Primeiros passos – O Chamado dos Guias

Fonte: Acervo pessoal

No último texto do Guia, que você pode ler aqui, iniciamos o nosso diálogo sobre qual é o papel dos guias espirituais dentro da Mão Esquerda e como nos relacionamos com o divino e com forças espirituais neste caminho. Agora, tendo mais clareza sobre qual é natureza da dinâmica que aqui temos, vamos nos aprofundar um pouco mais na parte prática dela. Afinal, por quais motivos estabeleceríamos contato com as figuras da Mão Esquerda? Por qual motivo elas estabeleceriam contato conosco? Com o fator da adoração sendo totalmente excluído, o que podemos esperar delas e o que elas esperam de nós? Existe algum preço a ser pago?

Em primeiro lugar lembre-se que o caminho que trilhamos na Mão Esquerda, se não estamos em uma vertente ateísta, é um caminho profundamente espiritual. E, quando nos alinhamos a um caminho espiritual, qualquer que seja, os seres e energias deste caminho também se alinham a nós. Estando no catolicismo não seria estranho termos a presença de certos anjos e santos em nossas vidas. Ingressando para a Umbanda, igualmente, se é esperado que as entidades que fazem parte dela entrem em contato conosco. Afinal, estamos ali nos abrindo para aquele caminho e para tudo que ele contém.

E na Esquerda, como já falamos, nos alinhamos a Corrente do Adversário. Isso significa que as energias e seres para o qual nos abrimos ao contato nela são as pertencentes a sua vibração. O motivo pelo qual cada um de nós se abre a esse processo é profundamente pessoal mas é importante termos a clareza de que somos nós que nos abrimos para ele e nunca o oposto. Somos nós que saímos de onde estamos e vamos ao descampado que é a Mão Esquerda nos expormos as suas reveses e não ela que bate na nossa porta, domingo de manhã, perguntando se gostaríamos ou não de ouvir a palavra do Adversário. Afinal, essa postura é de outra vertente que nada tem em comum com o que aqui fazemos.

Aqui, entramos no caminho por vontade própria. Sabendo o que ele é. Sabendo o que ele propõe. E assumimos os nossos riscos a partir do exercício do nosso livre arbítrio. Pois existe algo dentro de nós que nos alinha a isso. Uma inquietação que nos provoca. Um desejo por algo que esteja além. Além das cercas de segurança. Além do convencional. Além daquilo que nos disseram e nos ensinaram. É de nós que parte o incomodo inicial. É do cerne dos nossos corações que partem os primeiros questionamentos. As insatisfações. Somos nós que nos opomos ao que temos em primeiro, é de dentro de nós que surge o desejo de nos separarmos daquilo que conhecemos para buscar algo diferente.

O primeiro adversário do nosso caminho somos nós mesmos, com nossas mentes questionadoras que não aceitam a primeira explicação, com nossos olhos desassossegados que reparam em mais do que deveriam, com nossas palavras revoltas e com a nossa sede insaciável por algo que ainda nem sabemos o que é. Somos nós que atravessamos longas distâncias até a Mão Esquerda, intencionalmente. Incendiando esse traço opositor dentro de nós mesmos. Desta forma, naturalmente a ela nos alinhando e nos abrindo para o contato de seres que desta forma, como nós, vibram. Afinal, energeticamente, opostos nunca se alinham. São os iguais que se agrupam. E aqueles que são como somos tem muito para ensinar sobre a nossa própria natureza.

“Isso quer dizer que eu me alinharia as figuras da Esquerda e elas se alinhariam a mim por afinidade?” Sim, precisamente. E isso não é uma exclusividade da Esquerda. Isso é algo com o qual você irá se deparar em qualquer caminho que seja. Vamos tomar o cenário pagão atual como exemplo por um momento. Dentro dele, presentemente, será muito comum acharmos pessoas que se devotam e tem a deusa Hécate como parte ativa das suas práticas. Ela, de fato, é uma deusa que dispensa palavras e introduções. E, como divindade, ela tanto representa como trás correntes e princípios específicos aos quais nós podemos estar ou não em conformidade.

Hécate representa e governa sobre espaços liminares. Ou seja, sobre tudo aquilo que está entre uma coisa e outra. Podemos nos referir a pontes, escadarias, portas e encruzilhadas quando falamos de locais físicos pois eles são exemplos daquilo que faz a ligação entre dois pontos ou lugares diferentes na matéria. Mas também podemos falar dos momentos confusos onde transicionamos de uma fase da nossa vida para outra. Podemos falar de estados de transe, alterações de consciência. De tudo que nos coloca como ponto de encontro entre planos. Ela representa nossa intuição, ela representa mudança, ela traz transformação. Por isso mesmo é comum que ela encontre pessoas quando essas estejam em momentos muito escuros de suas próprias vidas, porque ela é uma guia para aqueles que estejam entre estados e precisam fazer transições densas em segurança. Por isso ela é tão comum entre bruxas, aquelas que se colocam como encruzilhadas vivas entre mundos. E por isso ouvimos tanto que ela surge para novatos no paganismo, pois eles estão alterando suas jornadas espirituais.

Neste sentido, divindades não exatamente chamam pessoas mas sim são essas pessoas que estão, no momento, como participantes naturais dos princípios que essas divindades regem. Se você é um musicista, você está alinhado naturalmente com a força que Apolo representa. Um pescador já está em afinidade com Poseidon, sem precisar forçar nada. Um artífice, um ourives, já representa a ação de Hefesto no mundo. Desta forma, pense mais nesse alinhamento do que em ser, de alguma forma, escolhido por um princípio divino. Somos nós que nos posicionamos como integrantes do fluxo de determinadas forças por meio da forma como existimos e agimos, através das nossas aptidões e ações, revelando por elas qual energia manifestamos neste mundo.

Quem somos é o que nos traz para determinadas profissões, locais e jeitos de se viver a vida. Incluindo nisso a espiritualidade que professamos ou não. É natural que, entrando em um determinado caminho, se ele realmente ressoa conosco, entremos em contato com seres que representem e sejam coisas em comum conosco. Mesmo que não estejamos cientes disso ainda. Sendo eles, nesse caso, representantes daquilo que iremos desenvolver ou entrar em contato a respeito de nós mesmos.

Quem se alinha aos marginalizados? Quem partilha o dissabor daqueles que são colocados como vilões pelas suas famílias e sociedades apenas por serem diferentes? Por trazerem desconforto com seus questionamentos? Por não se encaixarem? Para onde vai o bode expiatório, expulso da sua comunidade como imundo, se não para os braços de Azazel, no meio do deserto? Quem recebe aquele que denuncia as estruturas abusivas e autoritárias ao redor de si, tentando democratizar um conhecimento que é tido como proibido e perigoso, se não os braços Lúcifer? Quem aceitaria sem julgamentos aquele que recebeu sobre si a projeção de todo o ódio e de todo medo das pessoas ao seu redor ao longo de toda sua vida além de Satã? O homem de preto se encontra na encruzilhada, estendendo a mão para todos aqueles que foram brutalizados por serem quem são. Pois existem caminhos para todos, não só para o que é tido como convencional.

Por isso também este caminho se coloca como um caminho de separação. Ninguém se cura e se desenvolve em meio ao que lhe rejeita. Sendo a Esquerda, em grande e vasta parte, aquela que dá espaço a esses que foram separados por não serem o que se esperava. Por não estarem dentro daquilo que é tido como desejável, como certo, como normativo. Que escapam como crianças perdidas, como frutos daquilo que é desprezado e odiado. Tendo como uma das suas funções principais restaurar o que foi arrancado de dentro destes: o senso saudável de eu. Por isso a lição não é sobre dobrar os joelhos mas sim aprender a estar de pé como aquilo que verdadeiramente se é.

Mas se coloca como de extrema importância estarmos cientes de que despertar para este caminho e para o andar com figuras opositórias, combativas e que representam o papel do antagonista não é fácil. Elas são, por natureza, desafiadoras da ordem. Representando tudo aquilo que é marginalizado e tido como tabu. E suas atuações se dão, portanto, através da destruição, do caos, das dificuldades e dos desafios. Afinal, elas personificam tudo que já foi, ao longo da história, considerado como indesejável e como adverso pela humanidade. Não só no sentido daquilo que a humanidade temeu por não poder controlar e por ser maior que si, como as forças destrutivas da natureza, mas também em tudo aquilo que ela vilanizou dentro de si mesma. Então se abrir para esse caminho é, á vista disso, se abrir ao hostil e ao que não é seguro.

“Mas então você está falando que se alinhar a Corrente do Adversário e se abrir ao contato das figuras que fazem parte dela é perigoso?” Sim. Eu estou. Mesmo para aqueles que se alinham naturalmente a ela. E isso sempre estará claro aqui. Mas não no sentido de dizer que é algo que não deve ser feito em hipótese alguma mas sim no de trazer a conscientização de que, se você o fizer, precisará ser mediante a uma grande responsabilidade pessoal. Visto que, como foi dito no texto anterior, você terá que se ser capaz de conduzir a si mesmo sozinho. Então saiba muito bem por qual motivo você gostaria de se alinhar a uma corrente energética como essa e se dispor ao contato dos seus seres e saiba que a responsabilidade é sua para o bem ou para o mal.

Pois, apesar da grande parte dos que estão nesta trilha serem os desgarrados e os selvagens, nem todos que assim o são por aqui andariam. Pois essa jornada exige níveis de transformação muito maiores do que a maioria das pessoas está disposta a sofrer, e por meios muito mais drásticos do que muitos poderiam optar. As figuras que temos na Esquerda, pela própria natureza do caminho, são figuras fortes e desafiadoras que tem sua atuação marcada pela sua postura adversarial. Elas destruirão tudo que somos, pedaço por pedaço, para que possamos nos reconstruir de volta em uma nova configuração.

Saiba disso. Realmente compreenda isso. No fundo da sua alma. Antes de querer começar qualquer processo por aqui. Pois entrar na Esquerda é se responsabilizar por si mesmo e nada do que você fará poderá ser por acidente. Conheça o seu desejo. Pois o preço não será a venda de uma hipotética alma mas sim se colocar ativamente no processo de uma forja. Onde deixamos totalmente de fora o foco em uma adoração externa para nos voltarmos a bruta transformação interna. Uma transformação por processos radicais, destrutivos e muitas vezes dolorosos. Onde o seu propósito deve ser forte o suficiente para sustentar a chama da alma através de tudo que ela passará.

Pois seus Guias irão te desmembrar. Eles irão dissolver tudo na sua vida, incluindo quem você é, para que então, apenas após isso, eles te ajudem a se solidificar novamente. Solve et Coagula. Nada unido pode ser sem que antes seja desmontado. V.I.T.R.I.O.L. Visita Interiora Terrae, Rectificando, Invenies Occultum Lapidem. É visitando o centro da Terra, o cerne de tudo que somos, vendo nossas verdadeiras fundações, retificando-nos, que encontraremos a Pedra Oculta, o nosso verdadeiro eu. Esta é a alquimia interna. O que tantos antes de nós nesta jornada chamaram de Verdadeira Obra. Mercúrio, enxofre e sal. Conheça o seu desejo.

Até mais!

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