Quem é Lilith

Fonte: Arquivo pessoal

Lilith é uma figura complexa. Sendo interpretada tanto quanto como deusa quanto como demônio, suas origens vem até nós desde as antigas Suméria e Mesopotâmia, passando pelas tradições judaicas e islâmicas, até o ocultismo ocidental e seus grimórios. Hoje a temos em diversas interpretações tanto dentro do paganismo e da bruxaria quanto também dentro da Mão Esquerda.

Um pouquinho de história

A primeira referência que temos a ela, até o momento, surge na Epopeia de Gilgamesh, um antigo poema épico mesopotâmico constituído por doze placas de escrita cuneiforme. Sendo uma das primeiras obras conhecidas da literatura humana, escrito por volta de 2700 a.C. (Para você ter uma ideia, os próprios poemas homéricos surgem cerca de 1500 anos depois dela). Em sua narrativa mitológica temos a seguinte passagem na Tábua XII:

“Os anos passaram, a árvore amadureceu e cresceu. Mas Inanna era incapaz de cortá-la. Pois, em sua base, a cobra que ‘não se deixa encantar’ construíra um ninho. Na copa, o pássaro Zu – criatura mitológica que as vezes criava encrencas – deixara os filhotes. E, no meio, Lilith, a donzela da desolação, construíra sua casa. E, assim, a pobre Inanna, donzela de bom coração e perene alegria derramou lágrimas amargas. Ao amanhecer, seu irmão, o deus-sol Utu, despertou de seu sono e ela lhe contou, em prantos, tudo o que acontecera com sua árvore huluppu.”

O nome Lilith aqui derivando da palavra Lilitu, que denotava uma classe demoníaca e noturna de espíritos femininos relacionados ao vento. Sendo Lilith tanto uma figura própria como também parte dessa classe associada aos desertos, locais ermos e as tempestades. Sua iconografia, tanto dentro do que temos da cultura Suméria quanto da cultura Mesopotâmica, muitas vezes se associa e se confunde com as iconografias das deusas irmãs Inanna e Ereshkigal, sendo ela sempre associada a feitiçaria, aos ventos, as fortes tempestades, a sexualidade e ao submundo.

Sua assimilação dentro do misticismo judaico se deu muito tempo depois, sendo mencionada no Talmude hebraico do exílio da Babilônia. Nele, as Lilitu (indo para o plural hebraico, Liloth) continuaram se configurando como uma categoria de seres demoníacos, mas assumindo então as características predatórias contra crianças do qual mais facilmente ouvimos. Incluindo as conotações vampíricas e sexuais das súcubos e dos íncubos. Sua posição como pretensa primeira mulher de Adão, no entanto, só se firmou de fato no folclore popular hebreu no período medieval, onde temos a publicação do lúdico Alfabeto de Ben-Sira. E ele é o único local onde teremos essa narrativa. Sendo neste mesmo período medieval onde a temos inserida na Kabbalah como esposa de Samael. Lembrando que a Kabbalah é um sistema de misticismo judaico que se configurou apenas no século XII, na Espanha, propagado largamente por judeus sefarditas, tendo se espalhado com facilidade através das diásporas.

Para sua presença ir da Kabbalah judaica para a Cabala cristã, também se infiltrando no ocultismo medieval e em seus grimórios, foi um pulo só. E, a cada uma dessas passagens do original mesopotâmico e sumério até o medievo, novas camadas a ela foram adicionadas. De um demônio associado a natureza indomável e aos ventos a temos metamorfoseada em diversas facetas. Por isso falar dela é sempre tão complexo. Em seu caminho através da nossa história ela adquiriu uma multiplicidade que poucas outras figuras conseguiriam adquirir.

Mas, como nosso foco aqui no Guia é a Mão Esquerda em si, são seus significados dentro dela que eu irei explorar neste artigo inicial. Principalmente sob a luz do luciferianismo, que é a minha vertente pessoal. E onde a teremos, assim como na Via Sinistrae como um todo, como uma das principais facetas femininas do Adversário.

No Luciferianismo

O Selo da União Infernal – Fonte: A Bíblia do Adversário de Michael W. Ford

Perante a filosofia Luciferiana o Adversário não se configura como um único ser mas sim com uma corrente de força atemporal e acasual que flui e se manifesta por todo o nosso universo como os impulsos motivadores, inspiradores, desafiadores, destruidores e criativos tanto dentro da natureza como também do ser humano. Ele é a manifestação da pulsão da transformação. O incômodo que nos agita, o grito dentro de nossas gargantas, as adversidades que nos refinam e a revolta que nos faz lutar contra o que nos limita e desafia. O Adversário é o arrepio em nossa nuca, é a resposta violenta do oprimido contra as estruturas que o sentenciam, é a nossa gana de viver. Assim como ele também é a natureza selvagem e indomável que desafia a sobrevivência humana. O brilho no olhar de um predador antes de ceifar sua presa e o veneno mortífero são faces de sua força tanto quanto os tornados, os desertos e o medo mudo que sentimos contra o que certamente pode nos destruir.

E cada cultura, ao longo da história humana, procurou representar essa força de diversas maneiras. Temos essas representações nos antagonistas de cada mitologia, tanto como divindades quanto como figuras mitológicas e folclóricas que representavam forças naturais hostis, perigos, medos e tabus sociais. E, com os processos de dominação cristã, diversas dessas figuras ganharam conotações ainda mais sinistras, junto com a demonização de todas as culturas que o cristianismo procurou sufocar e controlar. Criando-se, assim, tanto a classe que hoje chamamos de Daemons como também a figura do Diabo, o repositório simbólico de todo medo e ódio com o qual o cristianismo adoeceu a consciência humana ao longo de sua existência e que não tem comparativos em qualquer outra cultura.

Se tornando ele tanto a sombra amedrontadora que é usada para exercer o controle sobre as massas quanto, ao mesmo tempo, o instigador e libertador daqueles que se colocaram como resistência.

A complexidade da força que o Adversário é, perante o Caminho Luciferiano, se integra no símbolo do Selo da União Infernal. Onde, para unir todas as facetas e manifestações do Adversário que existem dentro de nós mesmos, é necessário conhecer e integrar a nossa própria complexidade. O feminino e o masculino, o consciente e o inconsciente, a luz e a sombra que habitam dentro do nosso ser. E essa integração é demonstrada na fórmula de Leviatã, Samael e Lilith unidos. Leviatã, as pulsões e o poder dos mares profundos do inconsciente, formando a Ouroboros em volta de Samael, o princípio masculino, e Lilith, o princípio feminino do Adversário. Assim como diz Michael W. Ford em sua Bíblia do Adversário, p.207:

“O pentagrama invertido, um símbolo do anjo caído que traz sabedoria para a humanidade, também significa os cinco elementos e demônios de Ahriman. As letras hebraicas ao redor do círculo significam Leviatã, a serpente, representando a escuridão e o abismo (ou seja, o subconsciente) . Samael e Lilith são o fator equilibrado de duas manifestações da Corrente Adversária na humanidade. O Masculino Daemônico ou matéria, Lilith sendo o Daemônico Feminino ou o fogo instintivo. Juntos, eles representam o domínio da vontade. A cabeça de bode é Baphomet, ou Cabeça Negra da Sabedoria (abufihamat), a Besta, Caim, o Filho de Samael e Lilith.

Quando você combina Leviatã, Samael e Lilith para gerar Caim ou Baphomet, este é um símbolo poderoso da Maestria do Luciferiano no Mundo Carnal e Espiritual, o acima e abaixo, a escuridão e a luz.”

Nenhum luciferiano pode dizer que está cultivando poder e maestria em si mesmo e no mundo desenvolvendo apenas as próprias trevas ou apenas a própria luz, apenas o masculino ou apenas o feminino. Ambos precisam ser integrados e aperfeiçoados em uníssono pois é no equilíbrio que a chave do verdadeiro poderio repousa. Sendo Lilith, aqui, não apenas uma figura secundária ou a consorte da figura masculina que detém o verdadeiro destaque, mas o puro fogo instintivo sem o qual jamais podemos acender a Chama Negra dentro de nós mesmos. Ela e Samael representam duas faces da mesma força, em igual importância, e nada sem ela pode ser feito ou alcançado.

E por qual motivo Lilith?

Diversos são os nomes que possuem destaque como representações da face masculina da força adversarial entre as vertentes da Mão Esquerda. Satanás, Lúcifer, Samael e Azazel, junto com muitos outros, são sempre citados como manifestações da energia masculina da Corrente. Porém, entre os nomes femininos, Lilith se destaca muitas vezes quase que solitariamente para representar a manifestação feminina. E, para realmente compreendermos seu destaque, temos que adentrar em suas sombras e compreender de fato o motivo pelo qual ela é o que é.

Desde que foi assimilada pelas culturas judaica e islâmica, até o período medieval, um aspecto dela recebeu mais desenvolvimento do que qualquer outro: o aspecto do feminino impiedoso. Ela foi a figura que, culturalmente, mais recebeu a carga dos medos masculinos a respeito do feminino por onde passou. Virando a própria manifestação viva e pulsante de tudo que mais os apavorava e que as mulheres deviam evitar ser a qualquer custo, inclusive, ao custo das suas próprias vidas.

De uma figura que representava os desertos e as tempestades ela evoluiu para o emblema da mulher que não centra o masculino em nenhum nível de sua existência. Não se colocando no posto materno e nem no posto de figura acolhedora. Indo na direção oposta, ela é retratada como aquela que rejeita. Rejeita os desejos masculinos, rejeita a concepção da sua semente, rejeita os papéis que a ela são oferecidos. E rejeita ao ponto de preferir viver no deserto, ao lado de demônios, e se tornar uma figura permanentemente amaldiçoada do que aceitar todo o conforto do paraíso se para isso ela tiver que aceitar esse desejo masculino por um só momento que o for.

E, por ser aquela que rejeita, ela se torna aquela que recebe tanto o ódio quanto o medo e o desejo cada vez mais intensos das culturas pelas quais ela passou. Suas representações contém tanto uma sexualização extrema, fruto do desejo masculino perante aquilo que lhe impõe um desafio, quanto aspectos monstruosos como uma vagina dentada, representando o medo da castração imposto por aquela que nega os desejos que a ela são direcionados. Lilith usa sua sexualidade como quer, com quem quer e da forma que quer, não permitindo que essa sua camada seja dominada. Ela se nega a interpretar o papel do feminino gerador e receptivo que temos de forma tão idolatrada dentro da Mão Direita. Ela corta o cordão umbilical, ela é uma estranguladora, ela vampiriza e usa os homens sem por eles sentir qualquer tipo de afeto ou conexão. E essa rejeição, essa frieza, doem profundamente.

Como disse Margaret Atwood: “Homens têm medo que as mulheres riam deles. Mulheres têm medo que os homens as matem.” E Lilith sempre representou algo muito mais gélido do que a zombaria, ela representou a indiferença. Uma indiferença que, na ausência de qualquer empatia, a torna cruel. A torna a megera insensível e implacável. A carrasca.

A posição mais adversarial em que o feminino pode se colocar perante o masculino sempre foi a de não se importar com ele. Com seus desejos, com seu conforto e bem estar. Até mesmo com sua mera sobrevivência. Nisto, com os séculos da sua ativa demonização, Lilith nos abre seus braços pálidos e frios. Como a representação adversarial feminina perfeita, ela só se coloca ao lado daqueles que carregam consigo a sua mesma essência indomável e opositória. Representando um único e constante desafio ao masculino: o de se aprender a conviver sem reter protagonismo.

Um desafio que até os dias de hoje muitos homens dentro do ocultismo e do próprio luciferianismo não conseguem transpor. A figura cruel e sangrenta de Lilith ainda estremece Mestres e Sacerdotes que, na mínima visão de uma mulher que não se coloca como eles acham que ela deveria, já começam com seus discursos alarmantes sobre a influência e a possessão da maligna Lilith, a Diaba. O pesadelo que os faz suar frio mas os mantém acordados de noite. A quem eles desprezam por se sentirem desprezados em primeiro lugar.

Homens poderiam se aproximar dela?

Pelo seu contexto histórico, uma das dúvidas mais comuns que eu recebo em relação a Lilith é se ela seria uma figura que permite ou não que homens entrem em contato com ela. Eu não posso falar em nome de todas as culturas e vertentes que a incluem, apenas no que diz o luciferianismo, já que ele é onde eu me insiro. E, da parte dele, como já foi expresso anteriormente, não existe lugar onde podemos chegar sem a sua presença. Ambas polaridades do Adversário devem ser trabalhadas por todos luciferianos. Então, confronte seus medos e se dê a chance de evoluir.

Deusa ou Demônio

Outro ponto de grande discussão seria se ela se configuraria apenas como um demônio ou se seria, de fato, uma deusa. Um debate que, pelo menos dentro da Mão Esquerda e dentro do luciferianismo, não chega a sequer fazer sentido. Pois, para nós, uma coisa jamais anularia a outra.

Daemons são, perante a Via Sinistrae, manifestações do Adversário. A eles nos aliamos, ao lado deles andamos, e por seus caminhos nos desenvolvemos rumo a nossa própria Apoteose. Figuras como Lilith, pelo seu peso e influência, são referenciadas como divinas. Mas não no divino como ele é compreendido tradicionalmente pela Mão Direita e sim pelo que muito tem se chamado de Infernal Divine, o Divino Infernal. Eles se levantam como nossos deuses e nossas deusas sem que para isso eles precisem deixar de serem as forças selvagens e brutas que eles naturalmente são.

A maneira pelo qual nos relacionamos com eles também se destaca, sendo parte da distinção natural entre as abordagens da Mão Direita e da Mão Esquerda na maneira pela qual o componente humano busca se conectar com o que é divino. Se na Direita a posição natural é a servil, com o dobrar de nossos joelhos, na Esquerda permanecemos em pé, com a cabeça erguida, nos colocando ao lado e nunca abaixo, como eu já falei aqui, aqui e aqui.

Experiências Pessoais

Lilith foi, e ainda é, uma das figuras mais mutáveis e intrincadas com as quais eu já cruzei em todos meus anos de caminhada espiritual. Foi ela que, surgindo após diversas figuras infernais que já tinham tentado falar comigo recebendo apenas minha negativa em troca, me conduziu sem que eu sequer pudesse notar para dentro das profundezas da Mão Esquerda. Um processo que durou, ao todo, três anos. E eu só consegui perceber a vastidão da sua ação na minha vida quando eu finalmente me posicionei como luciferiano, conseguindo por fim ver a retrospectiva desses três anos num quadro maior e não apenas em seus pequenos detalhes. Sendo ela a única dentre as divindades da minha vida que explicitamente sempre me prometeu mais contrariedades do que bênçãos.

Através dos seus testes eu compreendi o que era o papel adversarial no mundo e em minha própria vida. Eu fui rasgado, vez após vez, de novo e sempre mais uma vez, até que eu conseguisse acessar a minha própria essência. Nos tempos em que ela se afastava eu podia até me enganar sobre mim mesmo, sobre as coisas ao meu redor, mas nunca em sua presença. Ela sabe como complicar as coisas, ela sabe como te tirar completamente do seu centro. E, em todos esses anos onde eu a tive e tenho como aquela que me testa e me contraria, eu nunca tive alguém que fosse capaz de ser o opositor como ela consegue ser. E, na mesma medita, ninguém que me fizesse avançar tanto. Lapidando o meu poder como um diamante bruto, retirando de mim toda minha impureza com fogo e aço.

A tendo como professora eu consegui acessar e desenvolver lados meus que eu nunca pensei que conseguiria aceitar. Que eu sequer conseguiria olhar. Assim, me dando vida no mesmo ritmo no qual me fazia sangrar. Ela sempre excedeu tudo que eu fosse capaz de pensar sobre ela. Me fazendo ir muito além do que eu jamais pensei que pudesse ir. Não existe absolutamente nada dentro dos seus processos que seja fácil, ou mesmo que seja agradável. E eu os faria todos de novo. Eu a escolheria sempre. Vez após vez. Em todas minhas vidas, a cada encarnação, sem nunca me arrepender.

O Caminho no Deserto

E, como não podia faltar, o pequeno rito a seguir é destinado a aqueles que desejam se aproximar de Lilith pela primeira vez!

Se prepare para este pequeno rito com alguns dias de antecedência. Ele deve ser feito na lua nova, então, comece seus preparativos na lua minguante. Nele, teremos duas defumações e dois banhos de ervas para limpar e proteger tanto a sua casa quanto você mesmo, que ocuparão o espaço de quatro dias.

Em primeiro lugar, limpe sua casa fisicamente, fazendo em seguida uma defumação com café, cascas de alho e folhas de guiné para a purificar energeticamente. No dia seguinte, faça então uma segunda defumação, com cravo, alecrim e arruda, desta vez para conferir proteção. Então, com seu lar purificado e protegido, faça um banho de ervas para si mesmo com boldo, folhas de eucalipto e hortelã para se purificar. E, no dia seguinte, faça um banho bem forte de cravo focando na sua proteção.

Enquanto você cuida da purificação e da proteção de si mesmo e do seu lar, adquira:

  • Uma representação de Lilith, podendo ser uma arte da qual você goste, seu sigilo confeccionado, ou até mesmo um desenho que você mesmo fez
  • Uma vela vermelho escuro
  • Incenso ou resina de Sangue de Dragão
  • Uma obsidiana
  • Vinho tinto
  • Flores e frutas vermelhas da época

Então, na primeira noite de lua nova, prepare com cuidado o espaço onde você irá performar o ritual. O deixe limpo e organizado, arrumando um pequeno altar para Lilith com a representação, a vela, a obsidiana e as ofertas de vinho e frutas.

Tome um bom banho antes de começar, para estar limpo e com a cabeça desanuviada. Então, em um pequeno recipiente com água, misture uma colher de sopa de sal grosso, dizendo: “Sal e água, agora os desperto e vivifico. Tornem puro e harmônico onde eu os aspergir, e que assim seja.” Aspirja, então, o local do ritual com esta água salgada, imaginando que ela lava e purifica todo o espaço. Ao final, agradeça e dispense o que sobrar. Em seguida, acenda o incenso, dizendo: “Fogo e ar daqui o mal expulsam, trazendo força e proteção para este momento sagrado.” Passe o incenso por todo o local, o imaginando protegido e em harmonia. Faça o Circulo sem pressa. Acenda a vela, então diga:

“Na escuridão da noite adentro

Portando apenas o meu próprio coração
E tudo que nele habita
Que a Senhora da Desolação o reconheça
E me veja”

Respire profundamente, se concentre. Pegue a obsidiana entre suas mãos e a segure na altura do seu coração. Feche os olhos. Então comece a imaginar que você está andando por um amplo deserto a noite. Em suas mãos, agora é o seu próprio coração que você segura. Negro, feito de obsidiana. Mas, de alguma forma, ainda quente e pulsando. Você o segura com cuidado rente ao peito e segue andando.

O céu escuro, acima de você, resplandece cheio de estrelas. E, alto em meio a elas, o círculo escuro da lua se destaca como um buraco negro no centro do céu. Respire fundo. Continue. Sinta a areia debaixo dos seus pés, o vento seco e quente soprando contra o seu rosto. Continue. Lentamente, alguns animais naturais do local notarão a sua presença. Você poderá os ver ao longe, observando lentamente os seus passos. Eles não tentarão se aproximar. Continue. Aos poucos, enquanto caminha, você começa a notar que a lua lentamente começa a ressurgir no céu, com apenas um fino arco de luz. Voltando sua visão ao deserto, agora você nota uma árvore seca ao longe.

Mesmo sem uma única folha, ela é enorme. Seus galhos se estendem quase até os céus, como se pudessem rasgá-lo. Sem pressa, você se dirige em direção a ela. O som de uma coruja pode ser ouvido ao longe e seu coração, por algum motivo, começa a bater mais forte. Quanto mais próximo você fica da árvore, mais ele se agita. Você começa a notar, então, ossos de diversos animais ao seu redor. Quanto mais próximo da árvore, mais carcaças você consegue ver.

Então, estando perto o suficiente, você nota uma silhueta escura se levantar entre os galhos da árvore, esticando imensas asas e indo até você. Seu coração bate ainda mais forte, mas você o segura com delicadeza. Mais rápido do que seria normal a silhueta pousa perto de você, revelando a mulher coruja que te olha com curiosidade. Seu corpo é coberto por penas, apesar de humano. Suas grandes asas se dobram atrás de suas costas enquanto você nota que suas pernas e pés são como os de uma coruja, assim como as garras de suas mãos. Dois chifres ornamentam sua cabeça, se destacando acima dos longos cabelos negros. Seus olhos de serpente te analisam. Com cuidado, você mostra o seu coração para ela, que se aproxima com cuidado. Ela estende uma de suas mãos com cautela, o tocando. Neste momento, seu coração é tomado por fogo e, enquanto ele queima, você começa a dizer para ela, para Lilith, os motivos que te levaram a entrar em contato com ela.

Demore o tempo que precisar. Ela te escutará. Quando você terminar, peça que ela considere suas palavras e agradeça pela sua escuta. Ela retirará a mão do seu coração, que irá parar de queimar. Olhando de novo para ele, você nota que agora, de fato, ele é de rocha, duro e sem pulsação. Com curiosidade, você nota que em alguns lugares fios de ouro surgiram entre os contornos da pedra lisa. Ao olhar de novo para Lilith, ela aos pouco vai perdendo seu contorno, voltando a ser apenas uma silhueta escura. E a lua no céu, acima da árvore, começa a crescer rápido demais. Antes que ela se torne completamente cheia abra seus olhos e saia do estado meditativo.

Tire alguns minutos para que sua consciência retorne por completo. Agradeça a Lilith em voz alta e erga o vinho, as frutas e flores dizendo que as oferece a ela. Diga que eles ali ficarão até a noite seguinte. Então, com calma, desfaça o Círculo e agradeça a todos que ali estiveram com você, dando a permissão da partida. Se aterre, vá comer algo e descansar. Na noite seguinte, deixe as ofertas aos pés de uma bela árvore, guarde a obsidiana entre os seus pertences, e fique de olho em seus sonhos e ao seu redor até a lua cheia pois, nesse período, Lilith te dará sua resposta.

Correspondências

Fechando nosso artigo inicial com uma boa chave, vamos a algumas correspondências que podem ser usadas com ela! Sinta-se livre para as usar como ponto de partida. Então, com o tempo e com o desenvolvimento dos seus estudos, amplie-a com base nas suas próprias experiências e jornada.

Dias: Segunda, sexta e sábado

Horários: Noturnos

Planeta: Lua

Pedras: Granada, rubi e obsidiana

Cores: Preto e vermelho

Incensos: Sangue de Dragão, rosas e absinto

Animais: Corujas, serpentes e aranhas

Ofertas: Vinho tinto, flores e frutas vermelhas

Enn: Renich viasa avage Lillith lirach

Fontes e leituras indicadas: A Epopeia de Gilgamesh, o Dicionário de Demônios de M. Belanger, a Bíblia do Adversário e Sebitti – Magia e Demonologia Mesopotâmica de Michael W. Ford.

Até mais!

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Atenção: A reprodução total ou parcial deste texto é proibida e protegida pela lei do direito autoral nº9610 de 19 de fevereiro de 1998. Proíbe a reprodução ou divulgação com fins comerciais ou não, em qualquer meio de comunicação, inclusive na internet, sem prévia consulta e aprovação do autor.

O Espelho Negro

Fonte: Arquivo pessoal

Conhecido como um instrumento de vidência e comunicação espiritual, o espelho negro é comumente usado dentro da Mão Esquerda como um portal para o outro lado. Quando devidamente preparado e utilizado, pode nos auxiliar a atravessar o véu entre o mundano e o espiritual. Sendo uma porta para que nosso espírito possa ir até diversos locais, ou para que espíritos e entidades se mostrem e se manifestem diante de nós.

Enquanto muitos tradicionalmente são feitos sob encomenda, como discos de obsidiana devidamente emoldurados, também é possível que façamos nossos próprios espelhos. E aqui, no texto de hoje, darei alternativas para que você possa fazer o seu próprio espelho negro, assim como um exemplo de consagração e três de utilizações para que você possa desenvolver suas próprias experiências! Vamos lá?

Criando o Espelho

Aqui, o primeiro passo é procurar um bom porta-retratos. Preferencialmente, um que tenha uma boa película de vidro para proteger as fotos. Pois é esse vidro que iremos transformar em um espelho. O tamanho, o formato e o tipo de moldura ficam completamente ao seu gosto. Com ele em mãos, busque também tinta ou fita isolante, ambas pretas.

Pegue a película de vidro e, do lado em que ela estaria em contato com a foto no porta-retratos, a pinte de preto. Ou aplique a fita isolante, para obter o mesmo resultado. Coloque o vidro de volta na moldura, com a parte pintada para dentro. E pronto, você já tem um espelho negro! Se você quiser pintar também a moldura, ou estilizá-la, fique a vontade. Deixe sua criatividade aflorar, afinal, será o seu instrumento personalizado. O da foto que ilustra esse texto, por exemplo, foi pintado de dourado!

Consagrando o Espelho

Indico que essa consagração seja feita durante as luas negra ou nova, de noite. Se você gosta de usar as correspondências planetárias dos dias da semana e horários, você pode fazê-la as segundas, em horários pertencentes a Lua ou a Mercúrio. Então, com o espelho já pronto, escolha a data e o horário em que você fará a consagração de antemão.

No dia e hora escolhidos, faça um chá bem forte de Artemísia e tenha um pano macio e limpo em mãos. Os deixe perto do espelho, no local onde você fará a consagração, e tome um bom banho. Saindo dele, coloque roupas limpas, e comece a ritualística. Faça o Círculo, preferencialmente perto de uma janela ou porta em que você consiga ver o céu noturno. Ou, se você tiver espaço e privacidade para isso, em uma área externa.

Com o Círculo ativado ao seu redor, se sente ao centro dele com o espelho, o chá de Artemísia e o pano a sua frente. Então, chame por Lilith:

“Lilith, neste momento e hora, eu te convido a estar comigo no centro deste Círculo. Guia-me, inspira-me. Que a sua força flua por minhas mãos, por minha mente, através da minha boca. E que aqui eu possa, junto a ti, consagrar este espelho negro como um instrumento poderoso, através do qual um portal se fará entre este mundo e os mundos que estão além.

Que através dele suas grutas sejam acessadas, e que eu viaje sob sua proteção por mundos e dimensões. Que em sua escuridão falem comigo as sombras, espíritos de poderosos mortos, e que aqueles a que eu chamar possam a mim aparecer e se manifestar. Que em sua contemplação eu adquira sabedoria e conhecimento, me desenvolvendo em minha jornada e em meu caminho. Que o abismo eu possa contemplar, e que seus sussurros por mim desvendados possam ser.”

Respire e expire profundamente três vezes, se concentrando no momento presente e no que você está criando. Então, delicadamente, aspirja o chá no espelho, o impregnando com sua energia. Com os dedos indicador e médio da sua mão dominante, então, trace um pentagrama invertido em sua superfície, falando:

“Desperta, venha a vida. Neste momento, te crio. Nesta noite, poder te dou. Que em ti se abram as portas para o incognoscível. Portal para as sombras, ponte entre mim e os planos que estão tanto acima quanto abaixo, entrada para a manifestação de poderosos seres e espíritos. Que através do seu reflexo se mostrem as faces do abismo, sussurrando segredos, desvendando o porvir, e me instruindo em sabedoria e poder.”

Erga-o em direção ao céu noturno e fale:

“Da noite sejas filho, de mim sejas um aliado, e que juntos possamos estar entre mundos, indo de encontro e convidando em comunhão. Pela escuridão que nos cerca, pelo poder que em minhas veias flui e pelas bênçãos de Lilith. Que assim se faça!”

Neste momento, desenhe um símbolo, ou faça um gesto diante dele, que será o código que o ativará e abrirá o portal que ele é. Assim como outro para o fechar. E diga, para ele, que ele só poderá aberto ser quando aquele gesto, ou símbolo, você fizer. Se fechando logo após que você fizer o gesto ou símbolo de bloqueio, depois que terminar seu uso. Limpe e seque-o novamente com o pano limpo e agradeça a ele e presença e o poder de Lilith, encerrando o Círculo devidamente. Se sentir que é adequado, deixe uma oferta a Lilith logo após finalizar seu trabalho. E guarde seu espelho em um local seguro, não deixando que ele pegue sol dali em diante e o usando apenas dentro das suas práticas com cuidado e respeito.

Utilizando o Espelho

O primeiro exercício aqui sugerido será uma forma simples de scrying, ou seja, de divinação usando uma superfície reflexiva. No scrying exercitamos nosso olhar para que possamos olhar através da realidade, e não apenas para ela. Quando olhamos para as coisas normalmente, em nosso dia a dia, olhamos para a vida, mas quando usamos um ponto, como um espelho negro, para olhar através dela, suavizamos nosso olhar para que ele capte outro tipo de conhecimento e acesse outros níveis de existência.

Então, para realizar o exercício aqui sugerido, de noite, preferencialmente de madrugada, pegue seu espelho negro e o coloque em seu altar, ou em um espaço devidamente limpo e separado para isso, entre duas velas. Elas devem estar um pouco atrás do espelho, de forma que sua luz não seja refletida por ele. A cor delas, para este exercício, não é vital, afinal, elas serão usadas apenas como fonte de luz ambiente. Mas você pode usar velas roxas, azul escuro ou mesmo negras se desejar. Deixe a sua disposição também um caderno e uma caneta para anotações.

Faça o Círculo, sente-se confortavelmente diante do espelho, e respire e expire profundamente pelo menos três vezes para se colocar no momento presente. Relaxe os ombros, o maxilar, e se concentre. Faça o símbolo que abre o espelho, dizendo para o que você o abre. Seja obter a resposta de uma pergunta, entender algo, receber um insight ou mesmo se comunicar com algo. Você pode pedir a benção e a proteção de Lilith novamente neste momento, se o desejar.

Então, relaxe seu olhar enquanto observa o espelho, deixando que a experiência flua por si só. O scrying é um exercício contemplativo por natureza. Sendo necessários tanto o relaxamento quanto que você se abra ao processo.

Se você não tem certeza se conseguiu suavizar seu olhar da forma correta a prática experimente colocar um dos seus dedos entre o seu olhar e a tela onde você está lendo esse texto agora. Troque seu foco do dedo para o texto e perceba a sensação produzida. Então, abaixe o dedo e tente olhar para onde ele estava, sem focar no texto. Foque seu olhar neste ponto vazio. Essa é a mesma sensação visual necessária para o scrying. Você terá seu olhar voltado ao espelho, mas, ao mesmo tempo, para um ponto vazio nele, o que te permitirá penetrar na sua escuridão com seu olhar sem dificuldades. Deixando que seus olhos descansem, relaxem, e que a mente se acalme, entrando em transe. É neste estado que as percepções e visões ocorrem.

A maestria vem com a prática, então não se cobre demais no começo. Apenas relaxe e se permita. Ao final, anote suas impressões, sentimentos e percepções. Agradeça, faça o gesto de bloqueio para fechar o espelho, e encerre o Círculo devidamente.

Contatando um daemon

O segundo exercício será para aqueles que desejam um método mais simples e fluido de estabelecer um primeiro contato com um daemon. Sua estrutura é a mesma do primeiro, coloque o espelho negro entre as velas, faça o Círculo, sente-se confortavelmente diante dele e relaxe. A diferença é que, aqui, você colocará o sigilo do daemon entre você e o espelho. Você pode o desenhar, o imprimir, ou o ter confeccionado de outras formas. Só garanta que ele seja de um tamanho apropriado para que você consiga olhar para ele sem esforço e vê-lo bem definido a meia luz das velas.

Procure se concentrar apenas em sua própria respiração por alguns minutos, acalmando sua mente. Então, relaxe seu olhar e observe o sigilo. Tente o observar pelo máximo de tempo possível sem piscar. Com a baixa iluminação, conforme você descansa os olhos e a mente, as linhas do sigilo começarão a sumir e a voltar na sua visão como uma ilusão ótica. Neste ponto, diga suavemente o nome do daemon e peça para que ele venha ao Círculo, junto a você, através do espelho. Então, assim como você fez com o sigilo, olhe para o espelho com o olhar relaxado. Diga o nome do daemon novamente e peça para que você possa o vê-lo e com ele se comunicar. Se acalme uma vez mais, e repita o processo caso seja necessário. Indo da contemplação do sigilo a contemplação do espelho, chamando gentilmente pelo daemon.

Neste processo, você entrará facilmente num transe que dará a sensação de que você está sonhando acordado. Você pode começar a sentir uma presença perto de você, ver ou ouvir algo. Assim que isso acontecer, se apresente educadamente ao daemon e diga o motivo de estar o chamando. A partir deste ponto, procure aguçar seus sentidos para receber quaisquer respostas ou sinais da parte do daemon e estabelecer seu contato com ele. Ao final, agradeça a presença do daemon e peça que ele parta amistosamente, e que exista paz entre você e ele. Faça o sinal de bloqueio para fechar o espelho e abra o Círculo da forma devida. Anote todo e quaisquer sonhos que você tiver nesta noite.

Se aparentemente nada acontecer, mesmo assim agradeça o daemon, peça que ele parta em paz, e feche tanto o espelho quanto o Círculo adequadamente. Não é incomum que, se trabalhar com espelhos for uma novidade para você, seja necessário repetir o ritual algumas vezes até ter resultados satisfatórios. Seja paciente consigo mesmo e vá com calma.

Dê um intervalo de, pelo menos, três dias entre um exercício e outro para não se sobrecarregar. Observe seus sonhos, fique atento a possíveis sinais e, caso você não se sinta seguro em algum ponto, não insista demais. Este não é um método feito para que você obtenha contato por imposição. Então, seja educado e se resguarde.

Na Goetia

A base do primeiro exercício pode também ser usada dentro da Goetia, após o primeiro contato com o daemon ser firmado. Tanto dentro da Goetia Salomônica quanto da Luciferiana, após o primeiro contato ser formalizado entre o praticante e o espírito e ele for ligado ao vaso, ou urna, é através do espelho negro que a comunicação entre ambas as partes continua.

Então, para a prática goetica, faça devidamente o primeiro rito no Círculo, ligue o daemon ao vaso e, após este processo estar feito, utilize o espelho negro para contata-lo, como foi passado no primeiro exercício acima. Neste caso, ao fazer o gesto para abrir o espelho, especifique que está o fazendo para se comunicar com o daemon com o qual você está lidando. Peça para que ele venha até você através do espelho, e que você possa vê-lo e se comunicar com ele apropriadamente.

Aqui, prefira fazer isso sempre um pouco antes de ir dormir. Já que, além do espelho, os sonhos são muito usados pelos daemons para se comunicar com os seus praticantes e podem trazer informações para além do que você conseguiu captar durante o exercício.

Até mais!

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