Luciferianismo – Um breve resumo histórico

Fonte: Arquivo pessoal

O Luciferianismo é um sistema de crença, ou filosofia de vida, que busca se inspirar nas qualidades da figura de Lúcifer como portador de iluminação e conhecimento. Dentro da visão luciferiana, Lúcifer não é visto como o Diabo, mas sim como a representação de uma força libertadora que ilumina a consciência, trazendo discernimento e lucidez.

Para entendermos como esse conceito se constrói é importante analisarmos, em primeiro lugar, as próprias origens do nome Lúcifer em si. Vindo do latim lux, que significa luz, e ferre, que significa portador, Lúcifer significa literalmente O Portador da Luz. Ou, em outras interpretações, a Estrela da Manhã e o Filho D’alva. Expressões que, ao longo dos séculos, foram usadas inicialmente apenas para representar o planeta Vênus, um dos corpos celestes mais brilhantes que temos em nosso sistema, que mantém sua luz ao lado da lua até o raiar do dia.

Temos em Isaías 14: 12-15 a única menção ao nome Lúcifer dentro da Bíblia. Sendo ela fruto de um equívoco de tradução. Em todo capítulo, o profeta Isaías se concentra em condenar o rei que governava a Babilônia em sua época, dizendo que a sua soberba seria, futuramente, a causa de sua queda. Ele é referenciado como הֵילֵל בֶּן-שָׁחַר (Helel ben Shachar, “o brilhante, filho da manhã”, em hebraico). Quando o texto original em hebraico foi traduzido para o grego na Septuaginta, Helel ben Shacḥar se tornou Phosphorus, ou Hèosphóros, nomes divinizados pelos quais os gregos antigos chamavam Vênus, a Estrela da Manhã. E Phosphorus, por sua vez, quando foi traduzido pela primeira vez para o latim na Vulgata, foi então traduzido como Lúcifer, a partir do qual o nome começou a ser usado não mais como uma referência ao planeta Vênus mas sim como um dos nomes do Diabo cristão.

É dessa sucessão de traduções e da falta do contexto de que o profeta tecia uma crítica política a um governante de sua época que temos o versículo 12 de Isaías 14 criando a concepção, dentro do catolicismo, do Diabo como anjo caído. O conceito do belo anjo rebelde que caiu da graça de seu criador se tornou extremamente cativante, sendo absorvido rapidamente dentro do folclore popular ao redor do mundo, tornando Lúcifer uma figura muito mais complexa e rica culturalmente nos dias de hoje do que em seu original, apenas como um dos nomes de Vênus.

Temos sua presença marcada na Divina Comédia de Dante, no século XIV. Assim como no poema épico Paraíso Perdido, escrito por John Milton e publicado pela primeira vez em 1667, que tornou a figura do anjo caído em um um verdadeiro anti-herói, misturando a mitologia cristã com os próprios sentimentos republicanos de Milton contra o Rei da Inglaterra e a favor de uma melhor representação e poder parlamentar.

O termo luciferiano, no sentido de adorador de Lúcifer, foi usado pela primeira vez na Gesta Treverorum, uma coleção de histórias, lendas e registros dos Arcebispos de Trier, em 1231, relatando sobre um círculo religioso que teria sido liderado por uma mulher conhecida como Lucardis. Sua seita teria sido exposta por Konrad von Marburg e pela Inquisição Papal. Em 1234, o Papa Gregório IX também emitiu uma bula Vox in Roma pedindo uma cruzada contra os camponeses de Stedinger, no noroeste da Alemanha, que se rebelavam contra a Igreja, os acusando de luciferianismo. A bula teria uma descrição detalhada de supostos ritos e crenças desses camponeses, que hoje em dia é considerada como inteiramente fictícia.

Saindo da época medieval, onde luciferianos eram apenas algumas figuras marcadas que incomodavam e se rebelavam contra a Igreja, temos o surgimento da Lucifer the Lightbearer como um jornal anarquista publicado nos Estados Unidos no final do século XIX e começo do século XX por Moses Harman, que assim o nomeou para expressar a missão do jornal em levar luz e consciência política aos seus leitores. Sendo através da consciência política e do esclarecimento que um ”novo dia” poderia surgir. Lucifer também foi o título de uma revista independente publicada pela primeira vez por Helena Blavatsky, existindo de 1889 até sua morte em maio de 1891. Em seus escritos também temos Lúcifer como uma força intelectual positiva que poderia guiar a humanidade por um caminho mais equilibrado.

Madeline Montalban, astróloga e maga cerimonial, seria a próxima voz a tomar o termo luciferianismo para si ao fundar a Order of the Morning Star, ou Ordo Stella Matutina (OMS), em 1956 ao lado de Nicholas Heron, fotógrafo e jornalista. Dentro da OMS Lúcifer era venerado como uma entidade angélica benevolente e, em seu segundo material oficial, O Livro de Lumiel, escrito por Montalban, é relatada a compreensão da Ordem tanto sobre Lúcifer como sobre seu envolvimento com a humanidade.

Depois de Montalban, temos a Greater Church of Lucifer (GCoL), fundada em 2014 sob a liderança de Jacob Mckelvy e tendo como co-presidentes Michael W. Ford, ex-integrante da ONA, e Jeremy Crow, fundador da Luciferian Research Society. Seus ensinamentos, até o encerramento de suas atividades, foram mais seculares e focados no mundo prático do que no espiritual. Tendo sua filosofia definida pelos 11 Pontos Luciferianos de Poder, de autoria de Ford.

A Luciferian Research Society segue suas atividades até hoje, encabeçada por Crow, como uma plataforma independente e um podcast voltado ao Caminho da Mão Esquerda. Mckelvy, até onde se sabe, se converteu ao cristianismo. E Ford, por sua vez, segue como fundador da Order of Phosphorus, sendo autor de vários livros tanto sobre o Luciferianismo quanto sobre o Caminho da Mão Esquerda num geral.

Assim como no Satanismo, o Luciferianismo não possui uma igreja ou Ordem oficial, muito menos uma figura central. Seus adeptos são livres para estudar os diversos autores e obras que compuseram a filosofia ao longo do tempo de forma independente, criando seu caminho de forma autônoma. Existem aqueles que tem Lúcifer unicamente como um símbolo alegórico inspirador de luz e sabedoria, assim como os satanistas ateístas tem em Satã um símbolo de transgressão e liberdade. Mas também existem aqueles que se relacionam com Lúcifer como uma entidade real, complexa e multifacetada, por toda sua história e evolução ao longo do tempo, trabalhando com suas mais diversas faces.

Seja como for, a busca constante pelo conhecimento, pelo aprimoramento pessoal e pela independência marcam o caminho de todos os luciferianos. Afinal, como o Portador da Luz, Lúcifer dissipa quaisquer trevas lançadas pelo medo e pela ignorância.

Para ler mais ler mais sobre o tema eu indico os livros Lucifer: Princeps de Peter Grey, A Bíblia do Adversário de Michael W. Ford, Apoteose, do mesmo autor, e a dupla Rites of Lucifer e Lúcifer – O Despertar de Asenath Mason.

Até mais!

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