Quem é Lúcifer

Fonte: Acervo pessoal

A imagem que aprendemos a ter sobre Lúcifer, seja através da cultura pop ou através da influência religiosa cristã ao nosso redor, se constrói através de uma linha sucessiva de erros. E de como a cultura popular tanto absorveu quanto se relacionou com o imaginário do anjo rebelde. Tornando, assim, o desfiar do novelo histórico que o envolve uma tarefa e tanto.

É difícil, principalmente para aqueles que tiveram um berço cristão, nunca terem ouvido ou lido a famosa passagem de Isaías 14:12-14

“¹² Como caíste desde o céu, ó Lúcifer, filho da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações!
¹³ E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte.
¹⁴ Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo.”

A figura do mais sublime e alto anjo que, orgulhoso, se rebelou contra o próprio criador e, com isso, causou uma disruptura vital no próprio Universo nos tem um apelo muito particular. Nele temos um herói trágico, a imagem de uma perfeição pervertida, e altamente fascinante justamente por causa disso. Temos a beleza, o poder, a traição, a ira, todas muito exaltadas nessa narrativa. A imagética de uma guerra nos céus, um lugar que supostamente deveria ser habitado apenas pela perfeição e pela paz, captura a imaginação. Nos faz pensar. Refletir.

Mas como Lúcifer, que é um nome oriundo do latim, surgiu em um texto que, em seu original, é em hebraico?

E é neste pequeno detalhe que tudo começa.

Um pouquinho de história

A cronologia de Isaías abrange um período histórico muito específico, englobando em si desde a ocupação assíria até o período pós-exílico, pegando em si também o exílio babilônico. Seu texto nos é passado como a narrativa profética de um só autor mas, hoje em dia, temos evidências o suficiente para sabermos que ele foi um esforço de muitas mãos. E que a passagem sobre a figura que viemos a chamar de Lúcifer é datada como escrita em meados do século VIII AEC, fazendo parte de um contexto altamente político, escrito numa época de guerra, onde Israel perdeu e foi absorvido pelo Império Assírio. É isso que nos dá o tom conservador do autor, e de onde vem sua crítica ao paganismo assírio, ainda que os maiores ataques sejam voltados justamente contra o povo de Israel, que supostamente estavam novamente se afastando de seu Deus e de suas raízes ao aceitar aderir a cultura de seus conquistadores.

Em todos os capítulos iniciais do livro podemos acompanhar uma narrativa extremamente sangrenta. E, na passagem do capítulo 14, a ira profética se volta contra uma figura muito específica. Uma figura que tenta alcançar paridade com o divino. Tendo a Apoteose, a elevação ao status divino, como objetivo. E, contra essa figura, a inversão de seu objetivo é a maldição lançada:

“¹³ E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte.
¹⁴ Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo.
¹⁵ E contudo levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo.
¹⁶ Os que te virem te contemplarão, considerar-te-ão, e dirão: É este o homem que fazia estremecer a terra e que fazia tremer os reinos?
¹⁷ Que punha o mundo como o deserto, e assolava as suas cidades? Que não abria a casa de seus cativos?
¹⁸ Todos os reis das nações, todos eles, jazem com honra, cada um na sua morada.
¹⁹ Porém tu és lançado da tua sepultura, como um renovo abominável, como as vestes dos que foram mortos atravessados à espada, como os que descem ao covil de pedras, como um cadáver pisado.
²⁰ Com eles não te reunirás na sepultura; porque destruíste a tua terra e mataste o teu povo; a descendência dos malignos não será jamais nomeada.
²¹ Preparai a matança para os seus filhos por causa da maldade de seus pais, para que não se levantem, e nem possuam a terra, e encham a face do mundo de cidades.”

Aquele que desejou se elevar recebe o castigo da queda. Sendo expulso de seu próprio túmulo, posto para vagar como um fantasma exilado, não recebendo paz ou reconhecimento, e impedido de se juntar aos seus próprios antepassados. O contraste aqui é propositalmente colocado, e impiedosamente estendido aos filhos dessa figura (um tema que retorna quando nos remetemos aos Nefilim). No entanto, não é de Lúcifer que o narrador está falando aqui.

A figura discutida neste capítulo todo é referenciada como הֵילֵל בֶּן-שָׁחַר (Helel ben Shachar, “o brilhante, filho da manhã”, um título hebraico usado para se referir a Vênus como estrela matutina). E é esta expressão que, quando foi traduzida para o grego na Septuaginta se tornou Phosphorus, ou Hèosphóros, nomes divinizados pelos quais os gregos antigos chamavam Vênus, a Estrela da Manhã. E Phosphorus, por sua vez, quando foi traduzido pela primeira vez para o latim na Vulgata, é que foi então traduzido como Lúcifer. Vindo de lux, que significa luz, e ferre, que significa portador, Lúcifer inicialmente constituía um título que significava literalmente O Portador da Luz. E que, assim como seus equivalentes, era usado como referência a Vênus.

Mas o profeta, claramente, não se referia contra um dos planetas do nosso sistema em sua imprecação. Muito menos as figuras divinas ligadas a ele. Ele se referia contra um homem. Um mortal. Que era passível ao falecimento, sendo então suscetível a maldição contra ele e contra seus herdeiros lançada. Com Helel ben Shachar não sendo um nome, como suas traduções também não o são, mas um título, é ao rei da Babilônia que nos referimos, sendo ele o real alvo da ira do narrador em seu período histórico correspondente.

E, apesar da identidade exata deste rei ainda ser um tema de discussão, o contexto torna provável que ele seja o assírio Sargão II, o mesmo mencionado em Isaías 20:1 como aquele que foi até a cidade de Asdode e a subjugou em 711 AEC, o que completou a conquista de Israel. Como um grande rei guerreiro e conquistador de sua época, Sargão II intencionava conquistar o mundo inteiro, e frequentemente usava para si os títulos reais mais pretenciosos da antiga Mesopotâmia para expressar esse desejo, como chamar a si mesmo em diversos registros de “rei do universo” e de “rei dos quatro cantos do mundo”.

Seu amor pelos campos de batalha era, no entanto, arriscado para alguém que tinha suas pretensões. Afinal, se jogar frequentemente em batalhas não costuma ser algo que prolonga naturalmente nossos dias de vida. E sua morte, como não poderia deixar de ser, foi justamente em guerra. E foi tão marcante para o seu próprio povo na época que foi, inclusive, vista como um mau presságio. Pois para ter sido morto da forma que ele foi, ele só poderia ter cometido alguma falta grave contra os deuses, para que esses o abandonassem em campo.

O que fez com que seu herdeiro, assim que assumiu o trono, rapidamente mudasse a capital para outra cidade e procurasse se afastar da memória de seu pai, não conseguindo lidar com o que aconteceu com ele. De certa forma, o impacto e o trauma gerados por sua morte deram alguma concretização as palavras de Isaías. Com seu filho encorajando o povo da Assíria a o esquecer, e até mesmo com sua esposa, Atalia, sendo enterrada as pressas quando morreu. Sem receber as práticas tradicionais de sepultamento e sem menção alguma a Sargão II atrelada a ela em suas inscrições.

É importante, então, deixar claro que o contexto bíblico que sempre fomos levados a crer em relação a Lúcifer, portanto, não existe. Se derivando completamente da retirada do contexto político de Isaías para que um título fosse, então, tido como um nome próprio. Criando assim, artificialmente, um mito que remeteria e se refletiria em outras figuras míticas prévias cujas lendas são marcadas pelos elementos da fuga, do compartilhamento do fogo ou de dons proibidos e a transgressão dos limites impostos pelo divino. Figuras como Aṯtar (ou Astar), Gilgamesh, Ícaro, Prometeu e muitos outros. Contendo, desta forma, uma vasta inspiração pagã, foi fácil criar uma narrativa charmosa e cativante para essa nova figura.

Afinal, diferentemente do judaísmo que não possui a figura de um inimigo central em sua crença, o catolicismo precisava de um bom antagonista. E foi isso que foi criado. Não só na narrativa do anjo caído através de más traduções, como também na figura multifacetada e complexa que o Diabo em si se tornou, absorvendo tudo que o cristianismo procurou demonizar e transformar em tabu perante as culturas que ele dominou e sufocou ao longo dos séculos. Tornando, assim, a figura de seu opositor muito mais intrincada, complexa, vívida e repleta de cores e nuances do que a figura da sua própria divindade.

Mas e na mitologia romana?

É um ponto comum, em meios pagãos, citarem Dianus Lucifero quando falamos de Lúcifer. Principalmente se estamos falando da bruxaria folclórica italiana, a stregheria. Mas é importante dizer que a ideia de Lúcifer como consorte de Diana e pai de Aradia não tem fontes para além do livro do norte-americano Charles G. Leland, lançado no século XIX, Aradia: Evangelho das Bruxas. Este livro teve uma profunda influência em Gardner, que o usaria junto as suas outras inspirações para criar a Wicca na década de 50. Mas, apesar da relevância, ele nunca se configurou como uma fonte histórica confiável. O que realmente se tem de registros sobre Lúcifer em seu berço, que é romano, não o tem como uma divindade mas sim como um título relacionado a Vênus e, quando se difere disso, é em poucas menções mitológicas onde temos uma licença poética de o retratar como filho da Aurora. Sendo Diana, em si, uma deusa virginal que obteve do pai, Júpiter, a permissão para assim permanecer, nunca tendo se casado ou concebido descendentes.

A figura de Lúcifer sempre foi a figura de Vênus. Não se remetendo, originalmente, a uma divindade. Mas tendo uma evolução histórica que o ampliou da sua correspondência original a figura do rebelde angelical, do adversário, e que foi profundamente absorvido pela cultura e pelo folclore de diversas formas por séculos. Todas as tentativas de colocá-lo ou apenas como uma grande figura pagã ou apenas como o anjo caído na verdade limitam a discussão sobre ele. E limitar Lúcifer a um só ponto no tempo, a uma só passagem ou cultura, no momento presente, é desejar limitar a apenas um gole as águas de um rio que corre por toda história humana. Ele é uma figura complexa. E existe muito mais beleza e riqueza na complexidade do que em respostas simples e chapadas como preto no branco.

No Luciferianismo

Dentro do Luciferianismo, Lúcifer é tido como uma das mais elevadas representações da face masculina do Adversário. Ele é entendido como aquele que traz a Luz e a Sabedoria, guiando a Vontade do adepto até a sua libertação e iluminação. Sendo o ponto focal de inspiração que norteia o nosso caminho para explorarmos as profundezas de nossas mentes e almas, trazendo as sombras até a transformação da luz. Para os luciferianos ateístas, ele é o mais alto símbolo inspiração, para os teístas, ele é considerado (e aí sim) como a divindade patronal do Caminho. Sendo uma representação de poder, de ascensão, de maestria pessoal e de inteligência. Assim como diz Michael W. Ford na Bíblia do Adversário, p.59:

“Lúcifer é equilibrado, representante da luz e do intelecto superior e da escuridão, representando os aspectos lascivos ou ocultos do eu. A ‘Luz’ não é meramente uma iluminação ‘acima’, e sim muito mais importante: a Luz interior onde está nossa consciência individual, nosso potencial divino para controlar e comandar nossa vida com base em nossos pensamentos, palavras e ações. A Chama Negra ou a Luz Negra é a referência simbólica a essa consciência divina interior.”

O equilíbrio perfeito entre a luz e a escuridão sendo um traço característico que define o próprio luciferianismo em si. Afinal, nenhuma iluminação pode ser verdadeira se ela não provém, em primeiro lugar, do contato e da maestria das sombras interiores de um indivíduo. Crescemos e nos desenvolvemos quando temos a coragem de explorar e enfrentar nossa própria obscuridade. Lúcifer traz o conhecimento tanto dos nossos traços e desejos destrutivos quanto de nossas maiores qualidades e criatividade e esse conhecimento não deve ser utilizado para que tentemos “anular” as sombras e focar só no que consideramos mais agradável, visto que isso seria um processo auto destrutivo e vão, mas sim o de equilibrar ambas as polaridades, realmente as acolhendo e compreendendo, pois existe tanto propósito quanto aplicabilidade nos dois lados da moeda.

A figura simbólica do anjo rebelde nos inspira a questionar o mundo ao nosso redor, a percebermos que a rebeldia, quando feita com propósito, pode ser uma força de mudança extremamente necessária e libertadora. A figura do Adversário nos motiva em força e em poder para não temermos o processo de “queda” em nossos infernos pessoais. Pois apesar de difíceis, são processos necessários ao nosso crescimento. E existe uma força única naqueles que foram coroados como senhores do próprio submundo. A figura do Senhor deste Mundo nos guia em como podemos nos desenvolver materialmente em nossas vidas. Pois apesar de focarmos no crescimento do nosso espírito ainda estamos encarnados neste mundo e precisamos ter conforto e vitória nele também.

O luciferianismo pensa a escuridão (o demoníaco) como um símbolo de tudo o que nos é primal. Nosso subconsciente, nossos desejos e necessidades carnais, nosso instinto de sobrevivência, nosso ego, nossos impulsos violentos, nossos desejos animalescos, mas também como nossa força emocional, Pois existe cura e fertilidade nas sombras. Essas coisas, por si só, não são boas ou más. apenas são o que são. E a luz (o angelical) é pensada como o nosso intelecto, o nosso potencial criativo, o nosso pensamento lógico e racional, nossa auto disciplina, nossas habilidades estratégicas e a nossa capacidade de obter sabedoria a partir das nossas experiências e percepções. Ela também não é boa e nem má, ela também apenas é o que é. E diante do equilíbrio que temos na figura de Lúcifer, na Estrela da Manhã que inspira nossa evolução intelectual, e na Estrela Vespertina que nos guia ao poder da escuridão, nos desenvolvemos de forma harmônica e completa.

Lúcifer e Satã seriam o mesmo perante o Luciferianismo?

Tenha sempre em mente que, dentro do Luciferianismo, Lúcifer é a figura do Portador da Luz, representando a sabedoria e a iluminação pessoal. Ele simboliza, em primeiro lugar, os aspectos angélicos ou superiores do Eu, sendo assim um símbolo de poder, evolução e de ascensão. Já a palavra Satã, em sua origem, é um título. Vindo do hebraico שָטָן (significando adversário) e do árabe الشيطان (shaitan) que derivam da raiz semítica šṭn, significando hostil. Podemos ver a utilização deste título para se referir a diversos opositores num sentido geral dentro da Tanakh hebraica, mas nunca sendo usado como nome próprio de uma única figura. Isso só acontece com o advento da Igreja Católica, muitos anos depois, em sua busca por criar o adversário de sua própria crença. Dentro da Mão Esquerda, Lúcifer e Satã se posicionam como faces diferentes da força Adversarial. Cito aqui, novamente, as palavras de Michael W. Ford em sua Bíblia do Adversário, p. 64 e 65:

“A partir de nosso ponto de vista, Lúcifer é um título que significa ‘Portador da Luz’. Satã é o aspecto ígneo que significa inimigo. Nós não reconhecemos a figura de Satã do Antigo Testamento como Lúcifer em qualquer sentido aparente ou absoluto. O Adversário tem muitas formas e Máscaras Deíficas. A Corrente Adversária é a força motivadora que causa mudança, evolução, destruição, criação e pelos desafios que temos diante de nós, um símbolo de força e auto evolução pela vontade. Sob o nome de Satã há um tipo diferente de energia, se comparado a Lúcifer; como uma força essencial da natureza e da humanidade (…) Satã e Lúcifer são formas distintas do Adversário.”

Símbolos de Poder

O Sigilo de Lúcifer do Grimorium Verum (1517)

O sigilo mais famoso e bem reconhecido que temos em utilização dentro do ocultismo e da Mão Esquerda como sigilo de Lúcifer é oriundo do livro Grimorium Verum, de 1517. Nele, Lúcifer é considerado como o Imperador Infernal, tendo sob seu comando os espíritos da Europa e da Ásia (os outros dois principais, abaixo e em conjunto a ele, dentro da narrativa deste grimório, seriam Belzebu, tendo sob o seu comando os espíritos da África e Astaroth, tendo sob o seu comando os espíritos das Américas).

Possuindo quatro partes, o texto original do Grimorium não nos explica muito sobre seus possíveis significados. Em tempos modernos, no entanto, conseguimos encontrar ensaios e diversas formas de os trabalhar dentro da Mão Esquerda, derivando das experiências e do trabalho sério de diversos autores. O que aqui colocarei se refere aos conceitos a eles atribuídos dentro do Caminho Luciferiano. As informações podem ser encontradas no Book of the Witch Moon, das páginas 341 até 344 e na Bíblia do Adversário, das páginas 217 até 222, ambos de Michael W. Ford.

O Sigilo do Espírito – A Chama Negra

Fonte: Acervo pessoal

O símbolo inicial traduz o aspecto principal de Lúcifer como aquele que rege os poderes da mente e do intelecto em relação a Verdadeira Vontade. Representando a Chama Negra coroada, unida e em perfeito domínio das nossas funções conscientes, este sigilo representa o mais alto estado do Espírito dentro do Luciferianismo e ativa os dons da adivinhação, da Alquimia Negra e da auto deificação. Aqui temos o despertar da Articulação Superior da Consciência. O aspecto angélico, que representa a inteligência, a luz, o poder e o equilíbrio.

O Sigilo do Portador da Sabedoria Esquecida – A Espiritualidade Predatória

Fonte: Acervo pessoal

Aqui temos a Marca do Portador da Luz, tanto como encarnação da Iluminação como quanto Príncipe das Trevas. Sendo o sigilo mais conhecido pelo público em geral no que se refere a Lúcifer, temos aqui a representação da nossa razão e de todos nossos cinco sentidos em uso de desejo e foco, através do qual podemos dominar o mundo ao nosso redor. A razão e o intelecto desenvolvidos e bem direcionados, aliados as nossas ações equilibradas e dinâmicas, como a chave para a nossa autoridade e o nosso poder sobre nós mesmos e sobre o que nos cerca. E essa vontade pelo domínio aqui é a Vontade Vampírica, a fome atávica, ponte entre os aspectos angelicais (racionais e elevados) e os bestiais (primitivos e densos). É um símbolo que pode, entre outras coisas, proteger o adepto quando ele se dirige ao devorar do espírito, ao beber da sombra (sombras dos mortos) e ao transmutar da forma dos nossos corpos nos planos astral e onírico.

O Sigilo do Elemento do Ar – O Serafim Caído e a Estrela da Manhã e do Entardecer

Fonte: Acervo pessoal

No Sigilo dos Elementos, ou Sigilo do Elemento Ar, temos a experiência do mundo ao nosso redor. A primavera, o verão, o outono e o inverno, o frio e o calor, a escuridão e a luz, o sol e a chuva, os quatro elementos e o meio ambiente em geral. Neste símbolo, percebemos como o meio nos afeta e como nós o afetamos. O mais voltado ao material dos quatro símbolos, onde temos nossa relação de influência mútua com a natureza, tendo sua utilização voltada aos rituais e meditações onde operamos para influenciar o mundo físico ao nosso redor, ele é um lembrete constante de que podemos moldar os nossos arredores, também agindo como um choque para sairmos das zonas de conforto para testarmos nossas forças continuamente. Os dois símbolos crescentes no topo nos remetem a lua, Senhora da Noite, o triângulo inverso sendo a descida do espírito a matéria, o olho no centro do triângulo sendo o Olho de Satã como Poder do Mundo e os dois olhos abaixo sendo os Olhos do Adepto, nossa máscara de carne neste mundo, com o círculo central sendo o Círculo do Eu, o centro de Evocação em trabalhos cerimoniais por onde se derrama o Espírito.

O Sigilo do Plano Astral e da Viagem Espiritual

Fonte: Acervo pessoal

O último símbolo está relacionado diretamente ao uso dos outros três. Ele representa a Sombra do Adepto, o corpo astral que tem a capacidade de sair de noite para o Sabá dos Feiticeiros. A Sombra Astral é um veículo pelo qual iniciações espirituais são recebidas, podendo ser moldado para quaisquer formas que sejam do nosso agrado, para melhor refletirmos as qualidades do nosso verdadeiro espírito. O olho, aqui, é o vigia flutuante. E seu uso está profundamente ligado a práticas oníricas (incluindo as vampíricas, onde bebemos dos que dormem).

Entendendo o que cada símbolo traz podemos utilizá-los corretamente em nossas práticas e evolução. Cada um deles pode ser absorvido pelo nosso subconsciente, na ativação ritualística, para se converterem então em poder consciente. Afinal, ativados em nosso subconsciente, eles são trazidos de volta ao consciente e a luz como chaves de poder na prática luciferiana.

Experiências Pessoais

Como sou uma luciferiana teísta, o que eu falo aqui parte desta perspectiva. E a minha experiência com Lúcifer é como a divindade patronal do meu caminho. Sendo o meu contato com ele um dos mais leves, naturais e transformadores de toda minha jornada até agora. Estar com ele é fluido, é autêntico, é suave. Sua energia, em seu aspecto luminoso, tem a mesma sensação daquele friozinho revigorante que te desperta em um amanhecer ensolarado. Em seu aspecto denso, é como estar na borda de um precipício, com seus sentidos se aguçando pela adrenalina. Ele é extremamente gentil e educado. No espaço que você abrir para que ele atue em você ele te desenvolverá e, quase que sem notar, quando você se der conta você terá mudado. E não só em um ponto ou dois, mas completamente. A ação dele, mesmo quando pontual, sempre irradia, como a própria luz tem por costume de fazer, e nada mais permanece como era antes do toque dele.

E, justamente pela sua gentileza e por como ele é aberto e caloroso com aqueles que se achegam a ele, as vezes sua rigidez passa quase que desapercebida. Pois sim, ele exige muita disciplina e tem altas expectativas naqueles que estão debaixo das suas asas. Em sua delicadeza e cortesia, ele irá te educar e te retificar sem que você nem note. As coisas vão se alinhar. Você vai se alinhar. E vai ser tão fluido que pode até parecer estranho. Afinal, ele transforma as coisas em uma escala maior do que estamos acostumados. No entanto, nunca confunda sua amabilidade por permissividade. O toque suave pode se transformar em um punho de ferro na mesma velocidade que a luz possui.

Outro ponto bom de não se confundir é a maneira como ele lapida as pessoas sob sua influência e cuidado. Ele é extremamente presente, caloroso, protetor e preocupado com os seus, mas isso não significa que ele não será o professor mais duro e impiedoso da sua jornada ao mesmo tempo. A dualidade entre sua leveza e sua densidade também está nisto. Ele pode te mimar e te dar as provas mais duras que você já viveu na sua vida na mesma semana e sem seu sorriso se alterar por um segundo só. Então esteja pronto para levar as coisas realmente a sério, com comprometimento e dedicação, ao decidir ir até ele. Vale a pena. Vale a pena demais. Para aqueles genuinamente se dedicam.

O Caminho da Estrela da Manhã

Como não pode faltar, o ritual a seguir é para aqueles que querem estabelecer contato com Lúcifer pela primeira vez! Iremos aqui iniciar com seu aspecto luminoso, ligado a Estrela da Manhã.

Para ele, espere a lua estar nas fases nova ou crescente. Então, separe uma manhã para fazê-lo. Dê preferência para as sextas ou para os domingos, mas o importante é que seja um dia em que você possa acordar realmente cedo e ter tempo para ritualizar sem pressa. Localize qual é o Leste em relação a sua casa, ou local onde você realizará o ritual e onde vênus se encontra no céu. Veja também exatamente em qual horário o sol nascerá na sua cidade, pois é antes dele surgir no horizonte que iremos começar a trabalhar, de forma que possamos presenciar a luz nascer durante nossa prática.

Mais ou menos uma hora antes do sol nascer (sim, cedo assim) prepare um banho com as pétalas de uma rosa branca, boldo, hortelã, tomilho e cravo. Tome seu banho higiênico normalmente e, no final, tome o banho de ervas da cabeça para baixo. Então, já limpo e energizado, prepare o local que você irá usar. Dê preferência para locais abertos, onde você possa ver o céu, mas você pode usar um ambiente interno também caso seja sua única possibilidade. O organize e limpe fisicamente e, para a limpeza energética, você pode usar incenso de sândalo ou sangue de dragão. Tenha consigo:

  • Uma representação de Lúcifer (podendo ser uma arte que você goste, seu sigilo, etc)
  • Uma vela branca, verde ou dourada
  • Uma esmeralda (bruta ou lapidada, vai da sua escolha)
  • Vinho rose
  • Rosas vermelhas

Arrume todos elementos como um pequeno altar a Lúcifer, voltado ao Leste. Então, uns 10 minutinhos antes do sol nascer, faça o Círculo. Acenda a vela. Olhe para o céu, para Vênus, e diga:

”Estrela da Manhã
Anunciadora do Dia
Da Vida
Da Beleza e da Virtude
Derrame seu brilho sobre mim neste momento
Seu discernimento e poder
E me eleve
Até a Iluminação
Até a Sabedoria
E a Libertação
De Lúcifer”

Respire profundamente. Se concentre. Deite-se e deixe a esmeralda repousando no centro da sua testa. Olhe para o céu, para vênus, uma última vez e então, feche os olhos. Se imagine no meio de uma densa floresta, aos pés de uma grande montanha, perto do amanhecer. Você percebe que, em suas mãos, você segura o seu próprio coração, feito da mais pura esmeralda. Segure ele perto do seu peito com cuidado e comece a subir a montanha. Seu caminho é lento, com um ou outro obstáculo, mas você consegue avançar e chegar ao topo.

Lá, você consegue ter uma vista panorâmica de todos os arredores. E, no horizonte, você consegue ver os primeiros raios do sol surgindo aos poucos, tingindo o céu lentamente em seu dourado caloroso. Localize vênus no céu. Então, com toda sinceridade, use suas próprias palavras para chamar Lúcifer até você. Fale com todo o seu coração, afinal, ele está em suas mãos neste momento. Repare que, inclusive, enquanto você fala, seu coração começa a brilhar. E, quanto mais você fala, chamando Lúcifer, mais seu coração brilha. Até que, ao final do seu chamado, ele esteja brilhando como uma pequena estrela entre as suas mãos. Olhe para ele, admire seu brilho. Até que, em algum momento, uma luz a sua frente chame a sua atenção.

Olhando para frente novamente, você verá uma silhueta angelical feita da mais pura luz pousando os pés suavemente no topo da montanha, a sua frente. O céu, atrás do anjo de luz e de suas asas, brilha cada vez mais, se tingindo de dourado e tons alaranjados e rosados. Aos poucos, o anjo se aproximará de você. Com sua luz aos poucos se reduzindo e com você conseguindo enxergá-lo melhor, você reconhecerá Lúcifer. O saúde, agradeça pela sua presença. E explique qual é o motivo do seu contato. Ele te ouvirá atentamente. Quando você terminar, ele se aproximará ainda um pouco mais, beijando suavemente o centro da sua testa e pegando o seu coração entre suas mãos. Em um segundo, quando você olhar, nas mãos de Lúcifer, seu coração terá virado uma brilhante coroa de esmeralda. Neste momento, Lúcifer falará algo para você. Ouça atentamente, e desperte da meditação.

Respire fundo novamente, e levante com calma. Já terá amanhecido ao seu redor. Ofereça a vela, o vinho e as rosas a Lúcifer. Agradeça a ele, agradeça a Vênus também. Anote suas impressões. O que você viu, o que você sentiu, o que você ouviu, e encerre o ritual apropriadamente. Espere a vela queimar até o fim e, então, você pode entregar o vinho e as rosas num parque, aos pés de uma árvore bem bonita. Dê preferencia as floridas, ou frutíferas. A esmeralda poderá ficar com você. A mantenha sempre por perto por pelo menos um mês, afinal, ela estará imantada com a energia do ritual! E fique atento aos sinais e sonhos que você poderá ter pelas próximas semanas.

Correspondências

E agora, para fechar o nosso artigo, vamos a algumas correspondências que podem ser usadas com ele! Você irá notar que a maior parte das correspondências aqui dadas são ligadas a Vênus e não é por acaso, afinal, estamos falando de uma força que é ligada a este planeta. Sinta-se livre para as usar como ponto de partida. Então, com o tempo e com o desenvolvimento dos seus estudos, amplie-a com base nas suas próprias experiências e jornada.

Dias: Sexta e Domingo

Horários: Amanhecer e poente

Planeta: Vênus

Pedras: Esmeralda, jade verde, cianita azul, selenita, quartzo

Metal: Cobre e ouro

Cores: Verde, dourado, branco

Incensos: Sangue de Dragão, sândalo, jasmim, rosas

Animais: Serpentes, dragões, corvos e gatos

Ofertas: Vinho tinto ou rose, flores (principalmente rosas vermelhas), frutas e doces

Enn: Renich Tasa Uberaca Biasa Icar Lucifer

Fontes e leituras indicadas: Para a parte histórica em si, Lúcifer: Princeps de Peter Grey sempre é a minha maior fonte e indicação. Dentro do luciferianismo indico A Bíblia do Adversário e Apoteose de Michael W. Ford e também, pegando a corrente dracônica e explorando as diversas facetas de Lúcifer e de figuras que seguem mitos semelhantes ao seu, temos as obras Ritos de Lúcifer e Lúcifer – O Despertar de Asenath Mason.

Até mais!

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Os 11 Pontos Luciferianos de Poder

Fonte: Arquivo pessoal

O Luciferianismo, como vimos em nosso texto introdutório, é um sistema de crença, ou filosofia de vida, que busca se inspirar nas qualidades da figura de Lúcifer como portador de iluminação e conhecimento. Dentro da visão luciferiana, Lúcifer não é visto como o Diabo, mas sim como a representação de uma força libertadora que ilumina a consciência, trazendo discernimento e lucidez. E, dentro desta visão, encontramos os Onze Pontos Luciferianos de Poder. Estabelecidos por Michael W. Ford na fundação da Greater Church of Lucifer em 2014, eles tem a intenção de tanto definir quanto abordar o pensamento e a atitude luciferiana.

Mas longe de serem regras inquestionáveis e imutáveis, os Onze Pontos servem como uma bússola inicial tanto para a compreensão quanto para a aplicação da filosofia luciferiana por parte de seus adeptos, devendo ser interpretados dentro do contexto e da prática de cada um. Afinal, cada luciferiano é único em si mesmo. Tendo, cada qual, liberdade dentro do próprio discernimento e conduta. No texto de hoje do Guia eu discorro e aprofundo a minha compreensão sobre eles. Então bora lá? Vamos a eles:

1 -Lúcifer representa a luz do intelecto, sabedoria e poder somente para o indivíduo com a coragem de ascender a essa responsabilidade

Começamos, no primeiro Ponto, com a concepção de que a visão que possuímos sobre Lúcifer dentro do luciferianismo é tanto original quanto própria e de que ela atenderá apenas aqueles que dele participam e os que se dispõe a ir além dos lugares comuns que temos socialmente sobre a grande Estrela da Manhã. Lúcifer, como o conhecemos, é uma figura historicamente rica e complexa. Dependendo da crença onde a pessoa se encontre ele pode ter diversos atributos, representar valores distintos e ser muitos em si mesmo. O ter como um representante de luz e sabedoria não é uma unanimidade mas sim um demarcador da visão que temos dentro na Mão Esquerda sobre ele, principalmente dentro do luciferianismo em si. O interessante, no entanto, é a forma como o Ponto coloca que essa visão também se trata de uma responsabilidade.

Não bastando, aqui, que o tenhamos como um iluminador apenas conceitualmente mas sim que nos portemos de acordo, o colocando nessa posição ativamente em nossas vidas. Aqui se encontrando a diferença, e a responsabilidade. Tanto pessoal, particular a cada um, mas também para com Lúcifer em si (para aqueles, dentro de nós, que se configuram como teístas). É na práxis que entendemos o que realmente sua luz significa. Como ela se manifesta. E como ela transforma cada adepto em específico. Uma luz que só se torna tangível para aqueles que escolhem se colocar efetivamente sob ela.

2 – O símbolo do Adversário é aquele do auto libertador e do rebelde espiritual que inspira a auto evolução

Assim como discorremos em nosso texto sobre a Corrente do Adversário, a figura adversarial, em si, não fala ou se refere a um ser só em específico mas a uma força anticósmica, acasual, que age e se manifesta como os impulsos motivadores, inspiradores, desafiadores, destruidores e criativos dentro de cada ser humano e na natureza como um todo. Sendo ele a pulsão que flui através de nós como o instinto primal da revolta, para vencermos as adversidades e evoluirmos. Muitas figuras, em diversas mitologias ao longo das eras, possuem atributos adversariais e se colocam nesta posição. Pois, sem esta força, não temos movimento. Mas nenhuma delas é o Adversário em si. Pois ele é uma pulsão que tudo permeia, para muito além das figuras através das quais sua energia flui e é a nós codificada.

3 – Lúcifer representa o portador equilibrado da tocha de Vênus: Aquele que Traz a Luz como a Estrela da Manhã e o Portador da Noite como a Estrela Vespertina

No terceiro Ponto encontramos, num primeiro vislumbre, o que será aprofundado no quinto Ponto: a visão de Lúcifer como um ser dual, que traz em si o equilíbrio entre sua própria luz e sua própria sombra. Este equilíbrio permeia e distingue toda doutrina luciferiana em si. Nenhuma luz é verdadeira se não for nascida do âmago das trevas, e nenhuma escuridão existe sem sua própria luminosidade. Ambas são manifestações opostas do mesmo princípio cósmico que, em sua dança, se move e se equilibra constantemente. Uma não existindo para fora ou na ausência da outra. O portador da tocha de Vênus que traz o amanhecer e o crepúsculo são um e o mesmo. Não sendo possível a nós interagir com um sem também aceitar o outro.

4 – O Adversário simboliza a centelha da consciência que questiona todas as coisas, manifestando o caminho individualista com responsabilidade apenas consigo mesmo

Como já mencionado, o Adversário, perante a visão da Mão Esquerda, simboliza uma Corrente energética específica que permeia e percorre tudo que existe. Se alinhar a ele exige consciência, constante aprimoramento pessoal e auto responsabilidade. Neste caminho você não é responsável por ninguém além de si mesmo. Você pode ser extremamente social em outras camadas da sua vida, mas tenha em mente que, espiritualmente, este caminho faz parte da Via Sinistrae e ela, por definição, como aqui vimos, é um caminho de separação e auto regência.

5- A queda de Lúcifer simboliza a libertação da mente da mentalidade escrava e a coragem para explorar e dominar a escuridão interior. Não se pode oferecer a iluminação da Estrela Matutina sem a sabedoria da escuridão interior

Em um aprofundamento da dualidade apresentada no terceiro ponto aqui temos a função evolutiva das adversidades (das sombras) da Corrente sendo demonstrada no mito da queda. Apenas a centelha da rebeldia pode nos fazer desejar algo para além daquilo que fomos condicionados incialmente. Questionando, desacreditando, percebendo as discrepâncias. Todos que começam a ver além das aparências iniciais de um local dele são expulsos para não perturbar a ordem dos que lá ainda permanecem. E exige coragem se dispor a isso.

Não só por se perder a proteção e o acolhimento do grupo, mas por termos que, após a expulsão, nos encararmos e nos definirmos para além do que somos em relação ao outro. Como os seres sociais que somos, evoluímos enquanto espécie dentro de estratégias que focam o coletivo. Desta forma a maioria de nós, por natureza, descobre e formula quem se é e tem seu senso de identidade baseado nas estruturas e hierarquias sociais disponíveis a si, não enxergando ou se expandindo para além delas. Sendo este exercício desorientador no início, mas recompensador em seu final. Onde passamos a não nos basear em nada externo para sabermos quem somos mas sim em um senso de identidade, e de luz, de fato auto regente e soberano em si próprio.

O caminho, por sua própria natureza, irá nos fazer entrar em discrepância com nosso meio. Irá nos fazer “cair”, perder as certezas que antes tínhamos, sair do conforto que antes conhecíamos e enfrentar em isolamento nossas próprias trevas. Mas é apenas através delas que podemos criar nossa verdadeira luz. Nosso verdadeiro poder, potencial e força. Onde não se encaixar deixa de ser um lamento para ser uma fonte de autoconhecimento e poderio.

6 – O Adversário representa rebelião com propósito: sabedoria, força e poder

Como já citado aqui, a rebeldia do Adversário não existe apenas por existir. Ela é o motor das mudanças e do movimento do mundo. Afinal, sem oposição nada muda. É o grito dos inconformistas que muda as leis, que desafia o status quo, que nos faz avançar enquanto sociedade. São os rebeldes que trazem novas ideias, que apontam onde estão as falhas, que cospem na cara do que está velho para que algo novo surja. Todo movimento precisa ter um propósito por trás de si. Um propósito que se guie pelo avanço, pelo fortalecimento e pela melhora.

7 – Lúcifer representa a coragem e a firmeza para adquirir amor próprio saudável, levando á responsabilidade de honrar seu templo da mente, corpo e espírito

No sétimo Ponto temos um tópico que o Ford gosta muito de valorizar e nem todos autores ocultistas colocam em destaque, apesar de ser essencial: o cuidado que devemos ter conosco como um todo. Não apenas espiritualmente, mas principalmente fisicamente. Você não irá evoluir espiritualmente, seja qual for sua interpretação sobre o que quer que isso seja se, ao mesmo tempo, você não cuidar da sua existência material e física.

Nesta terra, no momento, ninguém existe apenas como espírito. Temos mentes e corpos dos quais é igualmente sagrado e essencial cuidar. E, sendo Lúcifer uma manifestação de Vênus, ele é popularmente conhecido por colocar seus adeptos em dia com os cuidados com seus próprios corpos e saúde tanto quanto em disciplina com suas jornadas espirituais. O que, na prática, é sempre mais trabalhoso do que no discurso. E aprender a se amar, se respeitar, se cuidar e se nutrir como um todo faz parte do caminho com tanta ou mais importância do que performar rituais intrincados e ter grandes experiências espirituais.

8 – Para se tornar seu próprio deus, você deve ter a sabedoria e a força para governar e guiar sua vida, como se sua mente fosse sobreviver além do corpo mortal

A questão da auto deificação é complexa dentro da Mão Esquerda. Nem todas vertentes, autores e praticantes tem a mesma exata visão sobre ela. Mas a que o Ford aqui trás é a do indivíduo soberano em relação a si próprio. A independência que é marcada dentro da Via Sinistrae, onde não aceitamos mestre ou autoridade sobre nós além da nossa própria. O adepto da Esquerda é essencialmente anárquico em sua natureza, negando toda autoridade que tente lhe comandar. E, ao final, também temos a visão costumeira de Ford de que não podemos de fato provar que algo para além vida existe, mas não faz mal nos guiarmos tendo em mente que também não podemos provar que esse algo não existe. Afinal, só chegando lá descobriremos.

9 – Indulgência com moderação, amor pelo merecimento e desdém para com os indignos

O nono e o décimo Ponto carregam em si bastante da moral que temos dentro da literatura satanista de LaVey. O que não é de todo estranho, visto que ambos o satanismo e o luciferianismo modernos tem histórias entrelaçadas e se carregam e avançam como crenças irmãs dentro da Mão Esquerda. Aqui, a diferença geralmente se encontrará na maneira como o luciferianismo reforça a moderação e o equilíbrio em sua indulgência. Mas o ponto de não se desperdiçar afeto indiscriminadamente permanece inalterado. Ambas crenças colocam como anti natural a postura de se amar todas as coisas, dizendo que não devemos desperdiçar esse sentimento naqueles que demonstram que irão apenas nos desgastar através dele. Como dizem, faz parte de uma boa higiene emocional que nem todos tenham acesso a você. Reserve sua doçura para quem realmente a celebrará junto a você e não para aqueles que te usarão por ela. Aprenda a dizer não, estabeleça limites não negociáveis, e se preserve.

10 – Lúcifer representa a percepção de que cada ato, não importa se percebido como altruísta, é um ato egoísta. Mesmo se ajudar os outros é a sua paixão, o cérebro ainda recebe uma recompensa química desencadeada pelo ato. Portanto, muitos consideram que fazer boas ações na sociedade pode aproximar você de “deus”. Reconheça que você é egoísta, então veja esse fato em todos os outros enquanto observa. Aceite isso e depois, com esse conhecimento, faça escolhas que beneficiem não só a você, mas seus entes queridos também, quando possível.

O décimo Ponto coloca a natureza da intencionalidade que devemos ter em nossos atos em foco. Pois tudo o que fazemos é, essencialmente, aquilo que julgamos bom ou correto para nós mesmos dentro dos nossos valores pessoais e julgamento interno. O bem e o mal que fazemos, em igual forma, é feito dentro do que achamos justo dentro da nossa própria lógica. Buscamos aquilo que desejamos e tem para nós apelo, seja o que for. E não existe absolutamente nada de errado nisso.

De forma que sempre é extremamente insidioso colocar a armadilha do que é moralmente mais ou menos nobre dentro desta dinâmica. Somos, assim como tudo neste Universo, neutros em natureza. Dependendo de diversos contextos e circunstâncias para calibrar nossas ações e julgamento ao que mais se alinha ao nossos ideais e a nossa preservação. Quem mais tenta se dizer moralmente irrepreensível e nobre é quem mais percebe em si mesmo falhas a compensar. Todos santos em campanha tem demônios bem alimentados a esconder. Não seja como eles, reluzindo um brilho apenas performático. Faça o que for, sendo positivo ou negativo, tendo em mente o seu bem estar e o conforto daqueles que somam com você sem prender seus pés na arapuca de querer colocar um halo em sua própria cabeça.

Afinal, não existe nada de mais verdadeiramente egoísta, no sentido pejorativo da palavra, do que se colocar como um eterno e perfeito bonzinho que se sacrifica numa cruz por todos apenas para deixá-los com um sentimento de dívida para com você, que deve ser paga em retorno com adoração e aplausos. Chame isso pelo que realmente é: manipulação.

11 – Se tornar um deus é entender completamente que você possui o poder de criar e sustentar seu caminho na vida e inflamar a luz do potencial de autodeterminação

No décimo primeiro e final Ponto Ford volta a sua definição da auto deificação como um processo de soberania pessoal. A decisão de sairmos de onde estamos e começarmos um longo processo pelo nosso próprio desenvolvimento, em todas as instâncias, não pode partir de nenhuma força que não seja a nossa própria, internamente. Nós devemos ser os maiores e únicos interessados aqui. E devemos fazer isso por motivos verdadeiramente próprios. Afinal, a Via Sinistrae separa de nós tudo que é externo para que, desta forma, possamos conhecer profundamente quem verdadeiramente somos. Podendo então, nos dirigirmos sem distrações a luz da nossa Verdadeira Vontade.

Até mais!

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Primeiros passos – O Chamado dos Guias

Fonte: Acervo pessoal

No último texto do Guia, que você pode ler aqui, iniciamos o nosso diálogo sobre qual é o papel dos guias espirituais dentro da Mão Esquerda e como nos relacionamos com o divino e com forças espirituais neste caminho. Agora, tendo mais clareza sobre qual é natureza da dinâmica que aqui temos, vamos nos aprofundar um pouco mais na parte prática dela. Afinal, por quais motivos estabeleceríamos contato com as figuras da Mão Esquerda? Por qual motivo elas estabeleceriam contato conosco? Com o fator da adoração sendo totalmente excluído, o que podemos esperar delas e o que elas esperam de nós? Existe algum preço a ser pago?

Em primeiro lugar lembre-se que o caminho que trilhamos na Mão Esquerda, se não estamos em uma vertente ateísta, é um caminho profundamente espiritual. E, quando nos alinhamos a um caminho espiritual, qualquer que seja, os seres e energias deste caminho também se alinham a nós. Estando no catolicismo não seria estranho termos a presença de certos anjos e santos em nossas vidas. Ingressando para a Umbanda, igualmente, se é esperado que as entidades que fazem parte dela entrem em contato conosco. Afinal, estamos ali nos abrindo para aquele caminho e para tudo que ele contém.

E na Esquerda, como já falamos, nos alinhamos a Corrente do Adversário. Isso significa que as energias e seres para o qual nos abrimos ao contato nela são as pertencentes a sua vibração. O motivo pelo qual cada um de nós se abre a esse processo é profundamente pessoal mas é importante termos a clareza de que somos nós que nos abrimos para ele e nunca o oposto. Somos nós que saímos de onde estamos e vamos ao descampado que é a Mão Esquerda nos expormos as suas reveses e não ela que bate na nossa porta, domingo de manhã, perguntando se gostaríamos ou não de ouvir a palavra do Adversário. Afinal, essa postura é de outra vertente que nada tem em comum com o que aqui fazemos.

Aqui, entramos no caminho por vontade própria. Sabendo o que ele é. Sabendo o que ele propõe. E assumimos os nossos riscos a partir do exercício do nosso livre arbítrio. Pois existe algo dentro de nós que nos alinha a isso. Uma inquietação que nos provoca. Um desejo por algo que esteja além. Além das cercas de segurança. Além do convencional. Além daquilo que nos disseram e nos ensinaram. É de nós que parte o incomodo inicial. É do cerne dos nossos corações que partem os primeiros questionamentos. As insatisfações. Somos nós que nos opomos ao que temos em primeiro, é de dentro de nós que surge o desejo de nos separarmos daquilo que conhecemos para buscar algo diferente.

O primeiro adversário do nosso caminho somos nós mesmos, com nossas mentes questionadoras que não aceitam a primeira explicação, com nossos olhos desassossegados que reparam em mais do que deveriam, com nossas palavras revoltas e com a nossa sede insaciável por algo que ainda nem sabemos o que é. Somos nós que atravessamos longas distâncias até a Mão Esquerda, intencionalmente. Incendiando esse traço opositor dentro de nós mesmos. Desta forma, naturalmente a ela nos alinhando e nos abrindo para o contato de seres que desta forma, como nós, vibram. Afinal, energeticamente, opostos nunca se alinham. São os iguais que se agrupam. E aqueles que são como somos tem muito para ensinar sobre a nossa própria natureza.

“Isso quer dizer que eu me alinharia as figuras da Esquerda e elas se alinhariam a mim por afinidade?” Sim, precisamente. E isso não é uma exclusividade da Esquerda. Isso é algo com o qual você irá se deparar em qualquer caminho que seja. Vamos tomar o cenário pagão atual como exemplo por um momento. Dentro dele, presentemente, será muito comum acharmos pessoas que se devotam e tem a deusa Hécate como parte ativa das suas práticas. Ela, de fato, é uma deusa que dispensa palavras e introduções. E, como divindade, ela tanto representa como trás correntes e princípios específicos aos quais nós podemos estar ou não em conformidade.

Hécate representa e governa sobre espaços liminares. Ou seja, sobre tudo aquilo que está entre uma coisa e outra. Podemos nos referir a pontes, escadarias, portas e encruzilhadas quando falamos de locais físicos pois eles são exemplos daquilo que faz a ligação entre dois pontos ou lugares diferentes na matéria. Mas também podemos falar dos momentos confusos onde transicionamos de uma fase da nossa vida para outra. Podemos falar de estados de transe, alterações de consciência. De tudo que nos coloca como ponto de encontro entre planos. Ela representa nossa intuição, ela representa mudança, ela traz transformação. Por isso mesmo é comum que ela encontre pessoas quando essas estejam em momentos muito escuros de suas próprias vidas, porque ela é uma guia para aqueles que estejam entre estados e precisam fazer transições densas em segurança. Por isso ela é tão comum entre bruxas, aquelas que se colocam como encruzilhadas vivas entre mundos. E por isso ouvimos tanto que ela surge para novatos no paganismo, pois eles estão alterando suas jornadas espirituais.

Neste sentido, divindades não exatamente chamam pessoas mas sim são essas pessoas que estão, no momento, como participantes naturais dos princípios que essas divindades regem. Se você é um musicista, você está alinhado naturalmente com a força que Apolo representa. Um pescador já está em afinidade com Poseidon, sem precisar forçar nada. Um artífice, um ourives, já representa a ação de Hefesto no mundo. Desta forma, pense mais nesse alinhamento do que em ser, de alguma forma, escolhido por um princípio divino. Somos nós que nos posicionamos como integrantes do fluxo de determinadas forças por meio da forma como existimos e agimos, através das nossas aptidões e ações, revelando por elas qual energia manifestamos neste mundo.

Quem somos é o que nos traz para determinadas profissões, locais e jeitos de se viver a vida. Incluindo nisso a espiritualidade que professamos ou não. É natural que, entrando em um determinado caminho, se ele realmente ressoa conosco, entremos em contato com seres que representem e sejam coisas em comum conosco. Mesmo que não estejamos cientes disso ainda. Sendo eles, nesse caso, representantes daquilo que iremos desenvolver ou entrar em contato a respeito de nós mesmos.

Quem se alinha aos marginalizados? Quem partilha o dissabor daqueles que são colocados como vilões pelas suas famílias e sociedades apenas por serem diferentes? Por trazerem desconforto com seus questionamentos? Por não se encaixarem? Para onde vai o bode expiatório, expulso da sua comunidade como imundo, se não para os braços de Azazel, no meio do deserto? Quem recebe aquele que denuncia as estruturas abusivas e autoritárias ao redor de si, tentando democratizar um conhecimento que é tido como proibido e perigoso, se não os braços Lúcifer? Quem aceitaria sem julgamentos aquele que recebeu sobre si a projeção de todo o ódio e de todo medo das pessoas ao seu redor ao longo de toda sua vida além de Satã? O homem de preto se encontra na encruzilhada, estendendo a mão para todos aqueles que foram brutalizados por serem quem são. Pois existem caminhos para todos, não só para o que é tido como convencional.

Por isso também este caminho se coloca como um caminho de separação. Ninguém se cura e se desenvolve em meio ao que lhe rejeita. Sendo a Esquerda, em grande e vasta parte, aquela que dá espaço a esses que foram separados por não serem o que se esperava. Por não estarem dentro daquilo que é tido como desejável, como certo, como normativo. Que escapam como crianças perdidas, como frutos daquilo que é desprezado e odiado. Tendo como uma das suas funções principais restaurar o que foi arrancado de dentro destes: o senso saudável de eu. Por isso a lição não é sobre dobrar os joelhos mas sim aprender a estar de pé como aquilo que verdadeiramente se é.

Mas se coloca como de extrema importância estarmos cientes de que despertar para este caminho e para o andar com figuras opositórias, combativas e que representam o papel do antagonista não é fácil. Elas são, por natureza, desafiadoras da ordem. Representando tudo aquilo que é marginalizado e tido como tabu. E suas atuações se dão, portanto, através da destruição, do caos, das dificuldades e dos desafios. Afinal, elas personificam tudo que já foi, ao longo da história, considerado como indesejável e como adverso pela humanidade. Não só no sentido daquilo que a humanidade temeu por não poder controlar e por ser maior que si, como as forças destrutivas da natureza, mas também em tudo aquilo que ela vilanizou dentro de si mesma. Então se abrir para esse caminho é, á vista disso, se abrir ao hostil e ao que não é seguro.

“Mas então você está falando que se alinhar a Corrente do Adversário e se abrir ao contato das figuras que fazem parte dela é perigoso?” Sim. Eu estou. Mesmo para aqueles que se alinham naturalmente a ela. E isso sempre estará claro aqui. Mas não no sentido de dizer que é algo que não deve ser feito em hipótese alguma mas sim no de trazer a conscientização de que, se você o fizer, precisará ser mediante a uma grande responsabilidade pessoal. Visto que, como foi dito no texto anterior, você terá que se ser capaz de conduzir a si mesmo sozinho. Então saiba muito bem por qual motivo você gostaria de se alinhar a uma corrente energética como essa e se dispor ao contato dos seus seres e saiba que a responsabilidade é sua para o bem ou para o mal.

Pois, apesar da grande parte dos que estão nesta trilha serem os desgarrados e os selvagens, nem todos que assim o são por aqui andariam. Pois essa jornada exige níveis de transformação muito maiores do que a maioria das pessoas está disposta a sofrer, e por meios muito mais drásticos do que muitos poderiam optar. As figuras que temos na Esquerda, pela própria natureza do caminho, são figuras fortes e desafiadoras que tem sua atuação marcada pela sua postura adversarial. Elas destruirão tudo que somos, pedaço por pedaço, para que possamos nos reconstruir de volta em uma nova configuração.

Saiba disso. Realmente compreenda isso. No fundo da sua alma. Antes de querer começar qualquer processo por aqui. Pois entrar na Esquerda é se responsabilizar por si mesmo e nada do que você fará poderá ser por acidente. Conheça o seu desejo. Pois o preço não será a venda de uma hipotética alma mas sim se colocar ativamente no processo de uma forja. Onde deixamos totalmente de fora o foco em uma adoração externa para nos voltarmos a bruta transformação interna. Uma transformação por processos radicais, destrutivos e muitas vezes dolorosos. Onde o seu propósito deve ser forte o suficiente para sustentar a chama da alma através de tudo que ela passará.

Pois seus Guias irão te desmembrar. Eles irão dissolver tudo na sua vida, incluindo quem você é, para que então, apenas após isso, eles te ajudem a se solidificar novamente. Solve et Coagula. Nada unido pode ser sem que antes seja desmontado. V.I.T.R.I.O.L. Visita Interiora Terrae, Rectificando, Invenies Occultum Lapidem. É visitando o centro da Terra, o cerne de tudo que somos, vendo nossas verdadeiras fundações, retificando-nos, que encontraremos a Pedra Oculta, o nosso verdadeiro eu. Esta é a alquimia interna. O que tantos antes de nós nesta jornada chamaram de Verdadeira Obra. Mercúrio, enxofre e sal. Conheça o seu desejo.

Até mais!

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Primeiros passos – Os Guias do Caminho

Fonte: Arquivo pessoal

A Mão Esquerda é um caminho de independência e de individualização por excelência, como vimos aqui. Sendo assim, qual é a relação que temos com o divino e com forças espirituais dentro dela? Para começar a refletir sobre essa questão eu iniciarei com as palavras de Michael W. Ford na sua Bíblia do Adversário, p. 71:

“Um Luciferiano é ciente de que ele ou ela está sozinho neste mundo, mas isso pode ser um pensamento reconfortante quando você considera que é você quem pode tornar a vida boa ou má dependendo do Pensamento, da Palavra e da Ação. Os Luciferianos são interna e espiritualmente solitários para que possam iluminar a sua Luz Negra e a alegria e o êxtase de criar e destruir. Fisicamente, onde devemos ser cuidadosos ao definir nossa prática, é abordá-la no começo ou na fundação. Se você pensa ou no seu subconsciente acredita que está ‘respondendo a Satã’, então há questões de abordagem fundamentais que causarão um fracasso continuo.

Poderes demoníacos são poderes daemoníacos, eles mantêm a escuridão e a luz em tudo. Não há uma força absoluta, como isso devoraria completamente a si mesmo pela extremidade de sua própria natureza. Razão, lembra? Somente um cristão se aproximaria de Satã ou de Lúcifer como se eles fossem divindades cristãs. Os Luciferianos não permitiriam isso, pois seria uma auto degradação se curvarem diante de algo a mais. Se os Luciferianos exaltam Lúcifer, Ahriman ou Lilith, isso é feito a partir de uma perspectiva de auto amor e auto deificação.”

Apesar de suas palavras virem especificamente do ponto de vista luciferiano, elas conseguem expressar algo vital dentro da jornada da Via Sinistrae: o leme do navio da sua vida está nas suas mãos. E é você que tem que conduzi-lo, por si próprio. É você que escolhe para qual direção ir, como ir, e onde você quer chegar. O plano da sua vida não pertence a nenhuma divindade a não ser a você mesmo. E, se você não está satisfeito com alguma coisa ou quer alguma mudança, é você que tem que se levantar e lutar por ela. Você tem que se responsabilizar por você mesmo. Tomar o mérito do seu sucesso em suas mãos, assim como assumir a dor das suas derrotas. Ninguém deveria, e nem vai, pegar você pela mão aqui. É você que deve aprender a como se conduzir.

Isso vale para os praticantes ateístas da Mão Esquerda tanto quanto, ou até muito mais, aos praticantes teístas dentro dela. Afinal, como uma Via possuidora de muitos braços distintos, nem todo mundo é ateísta por aqui. E esse ponto se faz notar demais justamente no caminhar de quem não o é. Pois os Guias da Mão Esquerda não conduzem os seus pupilos como os Guias da Direita o fazem, pela própria natureza distinta de ambas as Vias.

A Mão Direita tem seu foco na prática da entrega. Nela nos entregamos ao outro, a nossa comunidade, ao bem comum e ao que julgamos ser o grande princípio divino de onde todas as coisas vem. Ela nos coloca na posição do servir e, dentro dela, aprendemos a não ver só pela nossa própria perspectiva mas sempre pelo bem maior. Se levada ao extremo, sem equilíbrio, ela pode anular completamente o eu. Quando existimos apenas pelos outros, abrindo total mão de nós mesmos e nos reduzindo a um local de nenhuma importância. Nesse extremo, nos escravizamos.

A Mão Esquerda, sendo a direção oposta, tem seu foco na prática da individualização. Nos voltamos a nós mesmos, a quem realmente somos, independentemente de nossas comunidades, e ao que nos fortalece particularmente. Aqui ficamos na posição da valorização pessoal e da independência, onde aprendemos a sermos soberanos de nós mesmos. Se levado ao extremo, sem equilíbrio, ela pode nos levar ao egoísmo, onde colocamos o outro no local de nenhuma importância. Nesse extremo, nos isolamos. Assim, ambas as duas Vias devem ser trilhadas de forma ponderada, sensata e responsável. Mas serão muito diferentes em suas abordagens e caminhos. Afinal, são aprendizados distintos.

Enquanto os Guias da Via Dexterae ensinarão você a confiar, a se entregar, a olhar para além de si mesmo, os Guias da via Sinistrae irão te ensinar a discernir, a questionar, a olhar para si mesmo e a andar com as suas próprias pernas. Eles estarão no seu caminho para te ensinar a ser independente e não a depender deles. A enfrentar as coisas por si mesmo, e não a se esconder atrás do poder deles. E a caminhar por si mesmo, fazendo suas próprias escolhas, sem que eles precisem te dizer o tempo todo o que fazer e para onde ir. Eles estarão lá para te ajudar a descobrir quem você realmente é no seu âmago, para que você possa assumir isso ao mundo com confiança, tomando o seu destino nas suas próprias mãos ao invés de entregá-lo aos outros.

Por isso mesmo, eles não irão exigir de você servidão ou adoração mas sim respeito, constante estudo, aprendizado, e disposição para enfrentar e vencer desafios. Como professores severos, eles não vão fazer tudo por você mas sim te mostrar possibilidades e te testar através delas. E essa abordagem é, na maioria das vezes, naturalmente diferente daquela que aprendemos a ter com figuras divinas e espirituais em nossas vidas.

Em solo brasileiro, a maior parte de nós vem de uma criação e de uma mentalidade cristãs onde o dobrar dos nossos joelhos é a única postura correta a se ter perante aquilo que está para além de nós. Não nos é ensinado qualquer outra postura ou concepção. Então, mesmo quando saímos das igrejas e daquilo que nos foi ensinado, a falta de outros parâmetros pode fazer com que só troquemos o nome do deus cristão por outros nomes sem mudar nossa postura perante essas figuras. E é isso que aqui precisa ser o foco da mudança. Não tente caminhar pela Esquerda com os mesmos sapatos feitos para a estrada da Direita. Eles não irão ter nenhuma real serventia aqui.

A primeira mudança deve ser interna. Deve ser a compreensão clara daquilo que a Via Sinistrae realmente é e, com isso, de como ela funciona. Para que você não esteja nela como um adorador mas sim como um indivíduo independente pelo seu próprio direito e poder.

E olha, o relacionamento que temos entre nós e aqueles que nos guiam na Esquerda não é menos intenso, íntimo ou respeitoso por não ser pautado no servir e no adorar. Na verdade, sinto muito ser exatamente o oposto. Quando o que é esperado de nós é mais do que só obedecer tudo se torna muito mais complexo e muito mais profundo. A partir do momento em que nos colocamos como a principal figura ativa na criação dos nossos caminhos ao invés de apenas nos deixarmos ser conduzidos isso passa a exigir muito mais força, mais dedicação, mais estudo e mais esperteza do que jamais nos foi exigido antes. Aprender a andar com as nossas próprias pernas sempre é mais difícil do que entregar o nosso caminho para que outras forças dirijam as coisas no nosso lugar. Assim, aqueles irão nos ajudar a aprender isso não o farão nos carregando no colo, mas exigindo maturidade e responsabilidade da nossa parte.

Eu vejo muito a diferença entre a postura dos nossos guias na Via Dexterae e na Sinistrae como a diferença na abordagem que nossos pais ou cuidadores tem conosco na nossa infância e no começo da nossa vida adulta. Na Direita somos muito como crianças, confiando com toda pureza do nosso coração naqueles que cuidam de nós. Os procurando para nos proteger, nos ensinar e para prover nossas necessidades. Na Esquerda esses cuidadores já nos veem como figuras adultas, com discernimento e capacidade para começar a dar os nossos primeiros passos sozinhos.

Podemos ainda precisar de apoio e de orientação, mas não da mesma forma de como quando éramos apenas crianças e totalmente dependente deles. Já temos as nossas próprias ideias, gostos e personalidades aqui. E o suporte que precisamos, justamente por isso, não é mais o mesmo suporte de antes mas um novo, focado nas novas demandas que agora temos dando os primeiros passos da nossa vida adulta. Não é mais necessário que alguém nos ajude a comer colocando uma colherzinha na nossa boca, mas é muito útil, por exemplo, ter ajuda para declarar o imposto de renda pela primeira vez.

Claramente, essa é só uma alegoria, mas creio que passe a ideia. Na Esquerda, uma nova maturidade é desenvolvida em nós. E a relação que o espiritual terá conosco, nos vendo como figuras responsáveis, não será a mesma de quando nos colocávamos como inocentes e como submissos. Independentemente se o seu caminho te levar a figuras infernais como Lúcifer ou Lilith ou a divindades ligadas ao submundo e a magia, todas elas esperarão que você tenha responsabilidade para com elas, para consigo mesmo e para com o seu caminho. Afinal, você não é mais uma criança dependente mas sim um adulto criando o próprio caminho. Escolha muito bem as alianças que você formará ao longo da sua jornada pela Mão Esquerda, sempre tendo em vista para onde você deseja ir e quem você quer se tornar a longo prazo. Afinal, sempre nos tornamos tal qual aqueles com os quais nos aliamos.

Até mais!

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A Corrente do Adversário

Páginas do livro A Bíblia do Adversário de Michael W. Ford com ilustração do artista Jose Gabriel Sabogal e carta Ás de Paus do Goetia – Tarot in Darkness de Fabio Listrani – Acervo Pessoal

Independentemente de onde você se alinhe dentro da Mão Esquerda uma coisa é certa: todos aqueles que trilham a Via Sinistrae a trilham pela Corrente do Adversário.

Mas o que isso significaria, exatamente?

Quando buscamos pelas definições básicas que temos em nossos dicionários vemos que adversário é aquele que é contra algo ou alguém. É a figura do antagonista. Aquele que entra em combate contra algo, que é capaz de se opor e que ocupa o posto do rival. Através das histórias e mitologias do mundo sempre encontramos pelo menos uma figura a carregar esse posto. Se marcando pela sua insatisfação e rebeldia, o adversário caracteristicamente vai contra as normas, sendo um desafiador da ordem e aquele que traz a força opositora, os desafios e as dificuldades. Sem ele, não temos movimento e nem sequer evolução pois ele está sempre no cerne do motivo pelos quais as coisas são retiradas de seus lugares, questionadas, testadas e por fim transformadas.

O adversário não precisa necessariamente ser uma figura vilanesca. Mas ele geralmente é enquadrado como por trazer incômodos a tona. É comum que ele traga e represente tabus, figuras marginalizadas, temas delicados e coisas que as pessoas tem dificuldade para lidar. A existência dele obriga as figuras ao seu redor a se mexerem e a encarem coisas que elas não gostariam, fazendo mudanças que de outra forma elas não fariam, revendo seus conceitos para que exista um crescimento para além da zona de conforto. Assim, a figura do adversário sempre é desagradável e sempre traz desconforto. Por mais que esse desconforto tenha, em si, uma função fundamental no andar das narrativas em que ele se encontra.

Como vimos dentro da própria definição do que é a Mão Esquerda, é nela que entramos em contato com essas forças de oposição. Pois é nela que saímos daquilo que é tido como seguro, socialmente estabelecido e aceitável para lidar com as nossas próprias sombras, medos, preconceitos e defeitos. Lidar com a nossa própria escuridão interior, com nossos traumas e processos de auto sabotagem nunca é fácil. Assim como não o é se abrir para questionar o mundo ao nosso redor, formulando nossa própria visão independente, mesmo que isso signifique destoar dos demais. O caminho da Esquerda sempre é o caminho da separação e do antagonismo. E isso, por definição, nunca é fácil.

Se alinhar a Corrente do Adversário é se alinhar a energia de oposição e de inconformidade do universo. E a responsabilidade que trilhar esse caminho impõe é alta. Nele, sempre temos que lidar com obstáculos, com resistências, com dificuldades. Avançar onde cada passo se dá através do questionamento e do enfrentamento é solitário e, muitas vezes, ingrato. O exercício de escolher com maturidade em quais batalhas entramos e, principalmente, em como nelas entramos é constante. Afinal, o dom do Adversário não flui através de nós para sermos rebeldes apenas pelo ato de se rebelar em si, sem nenhum propósito maior, mas sim para sermos a força que expõe o que é mentira, que denuncia a hipocrisia, que rasga o véu das ilusões e do caos e que traz evolução através da adversidade.

Colocando o dedo nas piores feridas. Denunciando as desigualdades. Se levantando para lutar contra preconceitos, para ser a voz daqueles que não podem se defender, jamais batendo naqueles que estão abaixo mas sim cuspindo diretamente na face dos que estão acima. Tendo a coragem de dizer que o rei está nu, que ele é um imbecil, assim como todo o sistema que o mantém em sua posição. Desafiando toda autoridade. Sendo a voz mais irada e agressiva da razão.

A Corrente, como um caudaloso rio, flui através de cada ato daqueles que não se conformam. Através de cada palavra proferida pelas bocas daqueles que sabem fazer as perguntas certas. Através daqueles que se recusam a dar a outra face. Através daqueles cuja simples existência já é o suficiente para provocar rebuliço.

Não existe uma única figura adversária que seja a fonte desta Corrente. Seu fluir faz parte natural da vida. Ela passa por todos nós quando precisamos sair da inércia. Ela nos faz mudar. Nos desfazendo de quem fomos previamente para nos reconstruirmos em novos seres. Sem ela, nada iria para frente. Nada se transformaria. A adversidade é a mãe de todos os processos evolutivos do nosso universo. Ela está no gosto amargo em nossas bocas, na insatisfação que nos leva a luta, nas revoluções que tudo mudaram e na fúria do coração daqueles que, como dizemos, preferem reinar no inferno do que servir no céu. Suas diversas faces podem ser encontradas em todas as culturas do mundo. Nas figuras mitológicas de oposição, no grito dos grupos marginalizados, nas lutas sociais e nos bodes expiatórios de cada grupo e de cada família.

Vemos o brilho de suas águas turbulentas no olhar raivoso daqueles que são desumanizados simplesmente por serem quem são. Ouvimos seu murmúrio nas vozes que gritam por justiça e por mudança. E olhamos através delas quando nos permitimos enxergar quais processos demonizam certas figuras enquanto outras são louvadas.

Dentro dela, como é de se supor, não entramos em contato com figuras que carregam o posto e os atributos da Corrente (como Satã, Lúcifer, Azazel, Samael, Ahriman, Az, Lilith e muitos outros) com a mesma perspectiva do senso comum e sim como símbolos codificados da Corrente. E, se somos teístas, como manifestações puras da energia do Adversário que, se estudadas e decifradas corretamente, podem trazer conhecimentos e força para além das aparências.

Em nenhuma das diversas vertentes da Mão Esquerda se acredita na cosmologia cristã como os cristãos nela acreditam. O Adversário é uma força anticósmica, acasual, que age e se manifesta como os impulsos motivadores, inspiradores, desafiadores, destruidores e criativos dentro de cada ser humano e na natureza como um todo. Ele é a pulsão da Corrente que flui através de todos nós como o instinto primal de vencer as adversidades e evoluir. E, se alinhar a ele, é sair dos limites do status quo para a subversão que o altera. Nos levando adiante. Nos fazendo crescer, amadurecer e progredir.

Até mais!

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Resenha – A Bíblia do Adversário de Michael W. Ford

A Bíblia do Adversário de Michael W. Ford – Fonte: Arquivo pessoal

A resenha de hoje será sobre um dos maiores clássicos do luciferianismo: A Bíblia do Adversário de Michael W. Ford! Trataremos aqui especificamente da Adversarial Flame, a edição comemorativa do aniversário de dez anos da obra, pois é ela que temos traduzida e disponibilizada no mercado brasileiro oficialmente pelo trabalho primoroso da Editora Via Sestra.

Ficha Técnica

Autor: Michael W. Ford. Contando também com contribuições, ao longo do livro, de Hopemarie Ford e Frater Du’al-Karnain Siyah-Chal

Editora: Originalmente publicado pela Succubus Productions Publishing e nacionalmente pela Via Sestra

Idioma: Disponível em inglês, espanhol e português

Páginas: 384

Ano: 2017

Sinopse do livro

A Bíblia do Adversário, Adversarial Flame – Edição do 10º Aniversário é tanto uma introdução filosófica quanto um grimório de auto iniciação a Magia Luciferiana. Publicado originalmente em 2007, A Bíblia do Adversário forneceu uma unificação moderna e esclarecimento do poder do Caminho da Mão Esquerda e do Luciferianismo, reconhecendo o poder iniciatico do Adversário. A presente edição de aniversário, Adversarial Flame, apresenta um grimório completamente reeditado e expandido que começa com os 11 Pontos de Poder e os fundamentos filosóficos; guiando o leitor nas profundezas da escuridão e usando Vontade, Desejo e Crença, iluminando a Chama Negra ou Luz interior. Ilustrado por J.G.A. Sabogal (da edição em espanhol), Mitchell Nolte e Kitti Solymosi, a edição Adversarial Flame continuará a ser um guia para o Espírito Luciferiano e Adversarial nos próximos anos.
Características:

  • Filosofia do Luciferianismo desde os 11 Pontos de Poder até as Leis de Belial.
  • Tipos de Magia Luciferiana, incluindo Yatuk Dinoih (Feitiçaria Ahrimaniana Persa) e Therionick (Baixa Feitiçaria), Vampirismo e Apoteose (Alta Magia).
  • Símbolos e sigilos de Lúcifer, Satanás, Lilith, Samael e Lilith explicados.
  • Técnicas de fortalecimento da Mente via Meditação, Disciplina e Foco da Vontade.
  • Cerimônias e Rituais do Luciferianismo que focam na Libertação, Iluminação e Apoteose.
  • Cerimônias e “feriados” luciferianos, incluindo trabalhos de casamento, destruição e sepultamento.
  • Sigilos, Ilustrações e representações de Divindades Luciferianas e Arimânicas, Demônios e Energias Espirituais que são conhecidas como “Máscaras Deíficas” para as quais o Adepto Negro invoca e usa para aprimorar por meio de Liberação, Iluminação e Apoteose.

Resenha

Para quem quer conhecer mais sobre o luciferianismo desenvolvido por Ford, A Bíblia do Adversário é um excelente ponto de partida. Nela temos vários pontos já expostos em Apoteose sendo discorridos através de um maior volume de páginas, além de vários novos pontos que são apresentados de forma fascinante conforme vamos nos aprofundando em seus capítulos. Como um livro que pavimentou o caminho de seu nicho para que muita coisa viesse em sua sequência, é um livro essencial na biblioteca pessoal de todo luciferiano.

Pontos Positivos

Assim como eu pontuei na resenha de Apoteose, A Bíblia do Adversário também começa focando na parte filosófica do luciferianismo, o que eu acho sempre muito positivo. Aqui, mantemos a liberdade natural que Ford sempre coloca a vista dos seus leitores no fato de que ele nos dá as chaves mas deixa em nossas mãos decidir como exatamente iremos as usar. O que sempre é a minha parte favorita, e se torna ainda mais aqui. Pois muitas linhas diferentes são apresentadas como possibilidades ao leitor e vai de cada um escolher por qual vereda irá desenvolver a própria prática luciferiana. Como um bom adepto da Mão Esquerda, Ford não pega ninguém no colo dizendo quando e como fazer o que, mas expondo o raciocínio por detrás da sua linha de trabalho de forma que você possa usar dos mesmos pontos de partida para escolher ou criar a sua própria abordagem. Eu não o teria tanto como um livro cheio de “receitas de bolo” mas sim como um livro que, se devidamente usado, nos ajuda a construir nossa própria lógica. A parte prática do livro pode sim ajudar o leitor a ter suas primeiras experiências, a sentir como é o sabor da Corrente, mas são um princípio, uma base, e não um final. Até porque muitas coisas irão precisar de aprofundamento em outras obras do autor. Acredito que a melhor forma de se aproveitar esse livro é o retomar várias vezes conforme progredimos dentro dos nossos caminhos pessoais. Leia-o pela primeira vez, absorva de seu conteúdo o máximo que puder, e vá ter o seu próprio desenvolvimento. Depois de um tempo, já com alguma bagagem, pegue-o de novo. Você verá que irão ter novas coisas ali para serem absorvidas que antes, pela falta de experiência, você não notou. Novas ideias e percepções sempre estarão disponíveis entre as suas páginas.

Pontos Negativos

Se tratando de um livro tão bom e já tão bem estabelecido dentro dos meios de Mão Esquerda, os pontos negativos que citarei aqui são mais reflexões e opiniões pessoais do que algum desmerecer da obra, ok? Dito isso, assim como pontuei na minha resenha de Apoteose, acho o estilo de escrita de Ford pouco fluido num geral. Tornando seus textos obras para você ler um pouco por dia e não muitas páginas de uma vez só. Outro ponto negativo aqui é que a evolução dos temas é truncada. Temos muito conteúdo sendo desenvolvido de forma picada em pontos distintos. O que faz a obra ensimesmar em si própria, retomando questões repetidamente em uma espiral para dentro de si mesma, ao invés de seguir uma linha de apresentação de ideias, desenvolvimento e conclusões. Não sei se foi algo proposital ou não, talvez tenha sido, talvez não. De qualquer forma, você anda em círculos dentro do livro com vários de seus temas. E muitos deles acabam não sendo de fato aprofundados por mais do que poucos parágrafos de exposição, com o leitor recebendo a indicação de outros livros do mesmo autor para ir atrás se houver o desejo de realmente se informar mais sobre. O que para muitos pode ser frustrante.

A obra de Ford é extensa e bastante completa. Se você pegar os livros que ele indica para aprofundamento as informações realmente vão estar lá, belíssimas. Mas é desnecessário colocar tantas vezes num livro o “se você quiser mais informações sobre isso tem esse meu outro livro aqui”, sabe? Uma ou outra vez isso pode ser compreendido. Mas, depois da quinta vez, fica uma má impressão. E, se tratando de um autor tão experiente e com tanto conhecimento para oferecer, fica até mesmo impróprio. Ele pode ter utilizado disso para não se repetir muito, ou para não tornar o livro um tomo imenso, mas existem jeitos melhores de se evitar isso.

Fora esses pontos, minhas outras pontuações são bastante pessoais naquilo que eu concordo ou não com o autor. Acredito que muitas das críticas que ele tece com fundo social carecem de um horizonte mais ampliado, com recortes para além de só criticar o cristianismo e a “cultura das massas”. Mas esse é um problema que eu não vejo só nele como também no meio da Mão Esquerda num geral, como já disse em minha resenha de Apoteose. Não deixa de ser um livro bom por causa disso. claro. Mas simplifica, muitas vezes, temas sociais que na verdade são muito mais complexos.

Acessibilidade: A obra foi muito popularizada aqui no Brasil em sua edição original através de pdfs piratas que você ainda pode encontrar facilmente por aí. Arrisco dizer que foram esses pdfs que trouxeram popularidade ao Ford aqui no país, junto com os pdfs igualmente ilegais da primeira edição de Goetia Luciferiana. E esses foram, durante muitos anos, as únicas obras que muita gente por aqui teve acesso em relação ao trabalho dele, pelo resto nunca ter sido traduzido nem da forma muito duvidosa e capenga que os pdfs geralmente são. De forma que eu fico realmente muito feliz de ver esse e, finalmente, outros livros dele começarem a serem publicados aqui de forma oficial! Então já sabem, para aqueles que puderem comprar o livro físico, eu super indico mesmo a compra. É claro que os pdfs ainda estão por aí aos montes. Mas é um livro ótimo para se ter mesmo. Belíssimo nas suas ilustrações, bom no conteúdo, e essencial na biblioteca particular de todo praticante da Mão Esquerda, seja por qual vertente for.

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Até mais!

Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

Círculo básico de Mão Esquerda

Fonte: Arquivo pessoal

Continuando o post anterior sobre Círculos, aqui coloco uma estrutura básica que pode ser facilmente usada por aqueles que estão no começo de suas práticas na Mão Esquerda. Sua composição é inspirada tanto na Cruz Cabalística do RmP quanto no Rito Menor Luciferiano, então, não deixe de ver também o post sobre eles aqui para se orientar melhor! Inicie a realização deste Círculo, assim como nos outros dois do post anterior, começando com a purificação ambiente.

Purificação

Inicie limpando e organizando o seu espaço fisicamente. Você pode varrer o chão, mudar um pouco os móveis de lugar para criar espaço, e arrumar quaisquer coisas que você precise para a sua ritualística. Feito isso, a purificação espiritual pode ser feita tanto através de defumação quanto através de sons ou da aspersão de líquidos. Se você escolher a defumação, escolha ervas apropriadas para a limpeza do seu ambiente e passe a fumaça delas com cuidado por todo a área falando que quaisquer energias e seres não convidados ou não alinhados ao propósito do ritual que você fará estão, naquele momento, sendo retirados do local.

O mesmo vale se você escolher fazer o purificação por som, onde você pode usar mantras, o som de um sino ou etc decretando o mesmo propósito. A aspersão, geralmente, é feita com um pouco de água com sal. Da mesma forma da defumação, você aspergirá gotas da água salgada por todo ambiente falando e visualizando que qualquer coisa não convidada ou alinhada sairá do ambiente, ficando ele limpo e puro. Após a organização e limpeza do seu espaço, se concentre, trazendo sua consciência para o momento presente, e comece pela Cruz Luciferiana:

Se coloque no centro de onde o Círculo será feito e, voltado para o Oeste, visualize uma esfera branca e brilhante acima da sua cabeça. Sua energia é fria, mas poderosa. Toque o centro da sua testa com seus dedos indicador e médio e, assim que sua visualização sobre ela estiver firme, vibre: Yaltabaoth-Samael!

Agora, a esfera de luz seguirá os seus dedos. Toque a região a frente dos seus genitais e vibre: Aeshma-Taromati!

Toque seu ombro direito e vibre: Do-Mar!

Toque seu ombro esquerdo e vibre: Dehak!

Então, visualize a esfera de energia indo até o centro do seu peitoral, se tornando um brilhante pentagrama reverso vermelho, te energizando, enquanto você cruza seus braços sobre a região e vibra: Andar!

Agora, com sua adaga ritual ou com seus dedos indicador e médio, comece a traçar o Círculo. Em cada quadrante você visualizará uma chama colorida diferente, representando as direções e forças que serão convidadas. Enquanto faz a visualização e chama pelos nomes, faça com a ponta da sua adaga, ou dos seus dedos, o traçado de um pentagrama de invocação no ar, da mesma cor de cada chama que você visualizar.

Traçado do Círculo

Se volte para o Oeste e visualize uma chama azul, de centro escuro, a sua frente. Trace o pentagrama de invocação com calma diante da chama, e o visualize no mesmo azul que ela. Inspire profundamente e diga: Que das profundezas abissais venha Leviatã! Que pelo seu corpo este Círculo seja circundado e que pela intensidade feroz dos seus negros mares ele seja inundado, para que daqui a minha Vontade flua penetrante pelas correntes do Universo sem o que lhe resista!

Se volte para o Sul e visualize uma chama vermelho escuro a sua frente. Trace o pentagrama de invocação diante da chama, e o visualize no mesmo vermelho que ela. Inspire novamente e diga: Que de escaldantes desertos venha Azazel! Que o fogo da sua divina inspiração resplandeça no meu espírito e em meus atos para que deste Círculo o meu Poder incendeie mundos!

Se volte para o Leste e visualize uma chama amarelo clara, quase branca, a sua frente. Trace o pentagrama de invocação diante da chama, e o visualize no mesmo amarelo que ela. Inspire profundamente e diga: Que da mais cálida luz celeste venha Lúcifer! Que seu brilho ilumine minha mente e os meus pensamentos para que deste Círculo Sabedoria se professe e livre se cumpra!

Se volte para o Norte e visualize um chama de fogo negro a sua frente. Trace o pentagrama de invocação diante da chama e o visualize no mesmo negror que ela. Inspire e diga: Que do selvagem e desolado venha Lilith! Que sua pulsão conduza meus sentidos e instintos para a manifestação perfeita dos anseios do meu Desejo!

De volta ao Oeste, com os olhos fechados, visualize cada uma das energias que você invocou. Veja as entidades personificadas, cada uma delas, ao seu redor, em cada quadrante. Abra os braços, sentindo a energia ao seu redor, e diga: Me circulam o poder de Leviatã e Azazel e me cercam as essências de Lúcifer e Lilith. Anuncio o meu intento sagrado como essência divina encarnada enquanto ascendo sobre os céus e me firmo sob a terra. Assim acima como abaixo!

O Círculo está formado. Faça sua ritualística sem pressa e, quando terminar, novamente se coloque no centro do espaço, dizendo: Encerro aqui o meu trabalho e agradeço aos poderes de Leviatã e Azazel, assim como as essências de Lúcifer e Lilith, por terem me auxiliado. Anunciei meu intento sagrado e, a partir de agora, ele se cumpre. Pois acima dos céus alcancei e abaixo da terra me firmei. Assim como é acima, é abaixo!

Com sua adaga, ou com a ponta dos seus dedos indicador e médio, agora volte aos quadrantes. Faça o pentagrama de banimento em cada um deles, imaginando suas chamas se dissolvendo lentamente enquanto diz

ao Oeste: A Leviatã agradeço pela presença e pelo poder. Vá em paz!

ao Norte: A Lilith agradeço pela presença e pelo poder. Vá em paz!

ao Leste: A Lúcifer agradeço pela presença e pelo poder. Vá em paz!

e ao Sul: A Azazel agradeço pela presença e pelo poder. Vá em paz!

Se colocando de novo ao Oeste, repita a Cruz Luciferiana para te centrar mais uma vez, realinhando e harmonizando as energias que ainda estão em você e ao seu redor. Caso sinta necessidade, repita também a purificação espiritual do ambiente, organizando o local de volta, e está feito!

Aterramento

Durante esse passo a passo você limpou o ambiente, retirando tudo o que não era adequado, se alinhou, chamou pelos nomes de poder e fez sua ritualística erguendo uma boa quantidade de energia. Depois de repetir o banimento é importante que você se desconecte do ritual que você acabou de performar de forma saudável, voltando sua consciência ao mundano novamente. Para isso, temos o aterramento. Sem ele, você pode ficar sobrecarregado psicologicamente pelo excesso de emoções que você trabalhou ou pelas experiências que você teve durante a sua ritualística. Meu método favorito de aterramento é simplesmente tomar um banho relaxante e ir comer alguma coisa.

No banho, foque nas sensações físicas. Respire devagar. Solte qualquer tensão que possa ainda estar em você. Imagine qualquer excesso, ou impureza que seja, indo pelo ralo junto com a água enquanto você relaxa e volta a si mesmo. Coma algo que você goste, que reponha suas energias caso você precise, e não esqueça de beber algo para se hidratar. Depois disso, descanse! Você fez um bom trabalho.

Observação: Dependendo da linha e do autor, não será incomum você ver os nomes associados as direções mudarem. Tanto Samael quanto Satã algumas vezes são colocado ao Sul como Senhores do Fogo, assim como Belial ou Naamah podem ser colocados ao Norte como Senhores da Terra. Sendo um ponto em comum entre diversas tradições sempre colocar Lúcifer ao Leste, pela sua simbologia como Estrela da Manhã e Senhor do Ar, e Leviatã a Oeste, por ser ele o Senhor dos Mares Abissais. Então estude sempre, estando atento as diferenças e ao significado que é dado a cada detalhe.

Até mais!

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Resenha – Apoteose de Michael W. Ford

Capa comum da edição brasileira de Apoteose de Michael W. Ford lançada pela Editora Via Sestra

Na resenha de hoje temos um livro escrito especialmente para aqueles que estão iniciando no Caminho da Mão Esquerda e no Luciferianismo: Apoteose de Michael W. Ford!

Ficha Técnica

Autores: Michael W. Ford, com contribuições de sua esposa Hopemarie Ford

Editora: Succubus Productions Publishing e Apotheca Luciferian, estando também disponível pela BALG (Become A Living God) e sendo lançada nacionalmente pela Editora Via Sestra

Idioma: Inglês e Português

Páginas: 209 na versão em inglês e 208 pela Via Sestra

Ano: 2019

Sinopse do livro

O que é a filosofia luciferiana? Como você a aplica? Como você se auto inicia no luciferianismo? Ao longo dos anos, concentrei-me além da pesquisa e me dediquei à prática consistente de múltiplas tradições dentro do luciferianismo, e minha obsessão mágica foi cristalizar, refinar e aprimorar a base dessa filosofia. O que torna o luciferianismo harmonioso e paralelo a outras escolas de pensamento e tradições do Caminho da Mão Esquerda? O que separa o Luciferianismo de outras escolas de pensamento e obras do Caminho da Mão Esquerda? Em Apoteose você aprenderá: Os 11 Pontos de Poder e os 4 Pilares do luciferianismo, as Palavras Mágicas de Poder do Adversário, 3 Chaves Mágicas para a Ascensão no Caminho da Mão Esquerda, como invocar e encarnar o seu próprio Daemon, como passar pelo Teste da Máscara do Diabo, Símbolos Chave e Máscaras Deíficas do luciferianismo, 12 ferramentas essenciais e iniciações da magia luciferiana, 9 dos mais poderosos Círculos Ritualísticos e Triângulos e verdades reais sobre Lúcifer, Yahweh e muito mais. Apoteose é uma cartilha definitiva sobre a Filosofia Luciferiana e sua prática mágica especialmente para iniciantes ou para aqueles que estão curiosos sobre o que é o Luciferianismo e como esse caminho é semelhante e diferente de outras tradições. Michael W. Ford escreveu este livro para oferecer um fundamento filosófico conciso para o neófito que busca os detalhes da iniciação luciferiana. Editado por Timothy Donahue e prefácio por E.A. Koetting.

Resenha

Que Michael W. Ford é um dos principais autores contemporâneos sobre luciferianismo é indiscutível. Sendo autor de mais de trinta livros dedicados a Via Sinistra ao longo de mais de duas décadas de dedicação ele coloca Apoteose como sua cartilha para iniciantes. Se você quer conhecer o estilo de trabalho dele, seu sistema, e como ele coloca a filosofia luciferiana esse é o livro correto para se começar. Como um trabalho que foca em introduzir conceitos e dar as bases das práticas básicas do luciferianismo o leitor tem nele um guia prático e direto ao ponto. Sendo dividido em três partes, no Livro Um temos A Tríade da Estrela da Manhã, focando na parte filosófica e na preparação da mente, do corpo e do espírito do adepto, no Livro Dois temos a Ignis Daemonicus, focando na parte dos ritos cerimoniais e da prática mágica básica do luciferianismo e no Livro Três temos Lúcifer e o Espírito Satânico focando em origens mitológicas, histórias religiosas e mitos relevantes ao caminho luciferiano.

Pontos Positivos

O fato do livro começar justamente focando bastante na parte filosófica antes de falar da parte da prática cerimonial, para mim, é um grande acerto de Apoteose. Entender racionalmente a filosofia do luciferianismo deve sempre ser o primeiro passo. Até para que o leitor veja se ele se alinha com suas ideias e com sua forma de encarar e experienciar a vida, onde o começo sempre é aprimorar a si mesmo para, só depois, pensar em mudanças externas. Outro ponto muito positivo de Ford é que ele não coloca as suas palavras e ideias como absolutas. Como um bom luciferiano, ele te encoraja a formar suas próprias interpretações e ideias, adaptadas as suas necessidades e a quem você é. Afinal, cada luciferiano é único, sendo autônomo e responsável por suas convicções e sua conduta, ao invés de simplesmente ser o seguidor das ideias de algum figurão. Neste caminho, desenvolver um pensamento crítico e independente é essencial e sempre é muito positivo quando os autores enfatizam isso. A segunda parte do livro, Ignis Daemonicus, passa uma boa base sobre instrumentos, construção ritual e abordagem cerimonial luciferiana, contendo um rito de auto iniciação simples, poderoso e muito bonito. Então, se você quer se iniciar na Corrente, é maravilhoso.

Pontos Negativos

Apesar de Ford ser um autor de referência no meio luciferiano, inclusive dentro da minha prática pessoal (acredito ser difícil encontrar um luciferiano que não tenha suas obras como fundamentais), o estilo da sua escrita não é o meu favorito. Existem capítulos em que o texto se torna enfadonho e você precisa reler algumas vezes certos parágrafos para realmente absorver o que ele quis dizer. Por mais que Apoteose seja um dos seus livros mais diretos e práticos, afinal é todo o ponto da obra, ainda assim eu sinto um pouco da morosidade natural dele pelas páginas. Também tenho um incômodo muito particular com como ele aplica termos como “animais de rebanho” para falar da maioria social num geral. Por mais que dê perfeitamente para entender o ponto dele acredito que o tom coloca muito a culpa nas pessoas em si por estarem em meio a uma determinada cultura de massa e não a estrutura que as prende a ela. Existem muito mais complexidades nesta questão em específico, inclusive históricas e políticas, que podem ser incluídas e discutidas com mais profundidade do que só dizer que as massas são imbecis porque simplesmente a são. E eu gostaria que o tema, na Mão Esquerda num geral, saísse do lugar comum e amadurecesse mais. Mas esta é uma posição minha, pessoal, que você não precisa aderir. Entre seus comentários sobre o satanismo em si Ford também tem o momento de citar a ONA como anarquista, o que sempre me faz dar aquela risada nervosa de puro desgosto. É aquilo, ele saiu da ONA, então: enfim. E ele dá essa passada de pano desde Book of the Witch Moon, um dos seus primeiros livros, de 2006. Não é uma passada de pano que eu recomende a ninguém, ele o faz até hoje só para justificar o seu próprio histórico. Fora esses pontos, o livro é perfeito.

Acessibilidade: Tem pdf dele sim tanto em inglês quanto em português. Porém, como se trata de um livro já lançado oficialmente por uma editora nacional eu sempre indico que, caso você tenha condições para, você o compre fisicamente. Vale muito a pena!

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Luciferianismo – Um breve resumo histórico

Fonte: Arquivo pessoal

O Luciferianismo é um sistema de crença, ou filosofia de vida, que busca se inspirar nas qualidades da figura de Lúcifer como portador de iluminação e conhecimento. Dentro da visão luciferiana, Lúcifer não é visto como o Diabo, mas sim como a representação de uma força libertadora que ilumina a consciência, trazendo discernimento e lucidez.

Para entendermos como esse conceito se constrói é importante analisarmos, em primeiro lugar, as próprias origens do nome Lúcifer em si. Vindo do latim lux, que significa luz, e ferre, que significa portador, Lúcifer significa literalmente O Portador da Luz. Ou, em outras interpretações, a Estrela da Manhã e o Filho D’alva. Expressões que, ao longo dos séculos, foram usadas inicialmente apenas para representar o planeta Vênus, um dos corpos celestes mais brilhantes que temos em nosso sistema, que mantém sua luz ao lado da lua até o raiar do dia.

Temos em Isaías 14: 12-15 a única menção ao nome Lúcifer dentro da Bíblia. Sendo ela fruto de um equívoco de tradução. Em todo capítulo, o profeta Isaías se concentra em condenar o rei que governava a Babilônia em sua época, dizendo que a sua soberba seria, futuramente, a causa de sua queda. Ele é referenciado como הֵילֵל בֶּן-שָׁחַר (Helel ben Shachar, “o brilhante, filho da manhã”, em hebraico). Quando o texto original em hebraico foi traduzido para o grego na Septuaginta, Helel ben Shacḥar se tornou Phosphorus, ou Hèosphóros, nomes divinizados pelos quais os gregos antigos chamavam Vênus, a Estrela da Manhã. E Phosphorus, por sua vez, quando foi traduzido pela primeira vez para o latim na Vulgata, foi então traduzido como Lúcifer, a partir do qual o nome começou a ser usado não mais como uma referência ao planeta Vênus mas sim como um dos nomes do Diabo cristão.

É dessa sucessão de traduções e da falta do contexto de que o profeta tecia uma crítica política a um governante de sua época que temos o versículo 12 de Isaías 14 criando a concepção, dentro do catolicismo, do Diabo como anjo caído. O conceito do belo anjo rebelde que caiu da graça de seu criador se tornou extremamente cativante, sendo absorvido rapidamente dentro do folclore popular ao redor do mundo, tornando Lúcifer uma figura muito mais complexa e rica culturalmente nos dias de hoje do que em seu original, apenas como um dos nomes de Vênus.

Temos sua presença marcada na Divina Comédia de Dante, no século XIV. Assim como no poema épico Paraíso Perdido, escrito por John Milton e publicado pela primeira vez em 1667, que tornou a figura do anjo caído em um um verdadeiro anti-herói, misturando a mitologia cristã com os próprios sentimentos republicanos de Milton contra o Rei da Inglaterra e a favor de uma melhor representação e poder parlamentar.

O termo luciferiano, no sentido de adorador de Lúcifer, foi usado pela primeira vez na Gesta Treverorum, uma coleção de histórias, lendas e registros dos Arcebispos de Trier, em 1231, relatando sobre um círculo religioso que teria sido liderado por uma mulher conhecida como Lucardis. Sua seita teria sido exposta por Konrad von Marburg e pela Inquisição Papal. Em 1234, o Papa Gregório IX também emitiu uma bula Vox in Roma pedindo uma cruzada contra os camponeses de Stedinger, no noroeste da Alemanha, que se rebelavam contra a Igreja, os acusando de luciferianismo. A bula teria uma descrição detalhada de supostos ritos e crenças desses camponeses, que hoje em dia é considerada como inteiramente fictícia.

Saindo da época medieval, onde luciferianos eram apenas algumas figuras marcadas que incomodavam e se rebelavam contra a Igreja, temos o surgimento da Lucifer the Lightbearer como um jornal anarquista publicado nos Estados Unidos no final do século XIX e começo do século XX por Moses Harman, que assim o nomeou para expressar a missão do jornal em levar luz e consciência política aos seus leitores. Sendo através da consciência política e do esclarecimento que um ”novo dia” poderia surgir. Lucifer também foi o título de uma revista independente publicada pela primeira vez por Helena Blavatsky, existindo de 1889 até sua morte em maio de 1891. Em seus escritos também temos Lúcifer como uma força intelectual positiva que poderia guiar a humanidade por um caminho mais equilibrado.

Madeline Montalban, astróloga e maga cerimonial, seria a próxima voz a tomar o termo luciferianismo para si ao fundar a Order of the Morning Star, ou Ordo Stella Matutina (OMS), em 1956 ao lado de Nicholas Heron, fotógrafo e jornalista. Dentro da OMS Lúcifer era venerado como uma entidade angélica benevolente e, em seu segundo material oficial, O Livro de Lumiel, escrito por Montalban, é relatada a compreensão da Ordem tanto sobre Lúcifer como sobre seu envolvimento com a humanidade.

Depois de Montalban, temos a Greater Church of Lucifer (GCoL), fundada em 2014 sob a liderança de Jacob Mckelvy e tendo como co-presidentes Michael W. Ford, ex-integrante da ONA, e Jeremy Crow, fundador da Luciferian Research Society. Seus ensinamentos, até o encerramento de suas atividades, foram mais seculares e focados no mundo prático do que no espiritual. Tendo sua filosofia definida pelos 11 Pontos Luciferianos de Poder, de autoria de Ford.

A Luciferian Research Society segue suas atividades até hoje, encabeçada por Crow, como uma plataforma independente e um podcast voltado ao Caminho da Mão Esquerda. Mckelvy, até onde se sabe, se converteu ao cristianismo. E Ford, por sua vez, segue como fundador da Order of Phosphorus, sendo autor de vários livros tanto sobre o Luciferianismo quanto sobre o Caminho da Mão Esquerda num geral.

Assim como no Satanismo, o Luciferianismo não possui uma igreja ou Ordem oficial, muito menos uma figura central. Seus adeptos são livres para estudar os diversos autores e obras que compuseram a filosofia ao longo do tempo de forma independente, criando seu caminho de forma autônoma. Existem aqueles que tem Lúcifer unicamente como um símbolo alegórico inspirador de luz e sabedoria, assim como os satanistas ateístas tem em Satã um símbolo de transgressão e liberdade. Mas também existem aqueles que se relacionam com Lúcifer como uma entidade real, complexa e multifacetada, por toda sua história e evolução ao longo do tempo, trabalhando com suas mais diversas faces.

Seja como for, a busca constante pelo conhecimento, pelo aprimoramento pessoal e pela independência marcam o caminho de todos os luciferianos. Afinal, como o Portador da Luz, Lúcifer dissipa quaisquer trevas lançadas pelo medo e pela ignorância.

Para ler mais ler mais sobre o tema eu indico os livros Lucifer: Princeps de Peter Grey, A Bíblia do Adversário de Michael W. Ford, Apoteose, do mesmo autor, e a dupla Rites of Lucifer e Lúcifer – O Despertar de Asenath Mason.

Até mais!

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