Primeiros passos – Os Guias do Caminho

Fonte: Arquivo pessoal

A Mão Esquerda é um caminho de independência e de individualização por excelência, como vimos aqui. Sendo assim, qual é a relação que temos com o divino e com forças espirituais dentro dela? Para começar a refletir sobre essa questão eu iniciarei com as palavras de Michael W. Ford na sua Bíblia do Adversário, p. 71:

“Um Luciferiano é ciente de que ele ou ela está sozinho neste mundo, mas isso pode ser um pensamento reconfortante quando você considera que é você quem pode tornar a vida boa ou má dependendo do Pensamento, da Palavra e da Ação. Os Luciferianos são interna e espiritualmente solitários para que possam iluminar a sua Luz Negra e a alegria e o êxtase de criar e destruir. Fisicamente, onde devemos ser cuidadosos ao definir nossa prática, é abordá-la no começo ou na fundação. Se você pensa ou no seu subconsciente acredita que está ‘respondendo a Satã’, então há questões de abordagem fundamentais que causarão um fracasso continuo.

Poderes demoníacos são poderes daemoníacos, eles mantêm a escuridão e a luz em tudo. Não há uma força absoluta, como isso devoraria completamente a si mesmo pela extremidade de sua própria natureza. Razão, lembra? Somente um cristão se aproximaria de Satã ou de Lúcifer como se eles fossem divindades cristãs. Os Luciferianos não permitiriam isso, pois seria uma auto degradação se curvarem diante de algo a mais. Se os Luciferianos exaltam Lúcifer, Ahriman ou Lilith, isso é feito a partir de uma perspectiva de auto amor e auto deificação.”

Apesar de suas palavras virem especificamente do ponto de vista luciferiano, elas conseguem expressar algo vital dentro da jornada da Via Sinistrae: o leme do navio da sua vida está nas suas mãos. E é você que tem que conduzi-lo, por si próprio. É você que escolhe para qual direção ir, como ir, e onde você quer chegar. O plano da sua vida não pertence a nenhuma divindade a não ser a você mesmo. E, se você não está satisfeito com alguma coisa ou quer alguma mudança, é você que tem que se levantar e lutar por ela. Você tem que se responsabilizar por você mesmo. Tomar o mérito do seu sucesso em suas mãos, assim como assumir a dor das suas derrotas. Ninguém deveria, e nem vai, pegar você pela mão aqui. É você que deve aprender a como se conduzir.

Isso vale para os praticantes ateístas da Mão Esquerda tanto quanto, ou até muito mais, aos praticantes teístas dentro dela. Afinal, como uma Via possuidora de muitos braços distintos, nem todo mundo é ateísta por aqui. E esse ponto se faz notar demais justamente no caminhar de quem não o é. Pois os Guias da Mão Esquerda não conduzem os seus pupilos como os Guias da Direita o fazem, pela própria natureza distinta de ambas as Vias.

A Mão Direita tem seu foco na prática da entrega. Nela nos entregamos ao outro, a nossa comunidade, ao bem comum e ao que julgamos ser o grande princípio divino de onde todas as coisas vem. Ela nos coloca na posição do servir e, dentro dela, aprendemos a não ver só pela nossa própria perspectiva mas sempre pelo bem maior. Se levada ao extremo, sem equilíbrio, ela pode anular completamente o eu. Quando existimos apenas pelos outros, abrindo total mão de nós mesmos e nos reduzindo a um local de nenhuma importância. Nesse extremo, nos escravizamos.

A Mão Esquerda, sendo a direção oposta, tem seu foco na prática da individualização. Nos voltamos a nós mesmos, a quem realmente somos, independentemente de nossas comunidades, e ao que nos fortalece particularmente. Aqui ficamos na posição da valorização pessoal e da independência, onde aprendemos a sermos soberanos de nós mesmos. Se levado ao extremo, sem equilíbrio, ela pode nos levar ao egoísmo, onde colocamos o outro no local de nenhuma importância. Nesse extremo, nos isolamos. Assim, ambas as duas Vias devem ser trilhadas de forma ponderada, sensata e responsável. Mas serão muito diferentes em suas abordagens e caminhos. Afinal, são aprendizados distintos.

Enquanto os Guias da Via Dexterae ensinarão você a confiar, a se entregar, a olhar para além de si mesmo, os Guias da via Sinistrae irão te ensinar a discernir, a questionar, a olhar para si mesmo e a andar com as suas próprias pernas. Eles estarão no seu caminho para te ensinar a ser independente e não a depender deles. A enfrentar as coisas por si mesmo, e não a se esconder atrás do poder deles. E a caminhar por si mesmo, fazendo suas próprias escolhas, sem que eles precisem te dizer o tempo todo o que fazer e para onde ir. Eles estarão lá para te ajudar a descobrir quem você realmente é no seu âmago, para que você possa assumir isso ao mundo com confiança, tomando o seu destino nas suas próprias mãos ao invés de entregá-lo aos outros.

Por isso mesmo, eles não irão exigir de você servidão ou adoração mas sim respeito, constante estudo, aprendizado, e disposição para enfrentar e vencer desafios. Como professores severos, eles não vão fazer tudo por você mas sim te mostrar possibilidades e te testar através delas. E essa abordagem é, na maioria das vezes, naturalmente diferente daquela que aprendemos a ter com figuras divinas e espirituais em nossas vidas.

Em solo brasileiro, a maior parte de nós vem de uma criação e de uma mentalidade cristãs onde o dobrar dos nossos joelhos é a única postura correta a se ter perante aquilo que está para além de nós. Não nos é ensinado qualquer outra postura ou concepção. Então, mesmo quando saímos das igrejas e daquilo que nos foi ensinado, a falta de outros parâmetros pode fazer com que só troquemos o nome do deus cristão por outros nomes sem mudar nossa postura perante essas figuras. E é isso que aqui precisa ser o foco da mudança. Não tente caminhar pela Esquerda com os mesmos sapatos feitos para a estrada da Direita. Eles não irão ter nenhuma real serventia aqui.

A primeira mudança deve ser interna. Deve ser a compreensão clara daquilo que a Via Sinistrae realmente é e, com isso, de como ela funciona. Para que você não esteja nela como um adorador mas sim como um indivíduo independente pelo seu próprio direito e poder.

E olha, o relacionamento que temos entre nós e aqueles que nos guiam na Esquerda não é menos intenso, íntimo ou respeitoso por não ser pautado no servir e no adorar. Na verdade, sinto muito ser exatamente o oposto. Quando o que é esperado de nós é mais do que só obedecer tudo se torna muito mais complexo e muito mais profundo. A partir do momento em que nos colocamos como a principal figura ativa na criação dos nossos caminhos ao invés de apenas nos deixarmos ser conduzidos isso passa a exigir muito mais força, mais dedicação, mais estudo e mais esperteza do que jamais nos foi exigido antes. Aprender a andar com as nossas próprias pernas sempre é mais difícil do que entregar o nosso caminho para que outras forças dirijam as coisas no nosso lugar. Assim, aqueles irão nos ajudar a aprender isso não o farão nos carregando no colo, mas exigindo maturidade e responsabilidade da nossa parte.

Eu vejo muito a diferença entre a postura dos nossos guias na Via Dexterae e na Sinistrae como a diferença na abordagem que nossos pais ou cuidadores tem conosco na nossa infância e no começo da nossa vida adulta. Na Direita somos muito como crianças, confiando com toda pureza do nosso coração naqueles que cuidam de nós. Os procurando para nos proteger, nos ensinar e para prover nossas necessidades. Na Esquerda esses cuidadores já nos veem como figuras adultas, com discernimento e capacidade para começar a dar os nossos primeiros passos sozinhos.

Podemos ainda precisar de apoio e de orientação, mas não da mesma forma de como quando éramos apenas crianças e totalmente dependente deles. Já temos as nossas próprias ideias, gostos e personalidades aqui. E o suporte que precisamos, justamente por isso, não é mais o mesmo suporte de antes mas um novo, focado nas novas demandas que agora temos dando os primeiros passos da nossa vida adulta. Não é mais necessário que alguém nos ajude a comer colocando uma colherzinha na nossa boca, mas é muito útil, por exemplo, ter ajuda para declarar o imposto de renda pela primeira vez.

Claramente, essa é só uma alegoria, mas creio que passe a ideia. Na Esquerda, uma nova maturidade é desenvolvida em nós. E a relação que o espiritual terá conosco, nos vendo como figuras responsáveis, não será a mesma de quando nos colocávamos como inocentes e como submissos. Independentemente se o seu caminho te levar a figuras infernais como Lúcifer ou Lilith ou a divindades ligadas ao submundo e a magia, todas elas esperarão que você tenha responsabilidade para com elas, para consigo mesmo e para com o seu caminho. Afinal, você não é mais uma criança dependente mas sim um adulto criando o próprio caminho. Escolha muito bem as alianças que você formará ao longo da sua jornada pela Mão Esquerda, sempre tendo em vista para onde você deseja ir e quem você quer se tornar a longo prazo. Afinal, sempre nos tornamos tal qual aqueles com os quais nos aliamos.

Até mais!

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