendo ser conhecido como A Paixão, no Arcano O Diabo nos encontramos com o nosso lado mais carnal. Com nossas tentações, vícios, vontades materiais e ambições desmedidas.

Levando em sua iconografia signos que aprendemos culturalmente a associar a maldade e as forças ocultas, neste Arcano passamos por lições e testes essenciais para nossa evolução a um estágio mais harmonizado com nossa própria natureza e com o mundo ao nosso redor.

De todas as formas que temos de representar esse Arcano, nos mais variados estilos de baralhos, veremos que alguns pontos tendem a se repetir, como por exemplo:

  • Sempre existe uma figura com chifres.
  • Esta figura muitas vezes será meio animal e meio humana.
  • Muitas vezes será alada, com asas de morcego.
  • É comum que existam pessoas acorrentadas aos seus pés.
  • As cores serão escuras.
  • Sempre será o Arcano de número 15.
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Diferentes representações da carta O Diabo no Tarot Egípcio, no Tarot de Rider Waite e no Tarot Mitológico (na figura do deus Pã)

O Demônio, o vilanizado, o bode expiatório. Aquele que carrega a culpa pelas mazelas que nós mesmos causamos. Onde depositamos toda nossa podridão, depravação e sujeira porque seria difícil demais as admitirmos em nós mesmos. No Arcano do Diabo temos contato com o aspecto mais rude, cru e instintivo tanto da humanidade, que tanto dela quer se afastar em nome de uma pretensa superioridade, quanto também de toda a natureza em si.

No Tarot Mitológico o temos como Pã, filho do deus Hermes e da ninfa Dríope. Conta sua mitologia que, ao nascer, ele foi desprezado por sua própria mãe, por ter nascido com uma aparência extremamente assustadora, com chifres, cauda e patas de bode. Seu pai, um pouco mais clemente, o levou para o Olimpo, onde ele passou então a entreter os deuses. Sendo senhor de todos animais e de toda vida selvagem, ele assombrava os bosques e parques, simbolizando a fertilidade de uma natureza indomável. De seu nome vem a origem da palavra pânico, derivando-se do fato dele se divertir o causando nos caçadores que adentravam em seus domínios sem o devido cuidado.

Dentro do movimento histórico de expansão do cristianismo, e da supressão e perseguição por eles praticada contra todas outras expressões de religiosidade, veremos signos de diversos deuses ligados a natureza primitiva sendo usados para compor a imagética do Diabo cristão, e um dos deuses mais usurpados foi justamente Pã. Seus chifres, sua aparência peluda, meio bode e meio humano, foi larga e desonestamente usada como a aparência do grande adversário da divindade cristã. Representando uma sexualidade vívida, e uma natureza que não se curvava perante o domínio da mão humana, o que ele trazia era justamente o que a moral cristã tentava reprimir. Em todos séculos onde a Igreja Católica estendeu politicamente seu domínio fomos afastados tanto da sacralidade da própria natureza quanto da noção saudável das nossas próprias sexualidades. Sendo renegado as camadas mais profundas dos nossos subconscientes, através do medo da e culpa, estes temas no entanto nunca morreram, apenas adormeceram em nós, esperando que um dia despertássemos para eles novamente.

No Arcano do Diabo nos deparamos com tudo que, pela carga ainda pesadamente cristã de nossas culturas, tememos. Bem como também com todas compulsões que detestamos ter. A vergonha que temos de nossos próprios corpos, a culpa e o medo que sentimos de certos impulsos sexuais, a repulsa que nosso lado amoral pode nos causar, nossos bloqueios, traumas e complexos aqui são colocados a frente. A dificuldade que temos em encontrar uma expressão do divino mesmo em nossas partes mais vergonhosas é o nosso desafio ao entrarmos nas cavernas de Pã. É muito fácil achar santidade no que temos de mais sublime, na face que gostamos de mostrar para a sociedade. Mas também não seria sacro, não seria uma expressão normal e pura da natureza, nosso lado menos higienizado e domado? Até onde vamos, o que somos capazes de fazer, por nossa incapacidade em lidarmos com nossa própria natureza?

O lado negativo

Sim, todos os Arcanos do Tarot tem sua parte difícil. O Arcano do Diabo não é, em si mesmo, inerentemente negativo, apesar da complexidade dos temas que traz. No entanto, dependendo das cartas adjacentes, ele pode nos dar conotações de vilania, violência, ciúmes, traições, mentiras e desonestidade. Bem como, em certos aspectos, ele denuncia o quanto estamos sendo falsos com nós mesmos, fingindo ser quem não somos, forçando nossos sorrisos, por medo de admitirmos quem somos de verdade.

No amor

Aqui temos a expressão mais carnal do amor. Sexo, paixão, vontade de dominação, tudo isso é trabalhado pelo Arcano do Diabo. Para aqueles que estão comprometidos é hora de tomar cuidado com as tentações. Bem como, em conjunções mais sombrias, se ter muito cuidado para não entrar em dinâmicas abusivas. Seja como abusador ou até mesmo como vítima. Para os solteiros O Diabo traz os excessos. As farras, as bebedeiras, os vícios. Muito cuidado para não se deixar escravizar pelas suas próprias paixões.

Na sexualidade

Trazendo os aspectos humanos tidos como inferiores, o Diabo traz o apetite sexual grosseiro e não civilizado. Aqui temos a lascívia, os desejos não compreendidos e desordenados, tudo que é considerado vergonhoso e sujo. Os fetiches ocultos, os casos secretos, os impulsos escondidos e a animalidade. O perfil que se marca por este Arcano, quando não bem resolvido, costuma ser perigoso por não ver o sexo como algo saudável e sagrado, mas sim como um simples impulso bestial que precisa ser saciado sem sentimentalismo algum. Ele trairá sem nenhum peso na consciência. Usará todos os meios imorais que estiverem ao seu alcance para se valer com total insensibilidade as necessidades alheias. Aqui temos frivolidade e inconsequência. Os ninfômanos, os incestuosos, os sádicos, todos se encontrarão neste Arcano.

No trabalho 

Sendo uma carta geralmente boa no que se refere a finanças, o Diabo realça em nós nossas ambições. Podemos lidar com elas de forma positiva, nos relacionando saudavelmente com o dinheiro e lutando com garra pelas conquistas que desejamos, ou podemos nos cegar pela nossa ganância, não vendo limites para alcançarmos o que queremos. Seja ético, não se envolva em nada ilícito, por mais sedutor que possa parecer num primeiro momento. Saiba se portar e se dirigir sempre com equilíbrio, e tudo irá caminhar bem.

Na saúde 

O Diabo geralmente traz casos confusos, onde é difícil termos o diagnóstico correto. Ele nos aconselha a cuidarmos do nosso corpo de forma mais equilibrada e lúcida, para não cairmos nas garras das consequências negativas dos nossos próprios erros e teimosias. Se você está com problemas respiratórios, sabe que não deve fumar, se tem diabetes, sabe o que deve ou não consumir, seja consciente consigo mesmo. Regendo também nossa garganta e cordas vocais, aqui nos deparamos muito com problemas relacionados a esses locais como formas que nosso corpo tem de expressar nossos conflitos interiores mal resolvidos. Aqui entram doenças como amigdalite, faringite e similares.

Na espiritualidade 

O exercício espiritual do Diabo é, antes de mais nada, um exercício de honestidade e de humildade perante si mesmo. Em algum momento todos teremos que enfrentar nossas próprias profundidades, encarar nossas complexidades, e por mais difícil que seja, precisamos nos dar conta de que somos apenas humanos. Todos temos dentro de nós tanto luz quanto sombras, e precisamos de ambas para crescermos, com consciência, com equilíbrio, com clareza. Demonizarmos a nós mesmos ou a terceiros não nos levará para nada além da nossa própria dor. Toda energia que gastamos para prendermos o Diabo em sua caverna, longe e distante de nós, vergonhoso e proibido, é uma energia que perdemos inutilmente, desperdiçando grande parte da riqueza que possuímos em nossas personalidades e história. Nos libertarmos dos preconceitos, da intolerância, do falso moralismo, sempre nos concede poder e leveza. A verdadeira liberdade só pode existir quando não escravizarmos nem a nós mesmos e nem a mais ninguém pelo que não compreendemos e aceitamos em nós mesmos.

E você, como lida com suas próprias sombras?

Carta anterior: A Temperança

Próxima carta: A Torre

 

A Magia das Sereias – Um exercício de autoconhecimento

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Carta The Mirror do Oracle of the Mermaids

Na rica multiplicidade de linhas e vertentes da magia e da bruxaria encontramos os espelhos sendo utilizados como instrumentos preciosos nas mais diversas práticas. Do glamour até a vidência, eles podem ser usados para proteger, para atrair, destruir, e até mesmo para serem portais para outras dimensões e níveis de consciência. Quando falamos de sua magia falamos da magia dos reflexos, e ela é tão vasta que seria impossível dar conta de toda sua riqueza em um único texto.

Aparecendo como fontes de poder em diversas mitologias, temos na figura das sereias seu uso sendo sempre evidenciado. Em muitas análises sobre as lendas e sobre o folclore que gira em torno desses seres míticos, o uso do espelho se reduz a um mero exercício de vaidade. Quando analisamos mais profundamente, no entanto, percebemos que existe muito mais para se descobrir.

Vamos encontrar a magia dos espelhos, e dos reflexos, dentro da magia do Elemento Água. Isso porque os espelhos primordiais são os espelhos d’água! Seja num lago calmo, numa taça ou na vastidão do mar, a água é o grande elemento refletor do nosso Universo. Muito antes da humanidade aprender a polir metais e a fabricar os espelhos que temos hoje em dia, feitos basicamente de areia, através da água já podíamos nos ver, e ver refletido o mundo ao nosso redor.

Sendo versadas em toda magia aquática, com as sereias podemos entrar em contato com o potencial ilimitado da magia reflexiva em toda sua vastidão. As águas são os melhores espelhos, e quanto mais escuras e profundas as encontramos, mais claramente vemos. Nelas podemos ver a verdade, principalmente sobre nós mesmos, sem todas as máscaras sociais que usamos. Se abrir para essa visão requer coragem, afinal, muitas vezes temos medo de ver o que se esconde nos cantos mais profundos de nosso coração. Tememos o que podemos encontrar, com o que podemos nos deparar, e se seremos ou não capazes de lidar com as revelações que teremos. Ao lidar com as sereias, mestras no que se refere ao aprofundamento emocional, enfrentamos esses medos. O exercício a seguir usa a magia dos espelhos para o autoconhecimento, faça com cuidado, de peito aberto, e se permita imergir em suas próprias águas internas.

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Foto: Acervo pessoal

Ritual de autoconhecimento com as sereias 

De noite, preferencialmente se a lua estiver em sua fase nova, se recolha em um local onde você possa estar a sós, sem ser interrompido, por pelo menos uma hora. Tenha em mãos os seguintes itens:

  • Uma vasilha de cerâmica negra com água potável (onde você consiga ver seu próprio reflexo).
  • Uma vela branca ou azul clarinho.
  • Opcional 1: Acender um incenso de mirra ou lavanda no ambiente.
  • Opcional 2: Tomar chá de camomila ou artemísia meia hora antes do rito.

Se você optar por tomar o chá antes do ritual, dê preferência para o seu consumo puro, sem adicionar qualquer adoçante ou açúcar. A camomila atuará mais como um relaxante, para te deixar calmo e receptivo durante o exercício. A artemísia, apesar de mais amarga, auxilia no fortalecimento da nossa intuição, concedendo mais sensibilidade a nossa capacidade de perceber e ver o espiritual.

Após o tempo do chá, se você optar pelos incensos, pode os acender no ambiente que você usará pedindo que, pela força dos ventos, um local seguro e tranquilo possa ser criado em seu benefício. Se você for diretamente para a prática pode simplesmente se organizar para começar.

Sente-se na área preparada com as luzes apagadas. Respire fundo, inspirando e expirando lenta e calmamente três vezes. Procure limpar sua mente de quaisquer preocupações e assuntos do dia, foque-se apenas no momento presente, no que irá fazer. Acenda a vela da cor escolhida num suporte apropriado diante de si e, estendendo as mãos para perto da chama, diga:

Se a vela for branca – ”Assim como esta chama ilumina a escuridão, que eu possa, pela proteção e benção das sereias, neste momento, ver quem eu realmente sou. Me conhecer, para além do que existe na superfície. E assim mais forte poder ser.” 

Se a vela for azul claro – ”A luz afasta as trevas, dissolve e transmuta meus medos e receios. Que pela guia, força e acolhimento das sereias agora eu possa entrar em contato com as minhas camadas mais profundas. Que eu me conheça, e que nisto exista crescimento para mim esta noite.” 

Coloque agora a vasilha negra entre suas mãos. Com a ponta dos seus dedos, suavemente, trace um pentagrama na superfície da água. Ou a mova, como se abrisse uma cortina. Se aproxime dela, dizendo carinhosamente: ”Sereias, sábias e belas Senhoras dos Mares, através de muitas ondas agora as chamo. Peço, humildemente, pela guia daquelas que, dentre vocês, podem querer me ajudar. Pois preciso ver, vislumbrar, no sagrado espelho das águas do mar profundo, minha verdadeira face. Preciso me conhecer, desbravar as águas em mim mesmo, para me curar, para evoluir, para me fortalecer. Venham, me ajudem, e que do meu coração a verdadeira luz possa brotar.”

Coloque a vasilha diante da vela. Respire fundo mais uma vez, se centre. Feche os olhos lentamente. Se veja de pé, numa grande rocha, no fundo do oceano. Diante de você está um grande espelho negro. O que você vê? O que você sente? Pode ser que uma sereia venha, e converse com você, te ajudando a entender o que você enxergará no espelho. Pode ser que você apenas se veja, e sinta o poder delas suavemente conduzir suas emoções para os questionamentos e compreensões necessárias. De qualquer forma, quando sentir que precisa, agradeça e, com calma, abra os olhos novamente. Aproximando a boca da superfície da água, reconheça a ajuda das sereias, seja grato, e com a ponta dos dedos, novamente, desenhe o pentagrama ou as mova como se fechasse uma cortina, fechando o portal nas águas que antes fora aberto. A água pode ser usada para regar uma planta que você tenha, ou pode ser dispensada. Deixe a vela queimar até o fim. Anote, se desejar, tudo que viu e sentiu. Ajudará tanto na compreensão quanto na análise do ritual. Se você desejar ofertar algo as sereias como agradecimento, elas costumam aceitam que você cante para elas, ou mesmo, se puder, que você ofereça flores, velas perfumadas e bebidas suaves.

Espero que sua jornada interior seja rica e bem sucedida. Até mais!