Mão Esquerda – Definições iniciais

Fonte: Arquivo Pessoal

Quando falamos sobre Mão Esquerda, falamos exatamente do que?

Em minhas memórias, é sempre muito vago saber onde exatamente eu ouvi o termo ”Mão Esquerda” pela primeira vez. No entanto, eu sempre consigo, se fecho meus olhos, reviver a sensação inebriante dos meus primeiros passos neste caminho, como se tivessem se passado ontem.

Foi durante o ano de 2016. Eu estava tentando morar sozinho pela primeira vez num apartamento simples, tendo acabado de sair de um grupo de magia que desmoronou por conta de abusos internos que eu ajudei a denunciar. Sobreviver ali, durante aquela época, foi uma guerra em diversos níveis. A cada dificuldade eu me tornava mais afiado, mais rápido, mais inteligente, mas também sofria bastante. Tive meus acertos e meus erros, minhas vitórias e minhas derrotas. E foi ali, apanhando muito e aprendendo a bater de volta com o triplo de força que a Mão Esquerda entrou na minha vida. Toda a minha visão sobre ela, então, virá sempre do local pessoal da minha vivência.

Dito isto, num primeiro momento, tenha em mente que os termos Caminho da Mão Esquerda (Via Sinistrae) e Caminho da Mão Direita (Via Dexterae) formam entre si uma dicotomia natural dentro dos movimentos esotéricos ocidentais.

Você terá o início dessa terminologia no trabalho da escritora e ocultista russa Helena Blavatsky que, por sua vez, procurou se inspirar nas linhas do Tantra, Vama Marga e Dakshinachara, para criá-los a partir da sua própria visão. Visão essa que ela trabalhou, no conjunto da sua obra, sincretizando profundamente os conceitos orientais já citados com muitos outros vindos do budismo, do hinduísmo e do zoroatrismo com a adição de conceitos oriundos do hermetismo e da cabala, sofrendo em si também muita influência do Espiritismo.

O que torna importante dizer que, apesar da sua relevância inegável perante a história do ocultismo ocidental, seu trabalho acaba sendo muito mais uma costura dos conceitos dessas diversas fontes e culturas, para os quais muitas vezes ela não deu o devido crédito em seus escritos, do que algo de fato original. Isso não tira o peso da sua herança intelectual para que possamos compreender como todos esses conceitos vieram até nós hoje. Mas é sim um ponto de atenção significativo. Pois, se você for até as fontes que ela usou para criar seus textos, você terá noções mais claras sobre os assuntos que ela procurou desenvolver. Inclusive, portanto, em referência aos próprios conceitos que foram cunhados para a Mão Direita e para a Mão Esquerda como caminhos de Luz e Escuridão.

Dentro do hermetismo e da Astrologia Tradicional Helenística, por exemplo, os conceitos de Luz e Escuridão já são trabalhados nas noções que temos hoje de Direita e Esquerda. Para os helenísticos a luz representa as forças divinas e a própria vida em si. Temos, na luz, o movimento, a lucidez, a transparência, as figuras de poder (incluindo as próprias divindades), a razão, a ordem e tudo que faz a manutenção da vida. Na luz temos a coletividade e a integração.

Na Escuridão, por outro lado, temos tudo que é considerado tabu pelas normas sociais. Temos os marginalizados, os que não são vistos, os que estão fora do controle social. Como conceito oposto a Luz, aqui temos tudo o que está fora dos limites da ordem, o que nos paralisa, o que nos entorpece, as paixões carnais, os bodes expiatórios, os inimigos ocultos e tudo que abate a vida. Forças de entropia, destruição e desintegração são pertencentes a Escuridão. Como externa ao coletivo e ao social, habitando naquilo que é selvagem, nela temos o individualismo.

E é nisto que se encontra a diferença prática entre os dois caminhos. A Via Dexterae, como um caminho que pertence a Luz, é sobre união e a Via Sinistrae, como um caminho que pertence a Escuridão, é sobre individualização. Se você já ouviu em algum momento a noção de que evoluímos para em algum momento voltarmos a nos unir ao Todo, parabéns, você já entrou em contato com a visão básica da Mão Direita. E se você já ouviu em algum momento que somos, em nós mesmos, nossa própria divindade, parabéns, você já entrou em contato com a visão básica da Mão Esquerda também.

Perante a Mão Direita a condição humana é, essencialmente, a condição da queda. Existe, dentro das suas linhas, a noção de que fomos separados de uma fonte criadora divina externa e que a separação dessa fonte é a causa das nossas angústias e sofrimento. Portanto, o caminho espiritual da Mão Direita é o do ascetismo e da procura pela pureza moral, negando o material e o terreno, para que se retome a união a esse princípio divino externo que unificaria em si próprio tudo que existe.

Temos essa visão dentro do cristianismo, onde negamos o material para aperfeiçoar o espiritual e nos unirmos a Deus em estado de graça. Mas também a temos um pouco dentro da própria visão reencarnatória de Blavatsky, extremamente influenciada pelo espiritismo de Kardec, onde ao final de nossas linhas evolutivas nos dissolvemos ao Princípio do Universo e até mesmo na ideia wiccana de que ”da Deusa todos viemos e para ela todos voltaremos”. Se ao final de um caminho espiritual você se entrega, se une ou se dissolve em um grande princípio divino maior de onde tudo originalmente veio este caminho é, por essência, um caminho da Mão Direita. Pois a Via Dexterae é, sempre, sobre comungar se unir ao externo.

A Mão Esquerda, em contrapartida, na maioria das suas linhas, não tem seu principal foco numa pretensa Fonte Universal mas sim no indivíduo. Nela, ao invés de buscarmos ascender para uma entrega a algo externo, nos voltamos para a matéria e para o nosso interior. O terreno, com seus instintos e paixões, não é negado, mas sim abraçado e desenvolvido com responsabilidade.

Na Via Sinistrae saímos daquilo que é considerado seguro e assumimos o risco de andar em meio ao que é selvagem, nos reconciliando com nossas sombras, adentrando naquilo que é considerado sujo, naquilo que é tido como tabu e no que foi marginalizado. Não negamos a matéria, que é onde estamos e o que somos, como na abordagem ascética da Direita, mas sim a usamos para o fortalecimento e para o desabrochamento do divino que já existe em nós. Assim, força não é o que você busca fora mas aquilo que você constrói por dentro.

Sendo uma Via da Escuridão que tem a autonomia como foco principal, é natural a ligação entre os praticantes da Mão Esquerda e as figuras que, ao longo da história, em diversas culturas, foram marginalizadas e tidas como aquelas que se negaram a obedecer alguma força maior e totalitária para carregar sua independência como uma coroa e também como uma arma.

É nisto que a figura de Satã como grande Adversário e a de Lúcifer como o rebelde que colapsa a ordem para trazer a conhecimento são acolhidas e celebradas como fontes inspiração. E o trabalho com demônios como princípios que podem guiar através do caminho de auto deificação é esperado. Qualquer caminho espiritual que, ao invés de conduzir a união com uma fonte criadora externa, se satisfaça na separação e continue a aprofundando ao máximo para que seu adepto alcance a divinação individual é um caminho da Mão Esquerda por excelência.

A Teurgia, por exemplo, pertence a Mão Direita, enquanto grande parte das vertentes da Goécia pertencem a Mão Esquerda.

Ambos os caminhos são úteis em seus propósitos e devem ser trilhados com responsabilidade e comprometimento por aqueles que os seguem. Lembre-se sempre que tanto a Luz quanto a Escuridão são princípios essenciais e complementares dentro do Universo em que habitamos. Um não existe sem o outro, ambos sendo necessários para o fluir da dança e do equilíbrio cósmico.

A Mão Direita, sendo um caminho de submissão, é uma Via excelente para aqueles que precisam desenvolver humildade, piedade, empatia e a capacidade de servir a outros e ao bem comum. A Mão Esquerda, sendo um caminho de independência e auto regência, é uma Via maravilhosa para aqueles que, em contrapartida, precisam desenvolver um sentido mais fortalecido de si próprios e de seu poder pessoal. E foi exatamente nisto que a Via Sinistra me acolheu. Em ser um caminho de soberania e fortalecimento pessoal em primeiro e último lugar.

Seguindo os passos sobre como formar um caminho próprio que coloquei aqui, neste post temos então nossa definição inicial sobre o que a Mão Esquerda é e também, de certa forma, uma ideia sobre o que, dentro dela, pode nos mover para ela. Nos próximos posts teremos um pouco mais sobre as principais vertentes dentro desta Via: o Satanismo e o Luciferianismo.

Até lá!

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